sábado, 10 de outubro de 2020

GUIBERTO DE NOGENT (1053 - 1121)

 

Guiberto de Nogent (em latim: Guibertus S. Mariae de Novigento; em francês: Guibert de Nogent; c. 1055-1124 (69 anos)) foi um monge beneditino, historiador, teólogo e um escritor autobiográfico. Era praticamente desconhecido em seu próprio tempo, praticamente não sendo citado em outras obras, foi apenas recentemente que atraiu a atenção dos estudiosos, mais interessados em suas longas memórias autobiográficas que revelam não apenas sua personalidade mas também diversos aspectos da vida medieval.

 

Vida

 

Guiberto nasceu de pais da nobreza menor em Clermont-en-Beauvaisis e, segundo ele próprio em suas "Monodiae", eles demoraram mais de sete anos para conseguir o primeiro filho. De acordo com a obra, o parto quase custou-lhe a vida e a de sua mãe, pois ele próprio estava virado no útero. A família fez uma oferta no santuário da Virgem Maria, prometendo que se Guiberto sobrevivesse, seria dedicado à vida religiosa. Como sobreviveu, cumpriu-se a promessa. Seu pai era um homem violento, infiel e afeito aos excessos, morrendo no primeiro ano depois do nascimento. Em suas memórias, Guiberto relata a morte dele como uma benção, afirmando que se ele tivesse sobrevivido, provavelmente o teria forçado a tornar-se um cavaleiro, quebrando assim a promessa feita à Virgem. Sua mãe era dominadora, de grande beleza e inteligência e muito zelosa. Guiberto escreve tanto sobre ela, e com tantos detalhes, que alguns acadêmicos, como Archambault, sugeriram que ele pode ter sofrido uma forma do complexo de Édipo. Ela assumiu o controle de sua educação, isolou-o de seus pares e contratou um tutor exclusivo para ensiná-lo dos seis até os doze anos. Guiberto lembra que o tutor era brutalmente exigente e igualmente incompetente, mas, ainda assim, os dois desenvolveram um forte laço de amizade. Por volta dos doze, sua mãe se retirou para uma abadia perto de Saint-Germer-de-Fly (ou Flay), e Guiberto logo a seguiu. Entrando para a Ordem de São Bento na São Germer, estudou com afinco, dedicando-se a princípio aos poetas seculares Ovídio e Virgílio — uma experiência que deixou marcas em suas obras. Posteriormente, dedicou-se à teologia, resultado da influência de Anselmo de Bec, que depois tornar-se-ia arcebispo de Cantuária.

 

Em 1104, foi escolhido abade da minúscula e pobre abadia de Nogent-sous-Coucy (fundada em 1059) e, daí em diante, passou a atuar com mais relevo nos temas eclesiásticos de sua época, tomando contato com bispos e com a corte. Mais importante, a nova função deu-lhe tempo para se dedicar à sua paixão, que era escrever. Sua primeira grande obra do período foi uma história da Primeira Cruzada chamada "Dei gesta per Francos" ("Atos de Deus pelos Francos"), terminada em 1108 e revisada em 1121. A história era, em grande parte, uma paráfrase, num estilo mais rebuscado, da "Gesta Francorum", obra de um autor normando anônimo. Contudo, a obra tradicionalmente não era bem vista pelos historiadores das Cruzadas, principalmente por repetir os temas da "Gesta Francorum" e pelo seu latim de difícil compreensão. Editores e tradutores mais recentes, porém, chamam a atenção para o texto excelente e para o material original que ela apresenta. Mais importante, "Dei gesta" revela informações valiosas sobre a recepção da cruzada na França. Guiberto conhecia pessoalmente cruzados e conversou com eles sobre suas memórias e experiências.

 

Para o leitor moderno, sua autobiografia ("De vita sua sive monodiarum suarum libri tres"), conhecida como "Monodiae" ("Canções Solitárias", geralmente chamada apenas de "Memórias"), escrita em 1115, é considerada a mais interessante de suas obras. Escrita no final de sua vida e baseado no modelo já utilizado pelas Confissões de Santo Agostinho, a obra trata de toda a sua vida desde a infância. Por todo o texto, Guiberto apresenta lampejos sobre a vida em seu tempo e os costumes da época. A obra em si está dividida em três volumes, o primeiro cobrindo sua própria vida, do nascimento à vida adulta; a segunda é uma breve história de seu mosteiro; e a terceira é uma descrição de uma revolta na vizinha cidade de Laon. Guiberto fornece valiosas informações sobre a vida cotidiana em palácios e mosteiros, sobre métodos educacionais que estavam em voga e nos dá ideias sobre várias personalidades, importantes ou não, da época. Recheado de paixões e preconceitos, o texto tem ainda um toque da personalidade de seu autor.

 

Como exemplo, ele era muito crítico em relação às relíquias católicas de Jesus Cristo, a Virgem e diversos santos, duvidando principalmente de sua autenticidade e notando que alguns santuários e centros de peregrinação geralmente faziam reivindicações conflitantes sobre restos mortais, roupas e outros objetos sagrados[1] [2].

 

Referências

1.  Charles Freeman "Brooding on God" History Today: 62: 3: March 2012: 47-52

2.  Charles Freeman: Holy bones, Holy dust: how relics shaped the history of Medieval Europe: Yale University Press: 2011

 

Bibliografia

·   Paul J. Archambault (1995). A Monk's Confession: The Memoirs of Guibert of Nogent. ISBN 0-271-01481-4

·   John Benton, ed. (1970). Self and Society in Medieval France: The Memoirs of Abbot Guibert of Nogent. Edição revisada da edição de 1925 de C.C. Swinton Bland, inclui uma introdução e pesquisas mais recentes. ISBN 0-8020-6550-3 (1984, University of Toronto Press).

·   Guibert of Nogent, Dei Gesta per Francos, ed. R.B.C. Huygens, Corpus Christianorum, Continuatio Mediaevalis 127A (Turnhout: Brepols, 1996)

·   Robert Levine (1997). The Deeds of God through the Franks : A Translation of Guibert de Nogent's `Gesta Dei per Francos' . ISBN 0-85115-693-2

·   Joseph McAlhany, Jay Rubenstein, eds. (2011). Monodies and On the Relics of Saints: the Autobiography and a Manifesto of a French Monk from the Time of the Crusades. Tradução direto do latim, com introdução e notas. Penguin Classics. ISBN 978-0-14-310630-2

·   Jay Rubenstein (2002). Guibert of Nogent: Portrait of a Medieval Mind, London. ISBN 0-415-93970-4.

·   Karin Fuchs, Zeichen und Wunder bei Guibert de Nogent. Kommunikation, Deutungen und Funktionalisierungen von Wundererzählungen im 12. Jahrhundert (München: Oldenbourg, 2008) (Pariser Historische Studien, 84).

·   Elizabeth Lapina, "Anti-Jewish rhetoric in Guibert of Nogent's Dei gesta per Francos," Journal of Medieval History, 35,3 (2009), 239-253.

 

Ligações externas

·   The Autobiography Of Guibert. C.C. Swinton Bland, translator,The Autobiography of Guibert, Abbot of Nogent-sous-Coucy (London: George Routledge: New York: E.P. Dutton, 1925). Do Internet Archive.

o Memoirs e [1] do Internet Medieval Sourcebook. Trechos da tradução para o inglês de C.C. Swinton Bland.

·   On the Saints and their Relics do Internet Medieval Sourcebook

·   The Revolt in Laon do Internet Medieval Sourcebook.

·   On the First Crusade, inclui a versão de Guiberto do discurso do papa Urbano e suas impressões sobre Pedro, o Eremita.

·   Obras de Guibert of Nogent no Projeto Gutenberg

o The Deeds of God through the Franks, e-texto do Projeto Gutenberg. Traduzido para o inglês por Robert Levine (1997).

·   Vários autores (1911). «Guibert of Nogent». In: Chisholm, Hugh. Encyclopædia Britannica. A Dictionary of Arts, Sciences, Literature, and General information (em inglês) 11.ª ed. Encyclopædia Britannica, Inc. (atualmente em domínio público)

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