Agrupa os vários
poemas em que os personagens principais são o rei franco Carlos
Magno e seus paladinos[5].
Em algumas os sucessores imediatos de Carlos também são personagens. O tema
mais importante é a luta de Carlos e seus guerreiros, como Rolando e Oliveiros,
contra os muçulmanos. Exemplos importantes:
· A
Canção de Rolando
(
· A Peregrinação de Carlos Magno (Pèlerinage de Charlemagne, c. 1140): trata de uma peregrinação fictícia de Carlos Magno e seus paladinos a Jerusalém - onde conseguem várias relíquias - e Constantinopla.
· Ferrabrás (Fierabras,
c. 1170): trata da luta entre o rei Carlos e seus paladinos contra o rei
muçulmano Balão e seu filho gigantesco, Ferrabrás. No final, Oliveiros vence
Fierabrás e este converte-se ao Cristianismo junto a sua irmã, Floripes, que
também é um dos personagens principais.
· Aspremont (c. 1190): a Europa é invadida pelo rei
sarraceno Agolant e seu filho Helmont. No sul da Itália, Carlos Magno e seus
paladinos lutam e vencem os invasores. Na batalha mais decisiva, o jovem Rolando
vence Helmont e recebe de Carlos Magno a espada Durindana e o cavalo Vigilante.
· Chanson de Saisnes (Canção dos Saxões, c.
1200): primeira canção com autor conhecido, o escritor Jean Bodel. Trata das
campanhas militares de Carlos Magno contra os saxões, que realmente
ocorreram no séc. VIII.
A Canção de Rolando
A Canção
de Rolando (em língua francesa, La chanson de Roland)
é um poema épico composto no séc. XI
em francês antigo, sendo a mais antiga das canções de gesta escritas em uma língua românica. Teve enorme influência na Idade
Média, inspirando muitas outras obras sobre o tema (a chamada "Matéria de França") por toda a Europa. Como
outras canções do gênero, à época, era recitado por jograis nas cortes
e nas cidades.
O
poema narra o fim heroico do conde Rolando, sobrinho de Carlos Magno, que padece junto
ao seus homens na batalha
de Roncesvales,
travada no desfiladeiro do mesmo nome contra os sarracenos. A base histórica
do poema é uma batalha real, ocorrida em 15 de Agosto de 778 entre a retaguarda do exército de Carlos
Magno, sob o comando de Rolando, um dos Doze
Pares de França,
que abandonava a Península
Ibérica,
e um grupo de montanheses bascos, que a chacinou.
Embora tenha por base uma batalha cuja ocorrência é corroborada historicamente,
o relato apresentado no poema não é muito fidedigno: os autores do massacre
passaram de bascos a muçulmanos, e tanto essa alteração como o tom geral do
poema justifica-se pelo contexto das Cruzadas e da Reconquista cristã da Península, que
se presenciou no séc. XI.
Origem e manuscritos
Existem vários manuscritos
medievais da Canção de Rolando em francês
antigo, um dos quais escrito na variante anglo-normanda.
Este último, conservado na Biblioteca Bodleiana de Oxford, é o mais
antigo de todos e data de entre 1130 e 1170.[1]
Acredita-se, porém, que a primeira versão do poema possa ter surgido antes,
derivada da tradição oral sobre a batalha de Roncesvalles.
Aparentemente,
uma das finalidades da narração da história de Rolando era a de moralizar os
exércitos antes das batalhas. Nas obras de Guilherme de Malmesbury (Gesta regum
anglorum, c. 1120[1][2])
e Wace (Roman de
Rou, 1160-1170[3])
há referências a um poema sobre Rolando (cantilena Rolandi, na obra de
Guilherme) sendo recitado antes da Batalha de Hastings, que conduziu à Conquista normanda da Inglaterra
por Guilherme da Normandia em 1066. Wace e
Malmesbury mencionam um jogral de Guilherme, Taillefer, como sendo quem recitou
o poema. Não é possível saber, porém, até que ponto o poema referido é a Canção
preservada hoje.
O autor do poema
nunca foi identificado. O último verso da obra diz Ci falt la geste que
Turoldus declinet, mas esse tal Turoldo - de quem nada mais se sabe -
poderia tratar-se tanto do autor, o jogral ou o copista do poema.
Contexto histórico e mito
A história
narrada no poema é inspirada pela campanha militar que Carlos
Magno, rei dos Francos, efectuou na Península Ibérica em 778, à época submetida
em sua maior parte por muçulmanos.[1][4]
No curso da campanha, Carlos aliou-se a determinados líderes muçulmanos contra
outros, saqueou Pamplona e sitiou Saragoça.
Um levantamento dos saxões obrigou o rei a retirar-se para assegurar a fronteira
oriental do reino. No dia 15 de agosto de
A destruição da
retaguarda do exército e a morte de Rolando passaram a constituir material para
os poemas cantados pelos jograis medievais, num contexto
A Canção de
Rolando foi escrita três séculos depois dos eventos que a inspiraram o que,
junto com a mentalidade de Cruzada, explica em parte os erros históricos e anacronismos
da narrativa. No poema, os bascos que atacaram os francos passaram a ser
400 000 muçulmanos sarracenos. Carlos Magno é mencionado pelo rei
Marsílio como tendo 200 (sic) anos, quando na realidade tinha 36 anos na época da
campanha, e é apresentado como imperador, quando era ainda apenas rei dos
francos e só seria coroado imperador no ano 800. Rolando, que era um
comandante militar franco, é apresentado como sobrinho de Carlos. No poema, o
rei retorna para vingar o sobrinho ao saber da emboscada que sofre a
retaguarda. Na realidade, Carlos Magno só retornou à Península em 801, quando tomou Barcelona e
aí criou a Marca (fronteira) de Espanha. Os mouros (chamados sarracenos
no poema) são caracterizados de maneira estereotipada e equivocada, revelando o
pouco conhecimento sobre o Islão que os cristãos possuíam relativamente à religião
praticada na Península Ibérica à época do desenvolvimento do poema. Assim, os
muçulmanos são descritos como politeístas, adoradores de Maomé
(retratado como um deus e não como profeta de Alá), Apolo (divindade
grega) e uma divindade chamada Tervagão (Tervagant), e não como
monoteístas adoradores do mesmo Deus que os cristãos.
Alguns
historiadores acreditam que as canções de gesta em torno ao tema de Rolando e
Carlos Magno foram particularmente cultivadas nos mosteiros ao longo do Caminho de Santiago, que liga a França a Santiago de Compostela e que foi a mais
importante rota de peregrinação da Europa medieval. O caminho ao norte da
Península Ibérica passava pelos Pirenéus, bastante próximo do lugar da batalha de Roncesvalles e próximo da
fronteira com os reinos muçulmanos, que dominavam as regiões mais ao sul da
Península. Essas canções seriam assim parte importante do entretenimento e
motivação espiritual dos peregrinos.[4]
Sinopse
O imperador
franco cristão Carlos Magno luta contra os sarracenos (mouros) há sete
anos na Espanha,
mas uma praça ainda resiste: Saragoça,
administrada pelo traiçoeiro rei
Marsílio. Marsílio e os seus nobres, certos de que a derrota é inevitável,
desenvolvem um plano para ludibriar os francos.
Enviados de Marsílio prometem que ele será vassalo de Carlos Magno e que se
converterá ao Cristianismo, uma vez que o imperador tenha partido da
Espanha. Mas o rei sarraceno não pensa em concretizar o prometido: tudo não
passa de um plano rigorosamente elaborado de modo a fazer com que os francos
saiam do seu território.
Carlos Magno e
os seus vassalos estão cansados da guerra e não confiam na palavra de Marsílio.
Entre eles estão o conde Rolando, sobrinho do rei, Oliveiros,
amigo de Rolando, e Ganelão, padrasto de Rolando. Rolando aconselha a não confiar
em Marsílio, enquanto Ganelão quer pôr termo à guerra já. Os conselheiros do
imperador decidem então enviar uma embaixada a Saragoça, uma empreitada perigosa
porque Marsílio já matou enviados anteriores. Vários cavaleiros se oferecem,
inclusive Rolando, mas o imperador não lhes consente. Então Rolando sugere
Ganelão como embaixador, e o rei concorda. Isso aumenta o terrível ódio que
Ganelão sente contra Rolando.
Ganelão viaja a
Saragoça. Num tenso encontro com Marsílio, os dois armam um plano para matar
Rolando e os seus companheiros. Ganelão informa-os de que poderão matar o conde
quando os francos retornem ao seu reino, pois fará com que Rolando esteja no comando
da retaguarda. Ganelão promete aos sarracenos que, com o sobrinho morto, Carlos
Magno perderá o ânimo para lutar.
Ao retornar com
os francos, Ganelão convence-os das boas intenções de Marsílio e consegue que
Rolando se converta no comandante da retaguarda. O conde é acompanhado por
vinte mil homens e pelos chamados doze pares de França, os melhores
cavaleiros francos. Entre estes estão Oliveiros, o grande amigo de Rolando, e o
Arcebispo Turpino, que além de religioso é um grande guerreiro.
No passo de Roncesvales,
a retaguarda é vítima de uma emboscada, sendo atacada por vários batalhões de
sarracenos que ascendem, no total, a 400 milhares de homens. Oliveiros implora
a Rolando que soe o olifante - uma trombeta - para avisar as tropas de Carlos
Magno, mas Rolando recusa-se a fazê-lo. Os francos lutam valentemente; Rolando,
com sua espada Durindana e seu cavalo Vigilante, é o que mais inimigos
derrota. Mas os sarracenos são muitos e não há esperança para os cristãos.
Quando já não há mais que sessenta francos, Rolando, usando as suas últimas
forças, finalmente toca o olifante, para que Carlos Magno possa vir vingá-los.
Oliveiros repreende-o pela sua arrogância: por não ter tocado antes o olifante,
morrerão todos os nobres cavaleiros da retaguarda. Finalmente morrem todos os
francos. A alma de Rolando é levada ao céu por anjos e santos.
Carlos Magno e
os seus homens, ao chegar, chocam-se com a visão do massacre. Ocorre então um milagre:
o sol deixa de girar no céu, impedindo que anoiteça, e assim os sarracenos não
podem esconder-se na escuridão. O exército franco persegue os infiéis até ao rio Ebro. Os
que não morrem pela espada acabam por perecer afogados no rio.
Marsílio retorna
a Saragoça, onde o ânimo dos muçulmanos é fraco. A sua mão direita foi decepada
durante a batalha por Rolando. Baligante, poderoso emir da Babilônia,
vem socorrer o seu vassalo. Em Roncesvalles, onde os francos enterram e
lamentam os seus mortos, ocorre uma batalha entre as forças do emir e dos
francos. O clímax da luta é um combate entre Baligante e Carlos Magno em que,
com ajuda divina, o rei franco derrota o emir. O exército franco toma Saragoça,
destruindo todos os itens religiosos islâmicos e judaicos da cidade. Todos os
habitantes da cidade são obrigados a converter-se ao Catolicismo
exceto a rainha Bramimonda, que é levada ao país dos francos, para que aceite
espontaneamente o Cristianismo.
Em Aquisgrão,
a capital dos francos, começa o julgamento de Ganelão. Pinabel, eloquente parente
de Ganelão, convence os jurados de que o réu traiu Rolando mas não o seu
senhor, Carlos Magno. Thierry, um corajoso mas débil cavaleiro, argumenta que
trair Rolando foi o mesmo que trair o rei, e desafia Pinabel a um combate.
Durante a luta, com intervenção divina, Thierry vence. Ganelão é executado
cruelmente: cada um dos seus braços e pernas são atados a um cavalo, que puxam
cada um numa direção e assim o seu corpo é esquartejado. Outros parentes de
Ganelão, que tinham ficado do seu lado na disputa, são também executados.
Bramimonda
aceita o Cristianismo e é batizada, e tudo parece estar finalmente
Forma poética
O poema está
composto por 4002 versos
agrupados em 290 estrofes.
As estrofes tem um número irregular de versos, comuns na poesia francesa
medieval e chamadas laisses. Os versos são decassilábicos (dez sílabas),
sem rima mas com o
emprego da assonância, ou seja, da repetição de vogais com sons
semelhantes nas sílabas tônicas dos versos de uma mesma laisse. Em todos
esses aspe(c)tos a Canção de Rolando é uma típica canção de gesta francesa[6]
O autor usa
muitos paralelismos e repetições, contando e recontando algumas cenas de
ângulos um pouco diferentes. Em geral a narrativa é rápida, mas algumas
passagens são contadas em muito detalhe. Quase não há descrição psicológica dos
personagens, que são caracterizados mais por suas ações do que por suas
reflexões. Muitas vezes o autor antecipa, muitas estrofes antes, eventos do
futuro, por exemplo a traição que sofre Rolando e a execução de Ganelão no
final.
Personagens
Eis uma lista
dos principais personagens d’A Canção de Rolando.
- Carlos Magno, à data dos
eventos apenas ainda Rei dos Francos, dos Lombardos e dos Germanos; os seus
exércitos combatem os sarracenos na Espanha.
- Rolando, o herói da Canção;
sobrinho de Carlos Magno, lidera a retaguarda dos seus exércitos à saida
de Espanha; morto pelas forças de Marsílio após valente peleja.
- Ganelão (Ganelon), o
traidor que encoraja Marsílio a atacar os francos,
- Rei Marsílio (Marsile),
rei mouro de Saragoça, na Espanha; é ferido
por Rolando, vindo a morrer mais tarde devido a esse ferimento.
- Oliveiros (Olivier), o
amigo íntimo e prudente de Rolando, morto na batalha,
- Turpino
(Turpin), Arcebispo de Reims, baseado no
histórico Tilpin, primeiro arcebispo dessa cidade entre 748 e 795
- Baligante (Baligant),
Emir de Babilónia, Marsílio
solicita o seu auxílio contra Carlos Magno.
- Bramimunda,
Rainha de Saragoça, capturada por Carlos Magno e convertida ao
Cristianismo,
- Pinabel, que
combate na ordália por Ganelão.
- Thierry, que
combate por Carlos Magno e Rolando no ordálio final.
Influência
A Canção de
Rolando e temas associados tiveram grande difusão na época medieval.[4]
Já em 1170 aparece uma tradução em alto alemão médio (Rolandslied), de
autoria do Padre Conrado (Pfaffe Konrad).[7]
A versão alemã diminuiu o fervor patriótico francês do original e aumentou o
caráter de propaganda das Cruzadas do poema. Mais tarde houve versões em holandês antigo (séc. XIII[8]),
em occitano (Ronsasvals, séc. XIV), em língua nórdica antiga (Karlamagnús saga)
e em língua vêneta do norte da Itália. Nessa
última região o tema de Rolando teve muita popularidade no Renascimento,
em que aparece (como Orlando) nas obras de Matteo Maria Boiardo (Orlando innamorato, séc. XV) e Ludovico
Ariosto (Orlando Furioso, séc. XVI).
Vários lugares
próximos ao lugar da batalha de Roncesvalles, na Catalunha e País
Basco, possuem topônimos derivados do nome de Rolando. A sua fama chegou à Galiza e a Portugal
graças aos peregrinos de Santiago, sendo conhecido também sob os
nomes de Roldão ou Rolão.
Notas
1.
2. Guilherme de Malmesbury, História dos Reis da Inglaterra livro
3, 1
3. Wace, Roman de Rou versos 8013-18
4. «Curso de literatura francesa de Gert Pinkernell» (em
alemão)
5. Vida de Carlos Magno, de
Eginhardo (cap. X) em latim em inglês
6. «Chanson de Geste. Histoire de la littérature française» (em francês)
7. «Bibliotheca Augustiniana - Rolandslied»
Ver também
Ligações externas
· A Canção de Rolando na Bibliotheca Augustana (original em francês antigo)
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