João
Damasceno ou João de Damasco (em grego: Ἰωάννης ὁ Δαμασκηνός; transl.: Iōannēs ho
Damaskēnos; em latim: Iohannes Damascenus; 675 - 4 /dez/ 749), dito Crisórroas (Chrysorrhoas;
"boca de ouro"), foi um monge e sacerdote sírio. Nascido e criado em Damasco,
morreu em seu mosteiro, Mar Saba, perto de Jerusalém.[2]
Um polímata
cujos interesses incluíam direito, teologia e música, algumas fontes afirmam
que serviu como administrador-chefe do califa
de Damasco antes de sua ordenação.[3][4]
Escreveu obras explicando
a fé cristã e compôs hinos que ainda são utilizados na liturgia no cristianismo
oriental por todo o mundo. João é considerado "o último dos Padres da
Igreja" pela Igreja Ortodoxa e é mais conhecido por sua
contundente defesa da veneração de ícones.[5]
A Igreja Católica o considera um Doutor
da Igreja, geralmente chamado de "Doutor da Assunção" por causa
de suas obras sobre a Assunção de Maria.[6]
Biografia
A fonte de
informações sobre a vida de João Damasceno mais utilizada é uma obra atribuída
a João de Jerusalém, que se identifica nela como
patriarca de Jerusalém,[7]
uma tradução para o grego de um original árabe. Este original, por sua vez, não
contém um prólogo
encontrado na maioria das traduções e foi escrita por um monge chamado
"Miguel". Ele explica que decidiu escrever a biografia em 1084 por
que não havia nenhuma disponível na época. Porém, a parte principal do texto
parece ter sido escrita por um autor anterior em algum momento entre o início
do séc. IX e o final do X em árabe.[7]
Escrita de um ponto de vista hagiográfico, propenso a exageros e detalhes lendários, a
obra não é uma fonte ideal para informações sobre a vida de João, mas contém
alguns elementos valiosos e foi amplamente reproduzida.[8]
A novela
hagiográfica "Barlaão e Josafá", tradicionalmente atribuída
a João, é, na realidade, uma obra do séc. X de autor desconhecido.[9]
· Histórico familiar
João nasceu numa
proeminente família conhecida como Almançor (em árabe: المنصور - al-Mansǔr: "vitoriosa") em Damasco no séc.
VII.[10]
Seu nome completo era Iuana/Iana ibne Almançor ibne Sarjum (em árabe: منصور بن سرجون, lit. 'Yuhanna/Yanah ibn Mansur ibn
Sarjun'), em homenagem ao seu avô, que havia sido responsável pela coleta
de impostos na região sob o imperador bizantino Heráclio
(r. 610-641).[11][12]
A falta de documentação atestando a sua linhagem tribal específica levou
diversos acadêmicos a colocá-lo entre os Taglibe ou os Calbe, duas proeminentes tribos cristãs-árabes do Deserto da Síria. Outros sugerem que ele pode ter
sido um sírio de origem não-árabe.[13][14][15]
Qualquer que seja o caso, João Damasceno tinha dois nomes: João, seu nome
cristão, e seu nome árabe, citado como Cureim (Qurein), Iana (Yana)
ou Iaana (Yahanna).[16]
Eutíquio, um patriarca melquita do séc. X, menciona um certo
governador árabe da cidade que teria rendido-a aos muçulmanos, provavelmente o
avô de João, Almançor ibne Sargum. Quando a região caiu sob o jugo dos omíadas no
final do séc. VII, a corte de Damasco manteve seu grande contingente de
servidores civis cristãos, inclusive o avô de João.[17]
O pai dele, Sargum (Sérgio) ou ibne Almançor, continuou a servir os califas omíadas.[11]
De acordo com João de Jerusalém e algumas versões posteriores de sua vida, após
a morte do pai, João também serviu na corte do califa antes de se tornar monge.
Esta tese tem sido questionada uma vez que ele não é mencionado nas fontes muçulmanas,
que, contudo, citam seu pai.[18]
Além disso, as obras do próprio João Damasceno jamais fizeram referência à
qualquer experiência na corte muçulmana por parte dele. Acredita-se que João
tenha se tornado monge em Mar Saba e que foi ordenado sacerdote em 735.[11][10]
· Educação
Uma das
biografias se João descreve o plano de seu pai para ele, de "aprender
não apenas através dos livros dos muçulmanos, mas dos gregos também".
A partir disso, sugere-se que João possa ter sido criado de forma bilíngue.[19]
Ele de fato mostra algum conhecimento do Corão, que
critica duramente.[20]
Outras fontes
descrevem a sua educação em Damasco como tendo sido conduzida de acordo com os
princípios da educação
helenística, chamada de "secular" por uma fonte e "cristã
clássica" por outra.[21]
Um relato identifica seu tutor como um monge chamado Cosme, que teria sido
raptado pelos árabes de sua casa na Sicília, e
por quem o pai de João teria pago uma grande quantia. Sob a batuta de Cosme,
que também ensinava para o amigo órfão de João (que ficaria conhecido como Cosme
de Maiuma), acredita-se que João tenha feito grandes avanços em música, astronomia
e teologia, logo rivalizando Pitágoras em aritmética e Euclides em geometria[22]
· Defesa dos ícones
No início do séc.
VIII, o iconoclasma,
um movimento que buscava proibir a veneração de ícones, ganhou força no Império
Bizantino. Em 726, apesar dos protestos do patriarca constantinopolitano Germano I, o imperador Leão III, o Isauro (r. 717-741) emitiu seu
primeiro édito contra a veneração de imagens e sua exibição em lugares
públicos.[23]
Um escritor talentoso - e protegido por estar em território do califa - João
Damasceno iniciou uma vigorosa defesa das imagens sagradas em três publicações
separadas. A mais antiga, chamada "Tratados Apologéticos contra a
Condenação das Imagens Sagradas", assegurou a sua reputação. Ele não
somente atacou o imperador, mas adotou um estilo simples que permitiu que a
controvérsia fosse acompanhada pelo povo mais simples, estimulando a rebelião
entre os fiéis. Posteriormente, suas obras também teriam um papel importante
durante o Segundo Concílio de Niceia (787), que se
reuniu justamente para tratar do assunto.
A biografia de
João Damasceno reconta pelo menos um episódio considerado como improvável ou
lendário[24][25]
Ela relata que Leão III enviou documentos falsificados para o califa que
implicavam João numa conspiração para atacar Damasco. O califa teria então
ordenado que a mão direita de João fosse amputada e pendurada em lugar público.
Alguns dias depois, João pediu a restituição de sua mão e rezou fervorosamente
pela intervenção da Teótoco (Virgem Maria) perante seu ícone. Logo em
seguida, sua mão teria sido milagrosamente curada[24].
Em agradecimento pela cura milagrosa, ele anexou uma mão de prata ao ícone, que
passou a ser conhecido a partir daí como "Três mãos" ou "Tricheirousa".[26]
A biografia continua afirmando que, depois deste evento, João pediu permissão
para deixar seu posto e se retirou para o mosteiro de Mar Saba. Um
editor de suas obras, o padre Michel
Le Quien, demonstrou, porém, que João de Damasco já era monge
· Anos finais e devoção
João morreu em
749[1]
e foi logo reconhecido como santo. Em
Lista de obras
Além de suas
obras puramente textuais, muitas das quais estão listadas abaixo, João
Damasceno também compôs hinos, aperfeiçoando o "canon", um hino de
forma estruturada utilizado na Igreja Ortodoxa.[30]
Primeiras obras
Ensinamentos e obras dogmáticas
- Capítulos filosóficos (Kephálaia philosophiká) - Geralmente chamados de "Dialética", lida principalmente com lógica, sendo o seu principal objetivo preparar o leitor para melhor entender o resto do livro.
- Sobre a Heresia (Perì hairéseōn) - O último capítulo desta parte (cap. 101) lida com a heresia dos ismaelitas.[32] Ao contrário das seções anteriores, devotadas a combater outras heresias, dispostas em poucas linhas de forma sucinta, este capítulo cobre várias páginas. É um dos primeiros exemplos de escritos polêmicos contra o Islã e o primeiro escrito por um membro da ortodoxia bizantina.
- Uma Composição Exata da Fé Ortodoxa (Ékdosis akribès tēs Orthodóxou Písteōs) - Um sumário do escritos dogmáticos dos primeiros Padres da Igreja. Foi a primeira obra do escolasticismo no cristianismo oriental e uma importante influência no pensamento escolástico posterior.[33]
- Contra os Jacobitas
- Contra os Nestorianos
- Diálogo contra os Maniqueístas
- Introdução Elementar nos Dogmas
- Carta sobre o Hino Três Vezes Sagrado
- Sobre o Pensamento Correto
- Sobre a Fé, contra os Nestorianos
- Sobre as Duas Vontades em Cristo (Contra os Monotelitas)
- Paralelos Sagrados (de atribuição dúbia)
- Sobre Dragões e Fantasmas
Referências
1. «São João
Damasceno» (em inglês).
Britannica Concise Encyclopedia.
2. Walsh 1991, p. 403.
3. Akbari 2009, p. 204.
4. Thomas 2001, p. 19.
5. Aquilina 1999, p. 222.
6. Rengers 2000, p. 200.
7. Sahas 1972, p. 32.
8. Sahas 1972, p. 35.
9. Volk 2006.
10. McEnhill 2004, p. 154.
11. Brown 2003, p. 307.
12. Sahas 1972, p. 8-9.
13. Sahas 1972, p. 7.
14. Louth 2005, p. 5.
15. Griffith, Sidney H. «John of Damascus and the Church in Syria in the
Umayyad Era: The Intellectual and Cultural Milieu of Orthodox Christians in the
World of Islam» (em inglês). Britannica Concise Encyclopedia.
16. Sahas 1972, p. 8.
17. Sahas 1972, p. 17.
18. Hoyland 1996, p. 481.
19. Valantasis 2000, p. 455.
20. Hoyland 1996, p. 487-489.
21. Louth 2002, p. 284.
22. Butler 2000, p. 36.
23. "St. John Damascene" na edição de 1913 da Enciclopédia
Católica
(em inglês). Em domínio
público.
24. «São João
Damasceno» (em inglês).
Catholic.org. Jameson 2008, p. 24.
25. Louth 2002, p. 17, 19.
26. Louth 2003, p. 9.
27. Calendarium romanum [Calendário romano] (em latim),
Libreria Editrice Vaticana, 1969, pp. 109, 119; cf. «São João Damasceno» (em inglês). Britannica Concise Encyclopedia.
28. kinnaman 2010, p. 278.
29. Shahid 2009, p. 195.
30. Allies 1899.
31.
«St. John of Damascus's Critique of Islam» (em inglês).
32. Ines 2009, p. 37.
Bibliografia
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European representations of Islam and the Orient, 1100-1450. [S.l.]:
Cornell University Press
· Allies, Mary (1899).
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Aquilina,
Mike (1999). The Fathers of the church: an introduction to the first Christian
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· Ines, Angeli Murzaku (2009). Returning home to
· Hoyland, Robert (1996). Seeing Islam as Others Saw
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Jameson,
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· Louth, Andrew (2003). Three treatises on the divine
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[S.l.]: Routledge. ISBN 0-415-17049-4,
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· Rengers, Christopher (2000). The Thirty Three
Doctors of the Church. [S.l.]: Tan Books &
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Sahas,
Daniel J. (19792). John of
· Shahid, Irfan (2009).
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Valantasis,
Richard (2000). Religions of late antiquity in practice. [S.l.]:
· Walsh, M. (1991).
Ligações externas
· «São João Damasceno» (em inglês). Catholic Online
Saints.
·
«Tratato Apologético contra a Condenação das Imagens Sagradas» (em
inglês). Internet Medieval Sourcebook.
·
«Uma Explicação Filosófica da União Hipostática» (em
inglês). John Damascene's Fount of Knowledge.
· Obras de John of Damascus no Projeto Gutenberg
· «Crítica ao Islã por St. John of Damascus» (em inglês).
Orthodox Christian Information Center.
·
«Patrologia Graeca» . Opera Omnia (em inglês).
Migne.
·
«St John of Damascus» (em inglês). Orthodox
Church in America.
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