John
Wycliffe
(c. 1328 — 31 de dezembro 1384) foi professor da
Universidade
de Oxford,
teólogo e reformador
religioso inglês, considerado precursor das reformas religiosas que sacudiram a
Europa nos séculos XV e XVI (ver: Reforma
Protestante).
Trabalhou na primeira tradução da Bíblia para o idioma inglês, que ficou
conhecida como a Bíblia
de Wycliffe.
Biografia
·
Em Oxford
·
A oposição da Igreja
·
Poder Real X Poder Eclesiástico
·
Wycliffe e o papado
·
Contra as Ordens Monásticas
A
Bíblia Inglesa
·
Wycliffe e os lolardos
O
legado de Wycliffe
Sua família era tradicional na região
de Yorkshire, sendo que, à época do seu
nascimento as propriedades familiares cobriam amplo território nas redondezas
de Ipreswell (hoje Hipswell), seu local de nascimento.
Não há certeza sobre o ano de seu nascimento, um dos anos mais citados é 1320,
mas há variações de
Não se sabe, ainda, o ano em que ele
foi enviado pela família para estudar na Universidade de Oxford, mas há certeza de
que estava lá desde pelo menos 1345.
Na Universidade, aplicou-se nos
estudos de teologia, filosofia e legislação canônica. Tornou-se sacerdote e
depois serviu como professor no Balliol College, ainda
Como teólogo, logo destacou-se pela
firme defesa dos interesses nacionais contra as demandas do papado, ganhando
reputação de patriota e reformista. Wycliffe afirmava que havia um grande
contraste entre o que a Igreja era e o que deveria ser, por isso defendia
reformas. Suas ideias apontavam a incompatibilidade entre várias normas do
clero e os ensinos de Jesus e seus apóstolos.
Uma destas incompatibilidades era a
questão das propriedades e da riqueza do clero. Wycliffe queria o retorno da
Igreja à primitiva pobreza dos tempos dos evangelistas, algo que, na sua visão,
era incompatível com o poder temporal do papa e dos cardeais. Para ele o Estado
deveria tomar posse de todas as propriedades da Igreja e encarregar-se
diretamente do sustento do clero. Logo, a cátedra deixou de ser o único meio de
propagação de suas ideias, ao iniciar a escrita de seu trabalho mais
importante, a Summa theologiae. Entre as ideias mais revolucionárias
desta obra, está a afirmação de que, nos assuntos de ordem material, o rei está
acima do papa e que a Igreja deveria renunciar a qualquer tipo de poder
temporal. Sua obra seguinte, De civili dominio, aprofunda as críticas ao
Papado de Avinhão (onde esteve a sede provisória
da Igreja de 1309 até 1377), com seu sistema de venda de indulgências e a vida
perdulária e luxuosa de muitos padres, bispos e religiosos sustentados com
dinheiro do povo. Wycliffe defendia que era tarefa do Estado lutar contra o que
considerava abusos do papado. A obra contém 18 teses, que vieram a público em
Oxford em 1376.
Suas ideias espalharam-se com grande
rapidez, em parte pelos interesses da nobreza em confiscar os bens então em
poder da igreja. Wycliffe pregava nas igrejas em Londres e sua
mensagem era bem recebida.
Apesar de sua crescente popularidade,
a Igreja apressou-se
É importante lembrar que, neste
período, desenrolava-se a Guerra dos Cem Anos entre a França e a Inglaterra.
Na Inglaterra daquele tempo, tudo que era identificado como francês era visto
como inimigo e nessa visão se incluiu a Igreja, pois havia transferido sua sede
de Roma para Avinhão, na
França. A elite inglesa (realeza, parlamento e nobreza) reagia à ideia de
enviar dinheiro aos papas, esta era uma atitude vista como ajuda ao sustento do
próprio inimigo. Neste ambiente hostil à França e à Igreja, um teólogo como
Wycliffe desfrutou quase imediatamente de grande apoio, não apenas político,
como também popular, despertando o nacionalismo inglês.
Em 22 de maio de 1377, o Papa Gregório XI, que em janeiro havia abandonado
Avinhão para retornar a sede da Igreja a Roma, expediu uma bula contra
Wycliffe, declarando que suas 18 teses eram errôneas e perigosas para a Igreja
e o Estado. O apoio de que Wycliffe desfrutava na corte e no parlamento
tornaram a bula sem efeito prático, pois era geral a opinião de que a Igreja
estava exaurindo os cofres ingleses.
Ao mesmo tempo em que defendia que a
Igreja deveria retornar à primitiva pobreza dos tempos apostólicos, Wycliffe
também entendia que o poder da Igreja devia ser limitado às questões
espirituais, sendo o poder temporal exercido pelo Estado, representado pelo
rei. Seu livro Tractatus De Officio Regis defendia que o poder real
também era originário de Deus, encontrava testemunho nas Escrituras Sagradas,
quando Cristo aconselhou "dar a César o que é de César". Era
pecado, em sua opinião, opor-se ao poder do rei e todas as pessoas, inclusive o
clero, deveriam pagar-lhe tributos. O rei deve aplicar seu poder com sabedoria
e suas leis devem estar de acordo com as de Deus. Das leis de Deus se deriva a
autoridade das leis reais, inclusive daquelas em que o rei atua contra o clero,
porque se o clero negligencia seu ofício, o rei deve chama-lo a responder
diante de si. Ou seja, o rei deve possuir um "controle evangélico" e
quem serve à Igreja deve submeter-se às leis do Estado. Os arcebispos ingleses
deveriam receber sua autoridade do rei (não do papa).
Este livro teve grande influência na
reforma da Igreja, não apenas na Inglaterra, que sob Henrique VIII passaria a ter a igreja
subordinada ao Estado e o rei como chefe da Igreja, mas também na Boêmia e na
Alemanha. Especialmente interessantes são também os ensinamentos que Wycliffe
endereça aos reis, para que protejam seus teólogos. Ele sustentava que, já que
as leis do rei devem estar de acordo com as Escrituras, o conhecimento da
Bíblia é necessário para fortalecer o exercício do poder real. O rei deveria
cercar-se de teólogos para aconselha-lo na tarefa de proclamar as leis reais.
Os escritos de Wycliffe em seus seis
últimos anos incluem contínuos ataques ao papado e à hierarquia eclesiástica da
época. Entretanto, nem sempre foi assim. Seus primeiros escritos eram muito
mais moderados e, à medida que as relações de Wycliffe com a Igreja foram se
deteriorando, os ataques cresceram em intensidade.
Na questão relacionada ao cisma da
Igreja, com papas reivindicando em Roma e Avinhão a liderança da Igreja,
Wycliffe entendia que o cristão não precisa de Roma ou Avinhão, pois Deus está
em toda parte. "Nosso papa é o Cristo", sustentava. Em sua opinião, a
Igreja poderia continuar existindo mesmo sem a existência de um líder visível,
por outro lado os líderes poderiam surgir naturalmente, desde que vivessem e
exemplificassem os ensinamentos de Jesus.
A batalha de Wycliffe contra as ordens
monásticas (que ele chamava de "seitas") iniciou-se por volta de 1377
e alongou-se até sua morte. Wycliffe afirmou que o papado imperialista era
suportado por estas "seitas", que serviam ao domínio do papa sobre as
nações daquele tempo. Em vários de seus escritos, como Trialogus, Dialogus,
Opus evangelicum e alguns sermões, Wycliffe dizia que a Igreja não
necessitava de novas "seitas" e que eram suficientes os ensinos dos
três primeiros séculos de existência da Igreja. Defendia que as ordens
monásticas não eram suportadas pela Bíblia e deveriam ser abolidas, junto com
suas propriedades. O povo então se insurgiu contra os monges e podemos observar
os maiores efeitos dessa insurreição na Boêmia, anos mais tarde, com a
revolução hussita. Na Inglaterra, entretanto, o resultado não foi o esperado
por Wycliffe: as propriedades acabaram nas mãos dos grandes barões feudais .
Wycliffe organizou um projeto de
tradução das Escrituras, defendendo que a Bíblia deveria ser a base de toda a
doutrina da Igreja e a única norma da fé cristã. Sustentava que o papa ou os
cardeais não possuíam autoridade para condenar suas 18 teses, pois Cristo é a
cabeça da Igreja e não os papas.
"A verdadeira autoridade emana da
Biblia, que contém o suficiente para governar o mundo", cita Wycliffe em
seu livro De sufficientia legis Christi. Wycliffe afirmava que na Bíblia
se encontra a verdade, a fonte fundamental do Cristianismo e que, por isso, sem
o conhecimento da Bíblia não haveria paz na Igreja e na sociedade. Com isso,
contrapunha a autoridade das escrituras à autoridade papal: "Enquanto
temos muitos papas e centenas de cardeais, suas palavras só podem ser
consideradas se estiverem de acordo com a Bíblia". Idêntico princípio
seguiria Lutero
mais de 100 anos depois, ao liderar a Reforma Protestante.
Wycliffe acreditava que a Bíblia
deveria ser um bem comum de todos os cristãos e precisaria estar disponível
para uso cotidiano, na língua nativa das populações. A honra nacional requeria
isto, desde quando os membros da nobreza passaram a possuir exemplares da Bíblia
em língua francesa. Partes da Bíblia já haviam sido traduzidas para o inglês,
mas não havia uma tradução completa. Wycliffe atribuiu a si mesmo esta tarefa.
Embora não se possa definir exatamente a sua parte na tradução (que foi baseada
na Vulgata), não há dúvidas de que foi sua a iniciativa e que o sucesso do
projeto foi devido à sua liderança. A ele devemos a tradução clara e uniforme
do Novo Testamento, enquanto seu amigo Nicholas de Hereford traduziu o Antigo
Testamento. Ambas as traduções foram revisadas por John Purvey em 1388, quando
então a população em massa teve acesso à Bíblia em idioma inglês, ao mesmo
tempo que se ouvia dos críticos: "a jóia do clero tornou-se o brinquedo
dos leigos".
Mas, cabe fazer algumas ressalvas.
Durante a Idade Média os livros eram raros e caros por serem feitos à mão, a
Bíblia não era exceção. O uso exclusivo do Latim era comum a todos os livros
dado a universalidade da língua e o seu reconhecimento erudito e intelectual na
Europa Ocidental, regra válida também para a Bíblia. A tradução de Wycliffe da
Bíblia para o inglês pode ser entendida como mais movida pelo nacionalismo
inglês e menos por uma inclinação popular de democratização de acesso. Os
pobres continuaram sem ter acesso a mesma por dois motivos: o primeiro é que
era cara por sua confecção ainda manual e segundo o povo continuava analfabeto.
A grande difusão da Bíblia só foi de fato possível com a invenção da imprensa
no séc. XV e a universalização da educação a partir do séc. XIX. Então, somente
após o séc. XIX reuniram-se as condições para a Bíblia se tornar um livro
popular.
Apesar do empenho da hierarquia
eclesiástica em destruir as traduções em razão do que consideravam como erros
de tradução e comentários equivocados, ainda existem ao redor de 150
manuscritos, parciais ou completos, contendo a tradução em sua forma revisada.
Disso podemos inferir o quão difundida essa tradução foi no séc. XV, razão pela
qual os partidários de Wycliffe eram chamados de "homens da Bíblia" por
seus críticos. Assim como a versão de Lutero teve grande influência sobre a
língua alemã, também a versão de Wycliffe influenciou o idioma inglês, pela sua
clareza, força e beleza.
A Bíblia de Wycliffe, como passou a
ser conhecida, foi amplamente distribuída por toda a Inglaterra. A Igreja a
denunciou como uma tradução não autorizada.
Contrário à rígida hierarquia
eclesiástica, Wycliffe defendia a pobreza dos padres e os organizou em grupos
para divulgar os ensinos de Cristo. Estes padres (mais tarde chamados de "lolardos")
não faziam votos nem recebiam consagração formal, mas dedicavam sua vida a
ensinar o Evangelho ao povo. Estes pregadores itinerantes espalharam os ensinos
de Wycliffe pelo interior da Inglaterra, agrupados dois a dois, de pés
descalços, usando longas túnicas e carregando cajados nas mãos.
Em meados de 1381 uma insurreição
social amedrontou os grandes proprietários ingleses e o rei Ricardo II foi
levado a crer que os lolardos haviam contribuído com ela. Ele ordenou à Universidade de Oxford (que havia sido
reduto de líderes insurretos) que expulsasse Wycliffe e seus seguidores, apesar
destes não haverem apoiado qualquer movimento rebelde. O rei proibiu a citação
dos ensinos de Wycliffe em sermões e mesmo em discussões acadêmicas, sob pena
de prisão para os infratores.
Wycliffe então se retirou para sua
casa em Lutterworth, onde reuniu sábios que o auxiliaram na tarefa de traduzir
a Bíblia do latim para o inglês. Enquanto assistia à missa em Lutterworth, no
dia 28 de dezembro de 1384, foi acometido
por um ataque de apoplexia, falecendo 3 dias depois, no último dia do ano.
A influência dos escritos de Wycliffe
foi muito grande em outros movimentos reformistas, em particular sobre o da
Boêmia, liderado por Jan Huss e Jerônimo de Praga. Para frear tais movimentos, a
Igreja convocou o Concílio de Constança (1414 - 1418). Um decreto
deste Concílio (expedido em 4 de maio de 1415) declarou Wycliffe como herético, recomendou que todos os
seus escritos fossem queimados e ordenou que seus restos mortais fossem
exumados e queimados, o que foi cumprido 12 anos mais tarde pelo Papa
Martinho V. Suas cinzas foram jogadas no rio Swift, que banha Lutterworth.[1]
Referências
· John Wycliffe (em inglês) no Find a Grave
Ver
também
1. John
Wycliffe: The Morning Star, filme
biográfico de 1984.
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