São Pedro Damião, OSB (em latim: Petrus Damianus;
em italiano: Petrus Damiani)
foi um monge reformador do
círculo do papa
Leão IX
e um cardeal que, em 1823, foi
declarado um Doutor
da Igreja.
Dante o colocou num dos
mais altos círculos do Paraíso como um grande
precursor de São
Francisco de Assis.
Primeiros anos
Pedro nasceu em Ravena, na Itália, por
volta de 1007. Orfão desde muito jovem, teve uma juventude difícil e cheia de
provações, mas já demonstrava na época sinais de seu notável intelecto, a ponto
de seu irmão, Damião (Damianus), o arcipreste
de Ravena, garantir que ele fosse bem educado. Adicionando o nome do irmão ao
seu, Pedro avançou tão rapidamente em seus estudos sobre teologia e direito canônico, primeiro em Ravena, depois em Faenza e,
finalmente, em Parma,
que, aos vinte e cinco anos, já era um famoso professor em Parma e Ravena.[2]
Vida religiosa
Por volta de
1035, porém, Pedro abandonou seus estudos seculares e, para evitar o luxo dos mosteiros
cluníacos, entrou para o isolado eremitério
de Fonte Avellana, perto de Gubbio. Tanto como
noviço
quanto como monge, seu fervor era notável, mas levava-o por vezes a tais
extremos de auto-mortificação durante suas penitências
que a sua saúde acabou afetada. Quando se recuperou, foi nomeado para ensinar
os companheiros e, depois, a pedido de Guy de Pomposa (Guido d'Arezzo) e outros
abades vizinhos,
ensinou também por uns dois ou três
Um dedicado defensor
de reformas tanto no clero quanto nas comunidades monásticas, Pedro introduziu
uma disciplina mais severa, incluindo a prática da flagelação
("a disciplina") em sua casa que, sob seu comando, rapidamente
tornou-se famosa e modelo para outras, até mesmo para a grande abadia de Monte Cassino: eremitérios filiais foram
fundados em San Severino, Gamogna, Acerreta, Murciana, San
Salvatore, Sitria e Ocri. Contudo, fora de seu círculo
mais imediato, Pedro teve que enfrentar muita oposição às suas formas extremas
de penitência, mas a insistência do monge garantiu a aceitação de seus métodos,
a ponto de ele ser obrigado no futuro a moderar o zelo demasiado de alguns de
seus próprios eremitas.
Outra inovação
implantada por ele foi a siesta diária para compensar a fadiga dos ofícios noturnos. Durante seu
governo, um claustro
foi construído, um cálice e uma cruz processional de prata
foram comprados e muitos livros foram incorporados à biblioteca, muito estimada
por ele.
Reformador
Apesar de viver
no retiro de um claustro, Pedro Damião acompanhava atentamente a Igreja e, como
seu amigo Hildebrando, o futuro papa Gregório VII, lutou para implantar suas
reformas numa época de grande decadência da vida religiosa. Quando Bento
IX renunciou ao seu pontificado em nome do arcipreste
João Graciano (Gregório VI) em 1045, Pedro comemorou a mudança e
escreveu para o novo papa urgindo-o a enfrentar os escândalos que atormentavam
a igreja italiana, apontando nominalmente os corruptos bispos de Pesaro, de Città di Castello e de Fano.
Expandindo ainda
mais suas atividades, Pedro passou a se comunicar com o imperador Henrique III.
Ele estava presente em Roma
quando Clemente II coroou Henrique e sua consorte, Inês, e também compareceu a um sínodo
realizado no Palácio Laterano nos primeiros dias de 1047 que
emitiu decretos contra a simonia.
Liber Gomorrhianus e as reformas de Hildebrando
Depois disto,
Pedro Damião retornou ao seu eremitério. Por volta de 1050, durante o
pontificado de Leão IX, escreveu um contundente tratado chamado "Liber Gomorrhianus"
("Livro de Gomorra") sobre os vícios do clero, incluindo o abuso sexual de menores e os esforços da
hierarquia eclesiástica para escondê-los. Foi endereçada abertamente ao papa.
Enquanto isso, a
Igreja passou a discutir calorosamente a validade das ordenações realizadas pelo clero simoníaco (ou
seja, por pessoas que compraram seus cargos). Damião escreveu, por volta de
1053, um tratado chamado "Liber Gratissimus"
defendendo sua validade, uma obra que, apesar de muito combatida na época, foi
muito importante para definir a questão a favor dos padres ordenados no final
do séc. XII. Numa repetição da argumentação contra a heresia donatista, defendeu
que a graça
não dependia da perfeição do veículo que a concede (o sacerdote).
Legado papal e cardeal
Depois de ficar
doente, o papa morreu e Frederico, abade de Monte Cassino, foi eleito como Estêvão IX. No outono de 1057, Estêvão se convenceu
que Damião precisava ser um cardeal. Por um longo tempo, ele resistiu, pois ficava muito
mais confortável como um pregador-eremita do que como um reformador dentro da Cúria, mas
acabou finalmente sendo forçado a aceitar e foi consagrado cardeal-bispo de Óstia em 30 de novembro de
1057. Além disso, ele foi nomeado também administrador da Diocese
de Gubbio. O novo cardeal ficou impressionado com as grandes
responsabilidades de seu novo cargo e escreveu uma incômoda carta aos seus
companheiros cardeais exortando-os a brilhar como exemplos perante todos.
Quatro meses depois, Estêvão morreu em Florença
e a Igreja novamente caiu num desgastante cisma. Pedro
combateu vigorosamente o antipapa Bento
X, mas acabou sendo vencido e retirou-se temporariamente para Fonte
Avallana.
Milão
Por volta do fim
de 1059, Pedro foi enviado como legado
papal a Milão
pelo papa Nicolau II. A situação ali estava tão difícil
que os benefícios (o rendimento vinculado a um
cargo eclesiástico e que permite ao seu titular - o beneficiário - cumprir
corretamente uma função na Igreja) eram ali comprados e vendidos abertamente e
clérigos casavam-se abertamente com as mulheres com quem viviam. A resistência
do clero de Milão à reforma de Arialdo, o Diácono, e Anselmo, bispo de Lucca, provocaram uma
confusão tão grande que um apelo foi feito pedindo a intermediação da Santa Sé.
Nicolau II enviou Damião e o bispo de Lucca como seus
legados. O partido dos clérigos irregulares se assustou e afirmou que Roma não
tinha autoridade sobre Milão. Pedro enfrentou corajosamente os amotinados na catedral e
comprovou de tal forma a autoridade da Santa Sé que todos os partidos acabaram
se submetendo à sua decisão.
Ele exigiu
primeiro um juramento solene do arcebispo e
de todos os seus clérigos de que nunca mais uma função eclesiástica seria
vendida; impôs em seguida uma penitência a todos os culpados e restaurou os
benefícios de todos os que se comprometeram a viver no celibato. Esta
decisão, apesar de criticada por alguns mais rigorosos em Roma, não foi
revertida. Infelizmente, com a morte de Nicolau II, o conflito recrudesceu e só
seria resolvido depois do martírio de Santo Arialdo. Em paralelo a tudo
isso, Pedro pediu incessantemente para ser libertado das distrações de seu
cargo, mas nem Nicolau e nem Hildebrando consentiram.
Anos finais
Pedro deu uma
valiosa contribuição ao papa
Alexandre II em sua luta contra o antipapa Honório II (Pietro Cadalus). Em
julho de 1061, o papa morreu e novamente um cisma dividiu a igreja ocidental.
Pedro usou de todos os meios à sua disposição para persuadir Cadalus a recuar,
mas não teve sucesso. Finalmente, Anno II, o arcebispo de Colônia e regente no Sacro Império Romano-Germânico,
convocou um concílio em Augsburgo no qual um longo argumento de Pedro Damião foi
lido e ajudou muito para que a decisão fosse favorável a Alexandre.
Em 1063, o papa
realizou um sínodo em Roma no qual Pedro Damião foi nomeado legado para
resolver o conflito entre a Abadia
de Cluny e o bispo de Mâcon. Ele seguiu para
a França, convocou um concílio em Chalon-sur-Saône, provou que
os cluníacos estavam certos, resolveu outras questões da igreja da França e
retornou no outono seguinte para Fonte Avellana. Enquanto estava na França,
Cadalus tentava novamente conquistar o trono em Roma e Pedro acabou sendo duramente
admoestado por Alexandre e Hildebrando por ter imprudentemente, por duas vezes,
apelado aos poderes seculares para que julgassem o caso. Em 1067, o cardeal
Damião foi enviado a Florença para resolver o conflito entre o bispo e os
monges de Vallombrosa, que acusavam-no de simonia. Seus
esforços, porém, não deram em nada, principalmente por que ele avaliou mal a
questão e decidiu a favor do bispo. O caso só seria resolvido no ano seguinte
pela intercessão pessoal do papa.
Tendo servido
como legado na França e em Florença, Pedro finalmente foi autorizado a renunciar
em 1067. Depois de um período de retiro
No início de
1072 ou em 1073,[1]
Pedro foi enviado a Ravena para reconciliar a população da cidade com a Santa
Sé depois de todos terem sido excomungados
por apoiarem o arcebispo em sua aliança com o incansável Cadalus. No
caminho de volta, Pedro foi acometido por uma febre perto de Faenza. Ele
permaneceu enfermo por uma semana no mosteiro de Santa Maria degl'Angeli
(moderna Santa Maria Vecchia) e, na véspera da festa do Trono de São Pedro em Antioquia,
ordenou que o ofício da festa fosse recitado e, no final das laudas, morreu. Foi
imediatamente enterrado na igreja do mosteiro para evitar que outros reivindicassem
suas relíquias.
Em seus anos
finais, Pedro Damião já não mais concordava totalmente com as ideias políticas
de Hildebrando e morreu um ano antes de ele tornar-se papa como Gregório VII. Sua morte "...tirou de cena
o único que poderia ter contido Gregório", lembrou Norman
F. Cantor.[3]
Veneração
Pedro Damião é venerado
como santo e foi
feito Doutor da Igreja pelo papa
Leão XII em 1823. Seu corpo já mudou de lugar seis vezes e, desde 1898, está
numa capela dedicada a ele na Catedral de Faenza. Ele
jamais foi formalmente canonizado,
mas seu culto existe desde o dia em que morreu em Faenza, Fonte Avellana, Monte
Cassino e em Cluny.
Obras
Pedro Damião
escreveu muitas obras, incluindo vários tratados (67 sobreviveram), cartas,
sermões, preces, hinos e textos litúrgicos (mas, numa diferença da prática
tradicional dos monges medievais, nenhum comentário bíblico)[4]
nas quais ele reflete as condições espirituais da Itália na época. Entre elas:
- Sua obra mais
famosa é a "De Divina Omnipotentia", uma longa carta na
qual ele discute o poder de Deus;
- No curto "Dominus
vobiscum" ("O Senhor é convosco") (PL
CXLV:231-252), Damião questiona se um eremita rezando solitário deve usar
o plural e conclui que sim, uma vez que ele está ligado à toda Igreja por
sua fé e amizade.
- "Vida de
Romualdo" e o tratado "Ordem Eremítica": obras que
demonstram seu compromisso contínuo com a solidão e um severo ascetismo como a forma
mais elevada da vida cristã.
- Ele era
particularmente devoto da Virgem Maria e escreveu
um "Officium Beatae Virginis".
- "Liber Gomorrhianus" ("Livro
de Gomorra") sobre os vícios do clero, incluindo o abuso sexual de menores e os
esforços da hierarquia eclesiástica para escondê-los.
- "Liber Gratissimus", sobre a
validade das ordenações realizadas
pelo clero simoníaco (ou seja, por pessoas que compraram seus cargos).
Filosofia
Pedro geralmente
condenava a filosofia
e defendia que o primeiro gramático era o diabo, que teria
ensinado Adão a declinar deus no plural. Ele
argumentava que monges não precisavam estudar filosofia pois Jesus não havia escolhido
nenhum filósofo como discípulo, concluindo que a filosofia não seria
então necessária para a salvação. Mas a ideia (atribuída depois a Tomás de Aquino) que a filosofia deveria ser serva
da teologia
como uma empregada serve sua patroa é de Pedro Damião.[5]
Porém, esta aparente animosidade pode ser decorrente com sua visão de que a lógica está
preocupada apenas com a validade de um argumento e não com a natureza da
realidade
O tratado "De
divina omnipotentia" de Damião é frequentemente interpretado de forma
errônea. O propósito de Damião era defender a "doutrina da
onipotência", que ele define como sendo a habilidade de Deus de fazer tudo
o que é bom, cujo corolário é que Deus não pode mentir. Toivo J. Holopainen
afirma que a obra é "um documento interessante sobre os primeiros
desenvolvimentos da discussão medieval sobre modalidades e a onipotência
divina".[2]
Pedro também reconheceu que Deus pode agir fora do tempo, um argumento que
seria depois defendido por Gregório de Rimini.[6]
Notas
[a] ^ "Cinco
anos depois da morte do imperador Otão III".
Referências
1. Howe, John (junho de 2010). «Did St. Peter Damian Die in 1073 ? A New Perspective on his Final
Days». Analecta Bollandiana. 128 (1): 67-86 soft hyphen
character character in |título= at position 49 (ajuda)
3. Norman F. Cantor, Civilization of the Middle Ages, p 251
4. Bernard McGinn, The Growth of Mysticism, (1994), p125
5. PL CXLV, p. 603, 1867
6. Zupko
Bibliografia
· Este artigo
incorpora texto (em inglês) da Encyclopædia Britannica (11.ª edição),
publicação em domínio
público.
· Migne (ed.). Patrologia Latina (PL). Opera Omnia (em latim). CXLIV e CXLV. Paris: Vives (PL 144 traz cartas e sermões; PL 145,
tratados)
· Pierre Damien: Lettre sur
·
St Peter Damian:
Selected Writings on the Spiritual Life, trans Patricia McNulty, (
·
Zupko, J., article
'Gregory of Rimini' in A Companion to Philosophy in the Middle Ages, e.d
Gracia & Noone.
·
OJ Blum, Saint
Peter Damin: His Teaching on the Spiritual Life, (
·
Berger, David,
"
·
Owen J. Blum,
"The Monitor of the Popes:
·
John Boswell, Christianity,
Social Tolerance, and Homosexuality
·
Pierre J. Payer,
1962. Book of
Ligações externas
· "St. Peter Damian" na edição de 1913 da Enciclopédia Católica (em inglês). Em domínio público.
· «Peter Damian» (em inglês). Stanford Encyclopedia of Philosophy
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