Fócio I de Constantinopla (em grego: Φώτιος; transl.: Phōtios; c. 810 [1]/820 - c. 893[a][1]) foi o patriarca de Constantinopla entre 858 e 867 e, novamente, entre 877 e 886 Ele é reconhecido pela Igreja Ortodoxa como São Fócio, o Grande.
Fócio é
considerado o mais poderoso e influente patriarca de Constantinopla desde João Crisóstomo e como o mais importante
intelectual de seu tempo, "a luz do renascimento do séc. IX".[2]
Ele foi uma figura central tanto na conversão dos eslavos ao
cristianismo quanto no cisma
de Fócio.[3]
Ele era um homem
bem educado nascido de uma família nobre de Constantinopla.
Seu tio-avô era o falecido patriarca Tarásio.[4]
Ele pretendia se tornar um monge, mas escolheu ser um acadêmico e um estadista ao invés
disso. Em 858, o imperador Miguel III, o Ébrio (r. 842-867) depôs o patriarca Inácio e Fócio, ainda um
leigo, foi levado ao trono patriarcal em seu lugar.[5]
Em meio a disputas de poder entre o papa e o imperador bizantino, Inácio foi reconduzido ao
cargo e Fócio foi derrubado pela primeira vez.[5]
Ele reassumiu a posição com a morte de Inácio em 877 por ordem do imperador[5]
e com a aprovação do novo papa, João
VIII.[6]
Os católicos
consideram o Quarto Concílio de
Constantinopla, que anatemizou Fócio como legítimo,[5]
enquanto que os ortodoxos consideram um outro concílio de mesmo
nome, o Quarto Concílio de
Constantinopla (Ortodoxo), que reverteu o primeiro, como legítimo.[5]
Esta contestação mútua sobre o que seria o oitavo concílio ecumênico marca o final da harmonia
representada pelos sete primeiros concílios ecumênicos
aceitos pelas duas Igrejas.
Vida
·
Secular
A maior parte
das fontes primárias sobre a vida de Fócio foi escrita por pessoas hostis a
ele. Os estudiosos modernos são, por isso, cautelosos quanto tentar inferir a
acuracidade dessas informações[b].
Pouco se sabe sobre a origem e os primeiros anos de Fócio. Nós sabemos que ele
nasceu em uma família nobre e que seu tio, Tarásio de Constantinopla, fora patriarca
entre 784 e 806 sob a imperatriz Irene
e Nicéforo I, o Logóteta[7].
Durante a segunda onda do iconoclasma, sua família sofreu perseguições por causa de
seu pai, Sergios, que era um proeminente iconófilo.
A família retornou às graças apenas após o "Triunfo da Ortodoxia" em 842.[8]
Alguns estudiosos afirmam que ele era, pelo menos em parte, de ascendência armênia[c].
Os autores bizantinos também reportam que o imperador Miguel III, o Ébrio certa vez, num acesso de
fúria, chamou Fócio de "cara de cazar", mas
se isto é um insulto genérico ou uma referência a sua etnia é incerto.[9]
Embora Fócio
tenha tido uma excelente educação, não sabemos nada sobre ela[d]. A
famosa biblioteca que ele possuía atesta a sua famosa erudição (teologia, gramática,
filosofia,
direito, ciências naturais e medicina).[10]
A maioria dos acadêmicos acredita que ele nunca lecionou na Magnaura
(a universidade de Constantinopla) ou em qualquer outra universidade.[11]
Vasileios N. Tatakis afirma que, mesmo enquanto patriarca, Fócio ensinou "jovens
estudantes sedentos de saber" em sua casa, que "era um centro
de aprendizado".[10]
Fócio diz que,
quando jovem, ele tinha um pendor pela vida
monástica, mas, o invés dela, optou por iniciar uma carreira secular. O
caminho do serviço público provavelmente se abrira para ele quando, de acordo
com uma fonte, o seu irmão Sérgio se casou com Irene, irmã da imperatriz Teodora, que, após a morte de seu
marido Teófilo em 842, assumira a regência do império.
Fócio então se tornou o capitão da guarda (protoespatário)
e, posteriormente, primeiro secretário imperial (protoasecreta).
Numa data incerta, Fócio participou ainda de uma embaixada aos abássidas
de Bagdá.[12]
·
Patriarca de Constantinopla
A carreira
eclesiástica de Fócio avançou de forma invulgar após o césar Bardas e seu sobrinho, o jovem imperador Miguel, colocaram um
fim na administração da regente Teodora e do logóteta do dromo Teoctisto em 856 Em 858, foi a vez de Bardas se
ver em conflito com o patriarca Inácio de Constantinopla, que se recusava
a admiti-lo em Santa Sofia por causa de seu relacionamento com a sua
nora, que era viúva. Em resposta, Bardas e Miguel tramaram a deposição de
Inácio e o prenderam sob acusações de traição, deixando o trono vago. Bardas
logo o preencheu com Fócio, que foi tonsurado em 20
de dezembro daquele ano e, nos quatro dias subsequentes, foi ordenado leitor, subdiácono,
diácono
e padre. Ele foi
consagrado como patriarca de Constantinopla no Natal.[13]
A deposição de
Inácio e repentina promoção de Fócio provocaram um escândalo e uma divisão
eclesiástica de proporções internacionais, pois o papa e os demais bispos ocidentais
tomaram as dores de Inácio. A deposição dele sem um julgamento eclesiástico
formal significava que a eleição de Fócio era não canônica e, eventualmente, o papa
Nicolau I, como patriarca sênior, se envolveu na questão para determinar a
legitimidade desta sucessão. Legados
foram despachados para a capital imperial com instruções de investigar o caso,
mas, ao encontrar Fócio já bem estabelecido na posição, eles concordaram com a
sua eleição num sínodo realizado em 861 Ao retornarem para Roma, eles descobriram
que não era isso que Nicolau pretendia e, em 863, num outro sínodo realizado em
Roma, o papa depôs
Fócio e reconduziu Inácio ao trono patriarcal. A ação foi completamente
ignorada em Constantinopla e, quatro anos depois, Fócio se vingaria ao chamar
um concílio e excomungando o papa por heresia — por
causa da questão da "dupla procedência" do Espírito
Santo (veja cláusula Filioque).[14]
A situação foi adicionalmente complicada por conta da questão da autoridade
papal sobre toda a igreja e a contestada jurisdição sobre a recém-convertida Bulgária.[15]
Este período ficou conhecido como cisma
de Fócio.
Esta confusão
mudou com o assassinato do patrocinador de Fócio, Bardas, em 866, e
do imperador Miguel no ano seguinte pelo seu co-imperador Basílio I, o Macedônio (r. 867-886), que
usurpou o trono. Fócio foi deposto como patriarca, não tanto por ser protegido
de Bardas e Miguel, mas por que Basílio procurava uma aliança com o papa e com
o imperador do ocidente. Fócio foi removido do
cargo e banido por volta de setembro de 867 e Inácio foi reinstalado em 23 de
novembro. Fócio então foi condenado pelo Concílio de 869-870.
Durante o seu segundo patriarcado, Inácio seguiu uma política muito próxima à
que vinha seguindo Fócio.
Não muito depois
de sua condenação, Fócio conseguiu se reconciliar com Basílio e se tornou o
tutor dos filhos do imperador. A partir de cartas sobreviventes de Fócio
escritas durante o exílio no mosteiro de Skepi, parece que o ex-patriarca pressionou o
imperador para que ele fosse reinstalado. O biógrafo de Inácio argumenta que
Fócio forjou um documento sobre a genealogia
da família de Basília e o colocou na biblioteca imperial, onde ele tinha um
amigo em posição de ajudar. De acordo com este documento, os ancestrais do
imperador não eram simples camponeses como acreditavam todos, mas descendentes
da Dinastia Arsácida da Reino da Armênia.[16]
Verdade ou não, esta história de fato revela a dependência de Basílio em Fócio
para assuntos ideológicos e acadêmicos. Logo após Fócio ter sido convidado a se
juntar à corte, ele e Inácio se encontraram e se reconciliaram publicamente.
Quando Inácio morreu em 23 de outubro de 877, foi uma questão de dias até que
seu antigo oponente fosse novamente apontado como patriarca. Shaun Tougher
afirma que deste ponto em diante, Basílio não apenas dependia de Fócio, mas
estava de fato completamente dominado por ele.[17]
Fócio agora
obteve o reconhecimento formal do mundo cristão num concílio reunido em
Constantinopla em novembro de 879. Os legados do papa
João VIII compareceram, preparados para reconhecerem Fócio como patriarca
legítimo, uma concessão pela qual João seria muito censurado pela opinião dos
autores latinos.
O patriarca permaneceu firme nos principais pontos de contestação entre as
igrejas do ocidente e do oriente, o pedido de desculpas exigido pelo papa, a
jurisdição sobre a Bulgária e a introdução da cláusula Filioque no credo niceno-constantinopolitano.
Eventualmente, Fócio se recusou a se desculpar ou aceitar a inclusão do Filioque
e os legados tiveram que se contentar em retornar para casa apenas com a
jurisdição sobre a Bulgária para Roma. Esta concessão, porém, era puramente
formal, pois a Bulgária retornou ao rito
bizantino em 870 e já havia assegurado para si o status de igreja autocéfala. Sem o consentimento de Bóris I da Bulgária, o papado não tinha a menor
condição de fazer valer suas pretensões sobre o território.
Durante as
disputas entre Basílio e seu herdeiro, Leão, Fócio tomou o lado do imperador. Em 883,
Basílio acusou Leão de conspirar contra sua vida e confinou o príncipe no
palácio. Ele o teria cegado não fosse pela
intervenção de Fócio e de Estiliano
Zautzes, o pai de Zoé Zautsina, a amante de Leão.[18]
Em 886, Basílio descobriu e puniu outra conspiração, desta vez dos empregados
do hicanátos
João Curcuas e muitos outros oficiais.
Nesta, Leão não foi implicado, mas Fócio era possivelmente um dos
conspiradores.[19]
Basílio morreu
em 886 num acidente de caça, segundo a história oficial. Warren T. Treadgold
acredita que, desta vez, a evidência aponta para um plano por parte de Leão,
que se tornou imperador e dispensou Fócio, que havia sido seu tutor.[20]
Ele foi substituído pelo irmão o imperador, Estêvão I, e enviado para exílio no
mosteiro de Bordi, na Armênia. É possível confirmar, pelas cartas de e para o papa Estêvão V, que Leão arrancou uma renúncia de
Fócio. Em 887, Leão montou um julgamento de traição contra Fócio, mas não
conseguiu a sentença que queria. A testemunha principal, Teodoro Sandabareno,
se recusou a testemunhar que Fócio estava por trás da remoção de Leão do poder
em 883 e acabou sofrendo a fúria do imperador após o término do julgamento.
Como persona non grata, Fócio provavelmente
retornou à força para a vida monástica. Porém, parece que ele não permaneceu em
opróbrio
pelo resto de sua vida.[21]
Fócio continuou
sua carreira como um escritor no reino de Leão, que provavelmente reabilitou a
sua reputação nos anos seguintes.
A Igreja
Ortodoxa venera Fócio como um santo, comemorado no
dia 6 de fevereiro.
Análises
Fócio é uma das
mais famosas personalidades, não apenas do Império Bizantino do séc. IX, mas de toda a
história do império. Um dos mais cultos homens de sua época, ele mereceu a sua
fama parte por conta de seus conflitos eclesiásticos, mas também por seu
intelecto e obras literárias.[25]
Analisando as suas obras, Tatakis considera Fócio como "uma mente voltada
mais para a prática do que para a teoria". Ele acredita que, graças a
Fócio, o humanismo foi incorporado na Ortodoxia
como um elemento básico da consciência nacional dos bizantinos. Tatakis também
argumenta que, tendo compreendido sua consciência nacional, Fócio emergiu como
um defensor da nação grega e sua independência espiritual nos debates contra a
igreja ocidental.[26]
Adrian Fortescue o considera
como "o mais maravilhoso homem de toda a Idade
Média" e reforça que "não tivesse ele emprestado
seu nome ao grande cisma, ele seria lembrado para sempre como o maior acadêmico
de seu tempo".[27]
Obras
A mais
importante obra de Fócio é a sua renomada Biblioteca ou Mirióbiblo (Myriobiblon),
uma coleção de excertos e resumos de 280 volumes de autores clássicos
(geralmente citados como códices), cuja maior parte dos originais se
perdeu. A obra é especialmente rica em citações de historiadores.
A Fócio também
devemos quase tudo o que hoje existe sobre Ctésias de Cnido, Mêmno de Heracleia, Conon, os livros perdidos de Diodoro
Sículo e as obras perdidas de Arriano. A
história eclesiástica e a teologia também estão muito bem representadas nas
obras dele, mas a poesia e a filosofia antiga foram quase que completamente
ignoradas. Parece que ele não considerava necessário ligar com autores que
homens bem educados já supostamente seriam familiares. Os trechos citados
variam muito no comprimento e as numerosas notas biográficas parecem ter sido
baseadas na obra de Hesíquio de Mileto.
O Léxico (Lexicon),
publicado depois que a Biblioteca, foi principalmente obra de alguns de seus
pupilos. O objetivo era ser um livro de referência para facilitar a leitura dos
antigos clássicos e dos autores sagrados, cuja linguagem e o vocabulário haviam
caído
Sua mais
importante obra teológica é a Anfilóquia (Amphilochia), uma coleção de
300 perguntas e respostas sobre assuntos difíceis das Escrituras,
endereçada a Anfilóquio, arcebispo de Cízico.
Outras obras similares são o seu tratado, em quatro volumes, contra os maniqueístas
e os paulicianos,
e sua controvérsia contra os latinos sobre a processão do Espírito Santo. Fócio
também endereçou uma longa carta de conselhos teológicos para o
recém-convertido rei Bóris I da Bulgária. Diversas epístolas
também sobreviveram.
Fócio também é o
autor de dois "espelhos de príncipes", endereçado para Boris-Miguel
da Bulgária (Epistula 1, ed. Terzaghi) e para Leão VI, o Sábio(Admonitory
Chapters of Basil I).[28]
A principal
fonte autoritativa contemporânea sobre a vida de Fócio é um amargo detrator, Nicetas, o Paflagônio, o
biógrafo de seu rival, Inácio.
Ver também
· Fócio - (deposto, reinstalado e deposto) (858 - 867 / 877 - 886)
· Precedido por: Inácio I Inácio I
· Patriarcas
ecumênicos de Constantinopla: 86.º
· Sucedido por: Inácio I Estêvão I
Notas
[a] ^ As datas exatas do
nascimento e morte de Fócio são desconhecidas. A maior parte das fontes lista ca. 810 e outras ca. 820
como seu ano de nascimento. Ele morreu em algum momento entre 890 e 95
(provavelmente 891 ou 893).[29]
[b] ^ O caso da
"Crônica" de Pseudo-Simeão é característico: o autor argumenta que
Fócio foi educado após um acordo que ele concluiu com um mago judeu, que teria lhe
oferecido sabedoria e reconhecimento secular caso ele renegasse a sua fé[30].
[c] ^ David Marshall
Lang argumenta que "Fócio [...] era apenas um dos muitos acadêmicos
bizantinos de descendência armênia".[31] Peter Charanis nota que "João, o Gramático, Fócio, César Bardas e Leão,
o Filósofo
parecem ter sido os principais agentes. Os quatro eram, ao menos em parte, de
descendência armênia [...] quanto a Fócio, o fato de sua mãe, Irene, ser irmã
de Arsabero, o mesmo que se
casou com Calomaria, a irmã de Bardas e da imperatriz Teodora".[32] Nicholas Adontz reforça que
Arsabero, o tio de Fócio, não deve ser confundido com Arsabero, o irmão de
João, o Gramático.[33]
[d] ^ G.N. Wilson
considera Leão,
o Matemático,
como seu professor, mas Paul Lemerle argumenta que Leão
não era alguém com quem Fócio se correspondia.[34]
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21.
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23.
S. Tougher, The Reign of Leo VI, 87-88
24.
S. Tougher, The Reign of Leo VI, 88
25.
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Tougher, The Reign of Leo VI,
68
26.
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Ligações externas
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· «Photius(c.
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· «São Fócio, o
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· «Biografia e tradução das obras de Fócio» (em inglês). Photius.com.
· «Bibliotheca» (em inglês). Tertullian.org.
· Migne (ed.). Patrologia Graeca . Opera Omnia (em inglês). [S.l.]: Documenta Catholica
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