Papa Gregório
I (em latim: Gregorius I;
originalmente Gregório Anício, em latim: Gregorius Anicius), conhecido como Gregório Magno ou Gregório,
o Grande[2]
foi 64.º papa entre 03/set/590 e sua morte, em 12/mar/604. É conhecido
principalmente por suas obras, mais numerosas que as de seus predecessores.[3]
Também conhecido como Gregório, o Dialogador na Ortodoxia
por causa de seus "Diálogos" e é por isso que seu nome aparece em
algumas obras listado como "Gregório Dialogus". Foi o primeiro papa a
ter sido monge antes do pontificado. Reconhecido como um Doutor
da Igreja e um dos Padres latinos. É também venerado como santo por católicos,
ortodoxos, anglicanos e alguns luteranos. Foi canonizado assim que morreu, por
aclamação popular, como era o costume.[4]
O reformador protestante João
Calvino admirava Gregório e declarou em seus "Institutos" que ele
teria sido o "último bom papa".[5]
Vida
· Primeiros anos
A data exata do
nascimento de Gregório é incerta, mas estima-se que tenha ocorrido por volta do
ano 540[a]
Gregório nasceu
numa rica família patrícia romana que tinha relações muito estreitas com a
Igreja. Seu pai, Gordiano (Gordianus), que já havia servido como senador
e prefeito urbano,[8]
era um "regionarius" na Igreja, embora quase
nada se saiba sobre a função. Sua mãe, Sílvia, era bem nascida e tinha uma irmã
casada, Patéria, na Sicília. Ela e duas irmãs, tias de Gregório, são veneradas
como santas por católicos e ortodoxos.[8]
O trisavô de Gregório também havia sido papa, com o nome de Félix
III[c],
candidato do rei ostrogodo Teodorico, o Grande.[9]
A eleição de Gregório ao bispado de Roma transformou sua família na mais
distinta dinastia clerical de sua época.[10]
A família morava
numa villa suburbana no Monte Célio na mesma rua – atualmente chamada de
"Via di San Gregorio" - onde estavam os palácios dos imperadores
romanos, estes do lado oposto, no Monte Palatino. Ela ligava o Coliseu, no
norte, ao Circo Máximo, no sul. Na época de Gregório, os edifícios antigos
estavam em ruínas e eram propriedades privadas;[11]
villas se espalhavam por toda a região. A família de Gregório também
tinha fazendas na Sicília[12]
e nas vizinhanças de Roma.[13]
Gregório posteriormente mandaria pintar retratos da família na forma de
afrescos em sua casa no Monte Célio e estes foram descritos mais de 300 anos
depois por João, o Diácono. Gordiano era
alto, de rosto alongado, barbado e tinha olhos brilhantes. Sílvia era também
alta, mas de rosto redondo, olhos azuis e semblante alegre. Pela descrição, o
casal tinha também um outro filho do qual não sabemos sequer o nome.[14]
O período
Como a maioria
dos jovens de status similar na sociedade romana, Gregório recebeu uma
excelente educação, aprendendo gramática, retórica, as ciências clássicas, literatura
e direito, destacando-se em todas.[8]
Gregório de Tours (relatou que "em
gramática, dialética e retórica...não tinha rivais...".[17]
Gregório conseguia escrever o latim corretamente, mas não sabia ler e nem
escrever o grego. Conhecia além disso as obras dos principais autores latinos,
história, matemática, música e tinha tamanha "fluência no direito
imperial" que é possível que sua educação servisse "como
preparação para uma carreira no serviço público".[17]
E, de fato, Gregório logo tornou-se um funcionário do governo e ascendeu
rapidamente na hierarquia, tornando-se, como o pai, prefeito urbano de Roma, o
mais alto posto civil na cidade, com apenas 33 anos de idade.[8]
Os monges do
Mosteiro de Santo André, fundado nas terras da família de Gregório no Monte
Célio, tinham um retrato de Gregório feito logo depois de sua morte e que João,
o Diácono, também viu no séc. IX. Conta que era uma pintura de um homem ''um
pouco careca" com uma barba "amarelada" como a de seu
pai e um rosto que era de formato intermediário entre o de sua mãe e de seu
pai. O cabelo nos lados da cabeça eram longos e cuidadosamente cacheados. Seu
nariz era "fino e reto" e "levemente aquilino".
"Sua testa era alta" e tinha lábios grossos e "subdivididos",
um queixo "de graciosa proeminência" e "belas
mãos".[18]
· Vida monástica
Quando seu pai
morreu, Gregório converteu a villa da família num mosteiro dedicado a Santo André. Posteriormente, depois de sua própria
morte, o local seria rededicado e rebatizado como San Gregorio Magno al Celio.
Sobre a vida contemplativa, Gregório afirmava que "naquele
silêncio do coração, enquanto permanecemos vigilantes no interior através da
contemplação, estamos como que dormindo para tudo que está no exterior".[19]
Porém, é possível que Gregório nem sempre tenha sido tão complacente ou
agradável em seus anos como monge. Conta-se que, certa vez, um monge moribundo
confessou ter roubado três moedas de ouro. Gregório, implacável, obrigou-o a
morrer sozinho e sem amigos e depois atirou seu corpo, com as moedas, numa
pilha de esterco para apodrecer, amaldiçoando-o: "Leva teu dinheiro
contigo para a perdição!" Gregório acreditava que mesmo no leito de
morte, a punição pelos pecados cometidos deve ser severa,[20]
mas seus atos tinham por objetivo ajudar o monge a se arrepender de seus
pecados. A penitência de fato ajudou-o em seu arrependimento e,
depois do incidente, Gregório ofereceu 30 missas em sua memória para ajudar sua
alma antes do juízo final, como era o costume. O monge depois apareceu para seu
irmão, afirmou ter sido libertado e que estava no céu.[21]
Em algum momento neste período, o papa Pelágio II ordenou-o diácono e
pediu sua ajuda para tentar resolver a controvérsia dos Três Capítulos,
que já provocara um cisma no norte da Itália, uma tarefa que Gregório não
conseguiu realizar com sucesso.[22]
Gregório nutria
um profundo respeito pela vida
monástica e entendia o monge como estando numa "busca ardente pela
visão de nosso Criador".[23]
Suas três tias paternas eram freiras famosas por sua santidade. Porém, depois
que as duas mais velhas faleceram após terem tido uma visão do papa
Félix II, um ancestral da família, a mais nova abandonou a vida religiosa e
se casou com o administrador de suas terras. Gregório lamentou o escândalo na
família afirmando que "muitos são chamados, mas poucos são escolhidos".[24]
· Apocrisiário (579–585)
Em 579, Pelágio
II escolheu Gregório como seu apocrisiário
(embaixador papal na corte imperial em Constantinopla – equivalente à função
moderna do núncio apostólico), posto que ocuparia até 586.[25]
No ano anterior, Gregório havia participado da delegação romana (composta por
leigos e clérigos) que chegou à capital para pedir ajuda militar contra os lombardos ao
imperador.[26]
Com o exército bizantino focado na guerra contra os sassânidas,
a missão fracassou. Em 584, com Gregório já morando em Constantinopla, Pelágio
escreveu-lhe detalhando as dificuldades pelas quais Roma passava sob o controle
dos lombardos e pedindo novamente ajuda ao imperador bizantino Maurício.[26]
O imperador, porém, estava determinado a limitar seus esforços contra os
lombardos à intriga e à diplomacia, conspirando para atirar os francos contra
eles.[26]
Logo ficou claro para Gregório que os imperadores bizantinos dificilmente
enviariam um exército para a Itália por causa dos problemas mais imediatos que
enfrentavam com os sassânidas no oriente e com os ávaros e eslavos
nos Bálcãs.[27]
De acordo com
Ekonomou, "se a principal missão de Gregório era defender a causa de
Roma perante o imperador, parecia haver muito pouco a ser feito uma vez que a
política imperial em relação à Itália era evidente. Representantes do papa que
pressionassem com excessivo vigor em prol de suas demandas corriam o risco de
subitamente serem excluídos completamente da companhia do imperador".[27]
Gregório já havia sido repreendido uma vez por suas extensas obras canônicas
sobre a legitimidade de João III Escolástico, que havia ocupado a
função de patriarca de Constantinopla por doze
anos até o retorno de Eutíquio, que havia sido deposto por
Justiniano.[27]
Gregório passou então a criar laços com a elite bizantina da cidade e tornou-se
extremamente popular na classe mais alta, "especialmente entre as
mulheres da aristocracia"[27]
Ekonomou conclui
que "apesar de Gregório possivelmente ter se tornado um pai espiritual
para um grande e importante segmento da aristocracia de Constantinopla, estas
relações não avançaram de forma significativa os interesses de Roma perante o
imperador".[27]
Embora as obras de João, o Diácono, alegarem que Gregório "trabalhou
diligentemente para a libertação da Itália", não existem evidências de
que ele tenha conseguido ajudar Pelágio II em seus objetivos.[28]
As disputas
teológicas de Gregório com o patriarca Eutíquio deixariam para sempre um "sabor
amargo em relação à especulação teológica do oriente" em Gregório que
continuaria a influenciá-lo por toda a vida.[29]
De acordo com fontes ocidentais, o debate público dos dois culminou numa discussão
perante o imperador bizantino Tibério
II na qual Gregório citou uma passagem bíblica ("Palpate et videte,
quia spiritus carnem et ossa non habet, sicut me videtis habere" – «Apalpai-me
e vede, porque um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho.»
(Lucas 24:39)) para
defender sua posição de que Cristo tinha um corpo palpável depois de sua ressurreição;
por causa disto, Tibério teria supostamente ordenado que as obras de Eutíquio
fossem queimadas[29]
Ekonomou acredita que esta discussão, apesar de exagerada nas fontes
ocidentais, foi "uma das conquistas de um 'apocrisiariado' até então
infrutífero".[30]
A realidade é que Gregório foi forçado a utilizar as Escrituras por que não era
capaz de ler as obras autoritativas sobre o tema, que ainda não haviam sido
traduzidas do grego para o latim.[30]
Gregório deixou
Constantinopla e voltou para Roma em 585 para viver em seu mosteiro no Monte
Célio.[31]
Em 590, foi eleito por aclamação para suceder a Pelágio II, que morrera em mais
uma epidemia de peste que assolava a cidade.[31]
Aprovado por um iussio imperial de Constantinopla
(uma prática comum durante o período chamado de "Papado Bizantino", o
auge da influência imperial sobre Roma) em setembro, ascendeu ao trono papal no
mesmo ano.[31]
· Papado (590–604)
Apesar de decidido
a passar o resto da vida em contemplação num mosteiro, Gregório acabou sendo
forçado a retornar para o cenário político, algo que, embora amasse, não mais
desejava fazer.[32]
Em textos de todos os tipos, especialmente os escritos durante seu primeiro ano
como papa, reclamou do peso do cargo e lamentou a perda da vida de oração, sem
perturbações, que tinha como monge.[33]
Quando tornou-se papa, entre seus primeiros atos estava o envio de uma série de
cartas repudiando qualquer ambição em relação ao trono de Pedro e elogiando a
vida contemplativa dos monges. Na época, por diversas razões, a Sé de
Roma não exercia efetivamente a liderança eclesiástica no ocidente, uma
situação que já vinha desde o papado de Gelásio
I no final do séc. V. Os bispos da Gália estavam sob forte influência das
poderosas famílias proprietárias de terras na região e se identificavam com
elas: o âmbito paroquial do contemporâneo de Gregório, Gregório de Tours, pode ser considerado típico;
na Espanha visigótica, os bispos tinham pouquíssimos
contatos com Roma; na Itália, os territórios que de facto
estavam sob administração papal estavam ameaçados pelos violentos duques
lombardos e pela rivalidade dos judeus no Exarcado de Ravena e no sul.
Credita-se a
Gregório a re-emergência da obra missionária da Igreja entre os povos pagãos do
norte da Europa. Uma das mais famosas, chamada geralmente de "Missão Gregoriana", foi liderada por Agostinho de Cantuária, o prior do Mosteiro
de Santo André (e, possivelmente, o sucessor de Gregório na função), e tinha
por objetivo evangelizar os anglo-saxões das ilhas britânicas. A missão teve
grande sucesso e foi de lá que missionários depois partiram para cristianizar
os territórios modernos dos Países Baixos e da Alemanha. A pregação da fé
católica e a eliminação de quaisquer desvios era um dos elementos-chave da
visão de mundo de Gregório e era parte importante das políticas permanentes de
seu pontificado.[34]
De acordo com a Enciclopédia
Católica, ele foi declarado santo logo que morreu por "aclamação
popular".[2]
Em seus
documentos oficiais, Gregório foi o primeiro a fazer uso frequente do termo
"Servo dos Servos de Deus" (Servus
Servorum Dei) como título papal, iniciando um costume que seria
seguido por todos os seus sucessores.[35]
· Esmolas
Gregório é
conhecido pela sua administração das obras de caridade dedicadas aos pobres de
Roma, principalmente os refugiados tentando escapar das invasões dos lombardos. A
filosofia que norteava o trabalho era de que a riqueza da Igreja pertencia a
eles e ela seria apenas a zeladora. Ele recebeu vultosas doações das famílias
mais ricas de Roma que, seguindo seu exemplo, estavam ansiosas para expiar
seus pecados perante Deus. Gregório dava esmolas tanto individualmente quanto
para grupos inteiros; sobre isso, escreveu[36]:
Eu frequentemente encarreguei
vocês... a agirem como meus representantes ... para aliviar o sofrimento dos
pobres... Eu ocupo o posto de zelador da propriedade dos pobres.... - Papa Gregório Magno
A igreja recebia
doações de diversas maneiras diferentes: itens consumíveis, como roupas e
alimentos; edifícios e obras de arte; fontes de renda como os latifúndios sicilianos
- tocados por escravos - doados por Gregório e sua família. A Igreja já tinha
um sistema implantado para circular os itens consumíveis: em cada paróquia
havia um diaconium, o escritório do diácono, que se situava num edifício
no qual os pobres se candidatavam a receber ajuda[d].[37]
Arte:
Objetos utilizados por Gregório : 1. O "triclínio dos pobres" (Triclinium
pauperum), supostamente a mesa que Gregório utilizava para cear com os
indigentes. Oratório de Santa Bárbara. 2. "Cátedra de São Gregório" San
Gregorio al Celio, Roma
Quando Gregório
tornou-se papa em
Recém-eleito,
Gregório redirecionou os recursos da Igreja para conseguir administrar as ações
de ajuda. Ao fazê-lo, demonstrou tanto seu talento quanto sua compreensão
intuitiva dos princípios de contabilidade,
que só seria inventada séculos depois. Ele passou a exigir agressivamente que
seus clérigos fossem atrás de pessoas precisando de ajuda e os repreendia
quando percebia que não estavam fazendo isso. Numa carta enviada a um
subordinado na Sicília, ele escreveu:
“Eu lhe pedi acima de tudo que
cuidasse dos pobres. E se você sabia de pessoas vivendo na pobreza, deveria ter
avisado... É meu desejo que você dê à mulher, Pateria, 40 soldos para a compra
de calçados infantis e 40 celemins de cereais..." — Papa
Gregório Magno[38]
Logo Gregório
passou a substituir administradores que não queriam cooperar e a contratar mais
para cumprir o plano que tinha
Dinheiro, porém,
não substituía comida numa cidade que estava a beira de uma grande carestia
(fome). Até mesmo os ricos já sofriam em suas villas. A igreja possuía
na época entre 3400 e 4700 km2 de terras agricultáveis gerando
receitas divididas em grandes blocos chamados "patrimonia".
Elas produziam todo tipo de bens para serem vendidos, mas Gregório interveio e
ordenou que eles fossem todos enviados para Roma para serem distribuídos às diaconias.
Ordenou também que a produção fosse aumentada, estabelecendo metas e criando
uma estrutura administrativa para garantir que seriam cumpridas. Cereais,
vinho, queijo, carne, peixe e azeite começaram a chegar a Roma em grandes
quantidades e tudo era doado na forma de esmolas.[40]
A distribuição
ocorria mensalmente e, para atender aos que estavam doentes demais para receber
sua parte, Gregório criou um pequeno exército de voluntários, principalmente monges,
que levavam comida quente a eles diariamente. Contava-se que o próprio Gregório
só jantava depois de assegurar que todos os indigentes haviam sido alimentados.
E, ainda assim, dividia a mesa de sua família (que ele guardara e que ainda
existe) com doze indigentes convidados. Aos necessitados de famílias ricas,
Gregório enviava refeições que ele mesmo preparava na forma de presentes,
preservando-os da indignidade de receber caridade. Certa ocasião, ao saber da
morte de um indigente em sua casa, ficou deprimido por dias e cogitou por um
tempo a noção de que teria, de alguma forma, fracassado em suas
responsabilidades e seria, por isso, um assassino.[39]
Por conta disto
tudo, Gregório conquistou completamente as mentes e corações dos romanos, que
agora viam no papado uma forma de governo e passaram a ignorar a arrogância de
Constantinopla, que tinha apenas desrespeito a oferecer a Gregório, chamando-o
de tolo por seus contatos pacíficos com os lombardos. O cargo de prefeito
urbano de Roma ficou por muito tempo sem candidatos e, da época de Gregório até
a ascensão do nacionalismo italiano, o papado permaneceu como o poder mais
influente na Itália.
Obras
· Reformas litúrgicas
João, o Diácono, escreveu que
Gregório realizou uma reforma geral da liturgia da missa pré-tridentina, "removendo
muitas coisas, alterando umas poucas, adicionando algumas". Em suas
cartas, Gregório afirma ter movido o Pater Noster ("Pai
Nosso") para logo depois do Cânon
Romano, imediatamente antes da Fração do pão, uma posição que ainda ocupa
atualmente na liturgia romana. A posição ocupada antes é evidente no rito
ambrosiano, utilizado ainda por algumas igrejas. Gregório acrescentou
material ao Hanc Igitur do Cânon e criou os nove Kyries (um
resquício das antigas litanias que eram recitadas na missa na época) no começo da missa.
Finalmente, ele reduziu o papel dos diáconos na liturgia romana.
Sacramentários
diretamente influenciados pelas reformas gregorianas são chamados de "Sacrementaria
Gregoriana". Com o aparecimento deles, a liturgia ocidental passou a
ter características específicas que a distingue das tradições litúrgicas
orientais. Em contraste com os geralmente invariáveis textos litúrgicos
orientais, os romanos e outros ritos ocidentais desde a época de Gregório
apresentam uma série de orações que mudam para refletir a festa ou a época
litúrgica.
Na Igreja
Ortodoxa, credita-se a Gregório a compilação da Divina
Liturgia dos Dons Pré-santificados.
· Canto gregoriano
Ver artigo
principal: Canto
gregoriano
A principal
forma de cantochão ocidental, padronizada no final do séc. IX,[41]
é creditada ao papa Gregório Magno e, por isso, recebeu o nome de "canto gregoriano".
Esta atribuição remonta à hagiografia de Gregório escrita por João, o Diácono, em 873, quase
três séculos depois de sua morte, segundo a qual o canto que leva seu nome "é
o resultado da fusão de elementos romanos e francos ocorrida durante o império
franco-germânico controlado por Pepino,
Carlos
Magno e seus sucessores".[42]
· Literatura
Ver Manuscrito dos "Diálogos" - Séc. XI ou XII. Preservado no Archivo Capitolare em Módena, Itália.
Gregório é
geralmente citado como o fundador do papado medieval e, por isso, muitos
atribuem a ele o começo da espiritualidade medieval.[43]
Ele é o único papa entre os séculos V e XI cuja correspondência sobreviveu em
quantidade suficiente para que se forme um corpus de seu pensamento.
Entre os textos de Gregório estão:
"Comentário sobre Jó", conhecido
também por seu título latino, "Magna Moralia" ou ainda como
"Moralia de Jó", uma das mais longas obras patrísticas;
possivelmente já estava terminada em 591. Baseia-se nas pregações de Gregório
sobre o Livro
de Jó
aos seus irmãos que o acompanharam a Constantinopla. A versão que conhecemos
hoje é o resultado da revisão de Gregório e foi completada logo depois de sua
ascensão ao trono papal.[44]
"Liber regulae pastoralis" ("Livro da
Regra Pastoral"/"A Regra dos Pastores"), conhecido
também como "Regula Pastoralis", uma obra na qual Gregório
contrasta o papel dos bispos como pastores de seus rebanhos com a posição deles
como nobres da igreja: a afirmação definitiva do cargo episcopal. Esta obra
provavelmente iniciou antes de sua eleição como papa e terminou em 591.
"Diálogos", uma
coleção de 4 livros de milagres, sinais, maravilhas e curas realizadas por
homens santos, geralmente monges, da Itália do séc. VI. O segundo livro é
totalmente dedicado a São
Bento[45]
"In Librum
primum regum expositio" ("Comentário sobre I Reis")
Diversos sermões,
incluindo:
22 Homilae in
Hiezechielem ("Homilias sobre
Ezequiel"), que tratam de Ezequiel 1:1 até Ezequiel 4:3 no livro 1 e Ezequiel 40:1-49 no livro 2. Eles
foram pregados entre 592 e 593 durante o cerco lombardo à cidade e contém
alguns dos mais profundos ensinamentos místicos de Gregório. Ele
próprio revisou a obra oito anos depois.
As Homilae xl
in Evangelia ("Quarenta Homilias sobre o Evangelho") para serem
utilizadas durante o ano litúrgico, pregadas entre
591 e 592, obra que, aparentemente, estava concluída em 593. Um fragmento de papiro
deste códex sobreviveu e está preservado no Museu Britânico, em Londres.[46]
"Expositio in
Canticis Canticorum", sobre o Cântico
dos Cânticos.
Apenas dois sermões sobreviveram, cobrindo o trecho até Cantares 1:9.
Cópias de 854
cartas sobreviveram também. Durante a vida de Gregório, cópias de cartas papais
eram regularmente feitas por escribas e compiladas num registrum que,
por sua vez, era abrigado no scrinium. Sabe-se que, no séc. IX, quando
João, o Diácono, escreveu a "Vita" de Gregório, o registrum
das cartas de Gregório abrangia 14 rolos de papiro (é muito difícil estimar
quantas cartas esta quantidade de rolos representa). Apesar de estes rolos
terem se perdido, as cartas sobreviveram em cópias posteriores, o maior grupo,
abrangendo 686 delas, copiado por ordem do papa
Adriano I (r. 772-795).[44]
A maioria das cópias, datando dos séculos X ao XV, estão preservadas na Biblioteca
do Vaticano.[47]
· Controvérsia com
Eutíquio
Em
Constantinopla, Gregório entrou numa grande discussão com o já idoso patriarca Eutíquio, que havia publicado um
tratado, hoje perdido, sobre a ressurreição dos mortos. Nele, defendia que
o corpo ressuscitado "será mais sutil que o ar e não mais
palpável".[48]
Gregório discordava e contrapôs a palpabilidade do próprio Cristo ressuscitado
declarada em Lucas 24:39; Como a
disputa não arrefecia, o imperador bizantino Tibério
II se propôs a arbitrá-la e acabou decidindo pela palpabilidade, ordenando
que a obra de Eutíquio fosse queimada. Logo depois, ambos ficaram doentes e,
enquanto Gregório se recuperou, Eutíquio morreu em 5 de abril de 582, aos
setenta anos. Em seu leito de morte, Eutíquio renegou a impalpabilidade e
Gregório abandonou a controvérsia. Tibério morreu logo depois de Eutíquio.
· Frases e situações
famosas
- "Non
Angli, sed angeli" ("Não são anglos, mas anjos")
- um aforismo que sumariza o que teria dito Gregório, segundo os relatos
de Beda, quando ele
descobriu jovens anglos de pele clara num mercado de escravos, o que
estimulou-o a enviar Santo Agostinho de Cantuária para a
Inglaterra para converter os anglo-saxões, a famosa missão gregoriana.[49][50] Ao saber que
eram nativos de Deira, Gregório
acrescentou ainda que eles seriam resgatados "de ira"
("da ira"). Ao saber que seu rei chamava-se Ela (Ælla),
exclamou "Aleluia"!
- "Ecce locusta" ("Veja
o gafanhoto!") - O próprio Gregório desejava ir para a Inglaterra e
iniciou a viagem. No quarto dia, durante a parada para o almoço, um
gafanhoto pousou na beira da Bíblia que Gregório estava lendo e ele
exclamou "Ecce locusta!". Porém, ao refletir sobre o
tema, viu no evento um sinal do céu por causa da similaridade entre "loco
sta" ("fique onde está") e "locusta". Na
mesma hora, um emissário do papa - na época seria ou Bento I ou Pelágio
II
- chegou para chamá-lo de volta.[50]
- "Pro
cuius amore in eius eloquio nec mihi parco" ("Pelo
amor d'Ele não me poupo de Sua palavra".[51][52] O sentido é
que como Deus havia lhe dado o poder da palavra para que ele pudesse dar
seu testemunho, que tipo de testemunha ele seria se não o utilizasse?
- "Non
enim pro locis res, sed pro bonis rebus loca amanda sunt" ("As
coisas não devem ser amadas pelo bem de um lugar, mas os lugares devem ser
amados pelo bem de seus bons frutos") - Quando Santo Agostinho de Cantuária perguntou se
deveria utilizar os costumes romanos ou gauleses para rezar a missa,
Gregório disse, numa paráfrase, que que não era o lugar que originava a
bondade, mas as coisas boas que agraciavam o lugar e que era mais
importante ser agradável a Deus. Assim, Agostinho deveria selecionar o que
era "pia", "religiosa" e "recta"
de qualquer que fosse a igreja e estabelecer com isso o costume inglês.[53]
- "Compaixão
deve ser demonstrada primeiro para os fieis e depois para os inimigos da
igreja".[54]
- "Homens iletrados podem contemplar nas linhas de uma figura o que não podem aprender através da palavra escrita".[55]
· Análises
As opiniões
sobre as obras de Gregório variam. "Seu caráter nos surpreende como
sendo ao mesmo tempo ambíguo e enigmático", observou o historiador
medieval Norman Cantor. "Por um lado, foi um administrador
hábil e determinado, um diplomata habilidoso e inteligente, um líder da maior
sofisticação e visão; mas, por outro, aparece em suas obras como um monge
supersticioso e crédulo, hostil à erudição, grosseiramente limitado como teólogo
e excessivamente devotado a santos, milagres e relíquias".[56]
Alguns, como
Markus, acreditam que suas cartas nos revelam "uma visão acurada de sua
obra"[57]
ao passo que outros afirmam que "uma verdadeira apresentação autobiográfica
é quase impossível para Gregório. O desenvolvimento de sua mente e sua
personalidade ainda são puramente de natureza especulativa".[58]
· Identificação de 3 personagens
dos Evangelhos
Gregório estava
entre os que identificavam Maria
Madalena com Maria de Betânia, que, segundo João 12:1-8, untou Jesus com óleos preciosos, um evento que
alguns interpretam como sendo o mesmo evento que a unção realizada por uma
mulher descrita por Lucas (o único que o faz entre os evangelhos sinóticos) como pecadora ("Maria aos pés de Jesus" em Lucas 7:36-50). Pregando
sobre esta passagem de Lucas, Gregório afirmou:
"Esta
mulher, que Lucas chama de «pecadora» (Lucas 7:37) e João
chama de «Maria» (João 12:3), eu
acho que é a mesma Maria citada por Marcos, «da qual havia expelido sete
demônios» (Marcos 16:9).".[59]
Os modernos estudiosos bíblicos distinguem as três mulheres, mas todas estão,
no imaginário popular, ligadas.[60]
Homenagens
· Biografias
Na Grã-Bretanha,
Gregório continuou muito apreciado mesmo depois de morrer e recebeu o epíteto
de "Gregorius noster" ("nosso Gregório").[61]
Foi ali também, na Abadia de Whitby, que a primeira "Vita"
de Gregório foi escrita, por volta de 713.[62]
Na Itália, a primeira foi escrita por João, o Diácono, no séc. IX.
· Monumentos
A igreja de San Gregorio al Celio (completamente
reformadas com base nos edifícios originais nos séculos XVII e XVIII) celebra suas
obras e está localizada nas terras que ersm de sua família. Num dos três
oratórios anexos acredita-se estar enterrada a mãe de Gregório, Santa
Sílvia.
Na Inglaterra, Gregório,
juntamente com Agostinho de Cantuária, é reverenciado como "apóstolo"
e um dos responsáveis pela cristianização do país.[63]
· Iconografia
Na arte,
Gregório é geralmente representado vestido como papa, com a tiara
e a cruz dobrada, uma imagem sem relação alguma com as
roupas que ele vestia de fato. As mais antigas geralmente mostram-no com a tonsura
monástica e roupas mais simples. Ícones
ortodoxos tradicionalmente mostram-no vestido como bispo segurando o Evangelho e
abençoando com a mão direita. Gregório teria permitido que seus retratos
tivessem a auréola quadrada, reservada na época aos vivos
considerados santos[64].
Uma pomba é o seu principal atributo por conta de uma tradição originada numa
história relatada por seu amigo Pedro, o Diácono,[65]
segundo a qual, quando o papa estava ditando suas "Homilias sobre
Ezequiel", uma cortina se estendia entre ele e seu secretário. Porém, como
o papa por vezes ficava mudo por longos períodos, o secretário fez um buraco na
cortina e, olhando através dele, viu uma pomba sentada na cabeça de Gregório
com o bico entre seus lábios. Quando ela tirava o bico, o papa falava e o
secretário anotava suas palavras; quando ele ficava mudo, o secretário
novamente olhava pelo buraco e via que a pomba novamente havia colocado o bico
entre os lábios dele".[64]
Esta cena é entendida
como uma versão do tradicional "retrato do evangelista"
(no qual os símbolos dos evangelistas aparecem
ditando) a partir do séc. X. Um exemplo antigo é uma iluminura no manuscrito do
séc. XI da "Moralia sobre Jó",[66]
que mostra o escriba, Bebo, da Abadia de Seeon, presenteando o manuscrito ao imperador
do Sacro Império Romano-Germânico Henrique II.
No canto superior esquerdo, o Gregório aparece escrevendo o texto sob inspiração
divina, provavelmente para dar maior clareza, a pomba aparece cochichando ao
invés de colocando o bico entre os lábios dele.
Um exemplo
criativo e anacronístico deste tipo de retrato é a obra do estúdio de Carlo
Saraceni (ou um discípulo próximo) de c. 1610, da coleção
Giustiniani, preservada na Galleria Nazionale d'Arte Antica em Roma.[67]
Nela, o rosto de Gregório é uma caricatura das características descritas por
João, o Diácono, mencionadas acima: careca, queixo pronunciado e nariz bicudo
ao invés da calvície parcial, um queixo "graciosamente pronunciado" e
um nariz "ligeiramente aquilino".
O tema da Idade
Média Tardia da "Missa de São Gregório" é uma versão de
uma história do séc. VII bastante elaborada em sua hagiografia posterior na
qual Cristo, o "Varão de Dores", aparece no altar quando
durante uma missa celebrada por Gregório. Este tema foi bastante comum nos séculos
XV e XVI e refletia a crescente ênfase na presença real (de Cristo na Eucaristia)
e, depois da Reforma Protestante, passou a ser uma afirmação desta doutrina na
luta contra a teologia protestante.[68]
· Festa
O atual Calendário
Hagiológico Católico Romano, revisto em 1969 por ordem do Concílio Vaticano II[69]
celebra São Gregório Magno em 3 de setembro. Antes disso, o Calendário Geral Romano
determinava que sua festa deveria ocorrer no dia 12 de março, aniversário da
sua morte, uma data que sempre cai durante a Quaresma,
durante a qual não se celebra nenhum memória obrigatória. Este foi o principal
motivo da mudança, que passou a festa para o aniversário de sua consagração em
590.[70]
A Igreja
Ortodoxa e as Igrejas Católicas Orientais de rito
bizantino continuam a comemorar São Gregório em 12 de março, que ocorre
durante a Grande Quaresma, a única época
na qual é utilizada a "Divina
Liturgia dos Dons Pré-santificados", que é creditada a Gregória.
Outras igrejas
também celebram São Gregório: a Igreja da Inglaterra e a Igreja Luterana - Sínodo de
Missouri em 3 de setembro; a Igreja
Luterana Evangélica na América e a Igreja Episcopal nos Estados Unidos,
em 12 de março.
Ver também
Precedido
por Pelágio
II / - Papa 64.º / - Sucedido por Sabiniano
Notas
[a] ^ Gregório menciona
em "Diálogos" (3.2) que estava vivo quando Totila tentou assassinar
Carbônio, bispo de Populônia, provavelmente em
546. Numa carta de 598,[71] ele repreende
Januário, bispo de Cagliari, desculpando-se
por não observar o comando
[b] ^ Elizabeth chega a
afirmar que "Paulus
Diaconus,
que escreveu a primeira 'Vita' de São Gregório e foi seguido por todos os
demais autores no assunto, observa que 'ex Greco eloquio in nostra lingua ...
vigilator, seu vigilans sonat'". Porém, Paulo escreveu tarde demais para
que sua "Vita" seja considerada a primeira.
[c] ^ Se Félix era
"III" ou "IV" depende de aceitarmos ou não a eleição do antipapa
Félix II
ao trono papal. Neste caso, considera-se a contagem oficial, ou seja, como
ilegítima a eleição deste.
[d] ^ Posteriormente,
estes diáconos se tornaram cardeais e, a partir destes oratórios evoluíram
novas igrejas.
[e] ^ A primeira
biografia, escrita uma geração antes de Beda em Whitby, relata a mesma
história, mas afirma que os ingleses eram visitantes em Roma que foram
questionados por Gregório.[73] Contudo, esta
versão anterior não é necessariamente mais correta, pois sabe-se que Gregório
de fato ordenou que o presbítero Cândido, na Gália, numa carta, que comprasse
escravos ingleses para colocá-los nos mosteiros da Itália justamente com o
objetivo de depois utilizá-los em missões na Inglaterra.[74]
Referências
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Ligações externas
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· «Duas epístolas de Gregório» (em inglês). Women's Biography: Barbara and Antonina
· «São Gregório Magno» (em
inglês). Christian Iconography
· Caxon. «De São Gregório, o Papa»
(em inglês). Legenda Áurea
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