Beda (em inglês
antigo: Bǣda ou Bēda; em latim: Beda; c. 673 – 26/mai/735), conhecido
também como Venerável Beda (em latim: Bēda Venerābilis),[k] foi um monge
inglês que viveu nos mosteiros de São Pedro, em Monkwearmouth,
e São Paulo, na moderna Jarrow, no nordeste da Inglaterra, uma região que, na época,
era parte do Reino da Nortúmbria. Ele é conhecido
principalmente por sua obra-prima, a História Eclesiástica do Povo
Inglês, um trabalho que lhe rendeu o título de "Pai da História Inglesa".
Em 1899, Beda
foi proclamado Doutor da Igreja pelo papa
Leão XIII, um dos mais importantes títulos teológicos da Igreja Católica, e
é até hoje o único nativo da Grã-Bretanha a alcançar a posição (Agostinho de Cantuária, também um doutor,
era nativo da Itália). Além disso, Beda era um habilidoso linguista e tradutor
e suas obras ajudaram a tornar acessíveis os textos dos primeiros Padres
da Igreja, escritos em latim ou em grego, para os anglo-saxões,
contribuindo assim com o desenvolvimento do cristianismo inglês. O mosteiro de
Beda dispunha de uma grande biblioteca que incluía, entre outras, obras de Eusébio e Orósio.
Biografia
Ver
Mosteiros gêmeos de São Pedro e São Paulo em Monkwearmouth-Jarrow, onde Beda passou
a maior parte da vida.
Quase tudo o que
se sabe sobre a vida de Beda está contido no último capítulo de sua História
Eclesiástica, completada por volta de 731.[2]
Ele indicou que estava com cinquenta e nove anos de idade na época, o que
implica que teria nascido por volta de 672 ou 673.[a][1][3][4]
Uma outra fonte, menor, é uma carta de seu discípulo, Cuteberto (Cuthbert),[b] que
trata da morte de Beda.[5][c] Beda, na
"Historia", afirma ter nascido "nas terras de seu
mosteiro",[6]
uma referência aos mosteiros gêmeos de São Pedro e São Paulo em Monkwearmouth e Jarrow,[7]
na moderna região de Sunderland. Existe também uma antiga
tradição que conta que Beda nasceu em Monkton, a pouco menos
de
Com 7 anos de
idade, Beda foi enviado para o mosteiro de Monkwearmouth pela família para ser
educado por Bento Biscop e, posteriormente, por Ceolfrido (Ceolfrith).[12]
Porém, ele não diz se já se esperava na época que ele se tornasse um monge.[13]
É de se notar que era bastante comum na Irlanda na época que jovens garotos,
principalmente os de origem nobre, fossem educados fora de casa; a prática
provavelmente era comum entre os povos germânicos da Inglaterra.[14]
O mosteiro irmão de Monkwearmouth em Jarrow foi fundado por Ceolfrido em 682 e
Beda provavelmente mudou-se para lá com ele no mesmo ano.[7]
A pedra dedicatória da igreja do mosteiro ainda existe e traz a data de 23 de
abril de 685. Como se supõe que Beda fosse encarregado de ajudar nas diversas
tarefas menores do dia-a-dia, é possível que ele também tenha ajudado a construir
a igreja original.[14]
Em 686, irrompeu uma epidemia de peste
Quando Beda
tinha por volta de 17 anos, Adomnán, o abade
de Iona, visitou Monkwearmouth e Jarrow. Beda provavelmente se encontrou
com ele durante a visita e é possível que ele tenha despertado o interesse do
jovem pela controvérsia sobre data da Páscoa.[16]
Por volta de 692, Beda, que tinha 19 anos, foi ordenado diácono por
seu bispo, João de Beverley. A idade
canônica para a ordenação de um diácono na época era vinte e cinco anos, mas
especula-se que Beda não precisou esperar justamente por ser considerado um
talento excepcional.[14]
Contudo é possível também que o requisito da idade mínima fosse frequentemente
desconsiderado.[17]
Apesar da possibilidade de que houvesse ordens de status inferior ao de
diácono, não há registros de que Beda tenha exercido qualquer uma delas.[18][d] No 30.º
ano da vida de Beda (por volta de 702), foi ordenado padre pelo bispo João.[4]
Um ano antes,
Beda escreveu suas primeiras obras, "De Arte Metrica" e "De
Schematibus et Tropis", livros didáticos para serem utilizados em sala
de aula. Ele nunca mais parou de escrever e completou mais de 60 livros, a
maioria dos quais sobreviveu. Porém, nem todas as suas obras podem ser datadas
com facilidade e é possível que ele tenha voltado a trabalhar em alguns textos
em diversas ocasiões durante um longo período de tempo.[4] A
última obra conhecida é uma carta a Egberto
de Iorque (Ecgbert), um ex-estudante, escrita em 734.[17]
Um manuscrito greco-latino do séc. VI dos Atos dos Apóstolos, que acredita-se ter sido
escrito por Beda, sobreviveu, está preservado na Biblioteca Bodleiana da Universidade de Oxford
e é conhecido como Codex Laudianus.[19][20]
É possível também que Beda tenha trabalhado diretamente na confecção de uma das
bíblias em latim copiadas em Jarrow, uma das quais está hoje preservada na Biblioteca Laurentina, em Florença.[e] Além de
escritor, Beda também ensinava,[21]
gostava de música - conta-se que era muito bom cantor - e recitava muito bem
poesias no vernáculo.[17]
Contudo, é possível que ele sofresse de alguma forma de dificuldade de fala,
mas esta tese depende da interpretação de uma frase na introdução de sua obra
em verso sobre a vida de São
Cuteberto. Traduções do trecho diferem entre si e não há certeza se ele
quis dizer que foi curado de um problema na fala ou se estava meramente
afirmando ter sido inspirado pelas obras do santo.[f][22][23]
Em 708, alguns
monges da Abadia de Hexham acusaram Beda de heresia em sua
obra "De Temporibus".[24]
A visão teológica padrão para a história do mundo na época era conhecida como
"seis épocas do mundo"; em seu texto, Beda
tentou calcular a idade do mundo em vez de aceitar
a autoridade de Isidoro de Sevilha, e acabou concluindo que
Cristo havia nascido 3 952 anos depois da criação do mundo, em vez dos mais de 5 000
anos aceitos pelos teólogos na época.[25]
A acusação foi formalizada perante o novo bispo de Hexham, Vilfrido (Wilfrid), que estava
numa festa quando alguns monges bêbados fizeram a acusação. Vilfrido não respondeu
de imediato, mas um monge presente relatou o episódio por carta a Beda. Ele
respondeu, poucos dias depois, apresentando sua defesa e pedindo que a carta
fosse lida para Vilfrido.[24][g] Segundo
o próprio Beda, ele e Vilfrido se comunicaram novamente entre 706 e 709, quando
trataram de Etelrita (Æthelthryth), a abadessa de
Ely. Beda quis saber de Vilfrido, que esteve presente à exumação
do corpo dela em 695, sobre as condições exatas do corpo e pediu mais detalhes
sobre sua vida, uma vez que Vilfrido havia sido o principal conselheiro dela.[26]
Em 733, Beda
viajou para Iorque
para visitar Egberto, que ocupava a função de bispo.
A sé de Iorque seria elevada a metropolitana em 735 e é provável que os dois
tenham discutido as propostas para elevá-la durante a visita. Beda queria
visitar Egberto novamente em 734, mas estava muito doente para viajar.[27]
Ele também visitou o mosteiro de Lindisfarena
e, em algum momento, o mosteiro desconhecido de um monge chamado Victedo (Wicthed),
segundo uma carta que Beda escreveu para ele. Por conta de sua extensiva
correspondência com diversas pessoas em todas as ilhas Britânicas, assume-se
que Beda as tenha conhecido pessoalmente e que, portanto, teria também viajado
para outros lugares, embora nada mais se saiba sobre quando ou para onde.[28]
É quase certo, porém, que ele não esteve em Roma, pois certamente teria
mencionado a viagem no capítulo autobiográfico da "História
Eclesiástica".[29]
Notelmo (Nothhelm),
um correspondente de Beda que ajudou-o a encontrar documentos em Roma,
visitou-o, mas não se sabe quando.[30]
Beda faleceu
numa quinta-feira, 26 de maio de 735 ("Dia da Ascensão"), e foi enterrado em Jarrow.[4]
Cuteberto, um discípulo, escreveu uma carta para Cutvino (Cuthwin; sobre
quem nada mais se sabe) descrevendo os últimos dias de Beda e sua morte.
Segundo o relato, Beda ficou doente - "ataques frequentes de falta de
ar, mas quase sempre sem dor" - antes da Páscoa. Na quinta-feira, dias
antes, morreu, com a respiração muito ruim e com os pés inchados. Ele continuou
ditando para um secretário durante a doença e, mesmo tendo passado a noite em
claro rezando, voltou a fazê-lo no dia seguinte. Às três horas da tarde, pediu
que seu baú lhe fosse levado e distribuiu entre os padres do mosteiro "uns
poucos tesouros" que possuía: "alguma pimenta, guardanapos e
um pouco de incenso".
Na mesma noite, ditou sua última frase para o escriba, um garoto chamado
Vilberto (Wilberht) e morreu logo depois.[h][31]
A carta de
Cuteberto também preservou um curto poema, com apenas cinco linhas no
vernáculo, que Beda compôs em seu leito de morte e que é conhecido como
"Canto de Morte de Beda" (veja mais abaixo). Trata-se do mais copiado
poema em inglês antigo e aparece em 45 manuscritos, mas sua atribuição a Beda
não é totalmente certa - nem todos o nomeiam como tal e os que o fazem são mais
antigos que os que não.[32][33][34]
Os restos mortais de Beda foram transferidos para a Catedral de Durham no séc.
XI. Apesar de o túmulo ter sido saqueado em 1541, é provável que suas relíquias
tenham sobrevivido e sido re-enterradas na Capela Galileia na mesma catedral.[4]
Uma curiosidade
a mais em suas obras é que, numa delas, o "Comentário sobre as Sete Epístolas Católicas", ele escreve de uma
forma que deixa a impressão de que ele seria casado.[11]
A seção em questão é a única da obra escrita em primeira pessoa. Segundo ele,
as "orações são atrapalhadas pelos deveres conjugais, pois toda vez que
realizo o que devo à minha esposa não consigo rezar". Em outra
passagem, desta vez no "Comentário sobre Lucas", ele cita novamente
uma esposa na primeira pessoa: "Eu possuía antigamente uma esposa na
libidinosa paixão do desejo e hoje a possuo na honrosa santificação e
verdadeiro amor de Cristo".[35]
A historiadora Benedicta Ward defende que, nestas passagens, Beda nada mais fez
do que lançar mão de recursos retóricos para sublinhar seus pontos de vista.[35]
Obras
Beda escreveu
obras científicas, históricas e teológicas, um reflexo da abrangência de seus
interesses, que iam da métrica aos comentários exegéticos. Ele
conhecia a literatura patrística e também Plínio, Virgílio,
Lucrécio,
Ovídio, Horácio e
outros escritores antigos.
Os comentários
bíblicos de Beda empregaram um método alegórico de interpretação
[36]
e suas obras históricas incluem relatos sobre milagres, o que,
para historiadores modernos, conflita com sua abordagem crítica às demais
fontes em sua história. Estudos modernos demonstraram o papel fundamental que
estes conceitos alegóricos tiveram na formação da visão de mundo dos primeiros
acadêmicos medievais.[37]
Ele dedicou sua
obra sobre o Apocalipse e a "De Temporum Ratione" ao
sucessor de Ceolfrido como abade, Hetberto (Hwaetbert).[38]
Historiadores modernos já realizaram diversos estudos sobre as obras de Beda.
Sua vida e suas obras têm sido celebradas numa série de palestras acadêmicas
anuais na Igreja de São Paulo, em Jarrow, iniciada em 1958 e que continua até
hoje.[39]
O historiador Walter Goffart afirma que Beda "detém um
lugar privilegiado e sem rivais entre os primeiros historiadores da Europa
cristã".[40]
Embora Beda seja
principalmente estudado como um historiador atualmente, em sua época, suas
obras sobre gramática, cronologia e estudos bíblicos eram tão importantes
quanto as históricas ou hagiográficas. Estas obras não históricas contribuíram
muito para o chamado "Renascimento Carolíngio"[41]
· História Eclesiástica do Povo Inglês
Ver artigo
principal: História Eclesiástica do Povo Inglês
A obra mais
conhecida de Beda é a História Eclesiástica do Povo
Inglês' (Historia ecclesiastica gentis Anglorum),[42]
terminada por volta de 731 com a ajuda de Albino,
abade da Abadia de Santo Agostinho em Cantuária.[43] O 1.º
dos 5 livros começa com um panorama geográfico e passa para um esboço da
história da Inglaterra, iniciando-se com a invasão romana de Júlio
César em
· Fontes
O mosteiro em
Wearmouth-Jarrow tinha uma excelente biblioteca. Tanto Bento Biscop quanto
Ceolfrido (Ceolfrith) já vinham adquirindo livros do continente e, na
época de Beda, o mosteiro era um renomado centro de ensino[50]
que abrigava por volta de 200 livros.[51]
Para o período
anterior à chegada de Agostinho, em 597, Beda se baseou em escritores
anteriores, incluindo Solino.[4][52]
Ele tinha também acesso a duas obras de Eusébio: "História Eclesiástica" e
"Crônica" (Chronicon). Porém, nenhuma
delas estava disponível no original em grego e, por isso, ele utilizou as
versão latinas da "História", traduzida por Rufino,
e da "Crônica", traduzida por São
Jerônimo. Ele também se baseou na obra "Adversus Paganus",
de Orósio, e na "Historia Francorum", de
Gregório de Tours, ambas cristãs,[53]
mas também no trabalho de Eutrópio, que era pagão.[54]
Ele utilizou a "Vida de Germano", de Constâncio, como fonte para as visitas de Germano à Inglaterra[4] e
a "De Excidio et Conquestu
Britanniae", de Gildas, para a
invasão dos anglo-saxões.[55]
Beda também conhecia os relatos mais recentes, como a "Vida de Vilfrido", de Édio Estêvão, a as
"Vidas" anônimas de São Gregório Magno e São Cuteberto.[52]
Outras fontes importantes foram as "Antiguidades Judaicas" de Flávio
Josefo, as obras de Cassiodoro[56]
e a "Liber Pontificalis", todas
presentes (em cópia) na biblioteca do mosteiro.[57]
Beda cita obras
de diversos autores clássicos, incluindo Cícero, Plauto e Terêncio,
mas é possível que ela tenha tido acesso às obras deles através de uma
"gramática" latina e não diretamente.[58]
Porém, é claro que ele conhecia os trabalhos de Virgílio
e a "História Natural" de Plínio; seu mosteiro possuía ainda cópias das obras
de Dionísio Exíguo.[59]
É provável que ele tenha baseado seu relato sobre a vida de Santo Albano numa
obra sobre ele que não sobreviveu. Beda reconhece ainda outras duas hagiografias
diretamente; uma é a vida de São Fursa (Fursey) e a outra,
a de Santo Etelburgo (Æthelburh),
que não sobreviveram.[60]
Ele também teve acesso a uma hagiografia de Ceolfrido. Finalmente, uma parte do
material à disposição de Beda se originou em tradições orais, inclusive sua
descrição física de Paulino de Iorque, que morreu mais de 90 anos
antes de a "História" ter sido escrita.[61]
Beda também se
correspondeu com muitas pessoas que lhe enviavam diversos materiais. Albino, o
abade do mosteiro em Cantuária, deu-lhe muita informação sobre a igreja em Kent
e, com a ajuda de Notelmo (Nothhelm) que, na época, era um padre em
Londres, conseguiu obter cópias da correspondência de Gregório
Magno de Roma à missão de Agostinho.[52][62]
Quase toda informação de Beda sobre Santo
Agostinho vem destas cartas.[4]
Ele reconheceu seus correspondentes no prefácio da História Eclesiástica,[63]
estava em contato com Daniel, bispo de Winchester, para informações sobre a
história da igreja em Wessex, mas também para Lastingham pedindo informações sobre
Cedd e Chad.[63]
Beda também menciona um abade Esi como fonte para assuntos da Igreja da Ânglia Oriental e o bispo Cineberto (Cynibert) para
informações sobre Lindsey.[63]
O historiador Walter
Goffart defende que Beda baseou-se, na composição de sua
"História", em 3 obras, usando-as como uma estrutura sobre a qual as 3
principais seções da obra foram montadas. Para a 1.ª parte, que vai até a missão gregoriana, Goffart defende que Beda
utilizou a "De excidio", de Gildas. A 2.ª, que
detalha a missão propriamente dita, teria se baseado na anônima "Vida de
Gregório, o Grande", escrita
· Modelos e estilo
Os modelos
estilísticos de Beda se basearam nos autores que ele utilizou como fonte para a
porção mais antiga de sua obra. A introdução imita a de Orósio[4] e
o título ecoa a "História Eclesiástica" de Eusébio.[1]
Beda também copiou Eusébio ao assumir os Atos dos Apóstolos como modelo para a obra toda:
enquanto o primeiro utiliza os Atos como tema para seu relato sobre o
desenvolvimento da igreja, o segundo o utiliza como modelo para sua história da
igreja anglo-saxã.[66]
Beda citou suas fontes extensivamente por toda a narrativa, outro eco da obra
de Eusébio,[4]
e parece também ter citado diretamente seus correspondentes às vezes. Um
indício disso é que ele utiliza quase sempre os termos "australes"
e "occidentales" para saxões do sul e oeste respectivamente,
mas, numa passagem do primeiro livro, usou os termos "meridiani"
e "occidui", provavelmente refletindo a terminologia de seu informante.[4]
No fim do livro, Beda acrescentou uma pequena nota autobiográfica, uma ideia
inspirada pela "História dos Francos"
de Gregório de Tours.[67]
A experiência de
Beda como hagiógrafo e sua atenção minuciosa às datas foram
bastante úteis enquanto se preparava para escrever a "História Eclesiástica".
Seu interesse no "computus", a ciência de calcular a data
da Páscoa, também foi útil na narrativa que ele apresenta sobre a
controvérsia entre as igrejas britânica e anglo-saxônica sobre o tema.[42]
O latim de Beda
é muito elogiado por sua clareza, mas o estilo da "História" está
longe de ser simples. Ele conhecia retórica e frequentemente utilizava figuras
de linguagem e formas retóricas que são de difícil transposição numa tradução,
pois geralmente dependem de conotações específicas das palavras latinas. Porém,
ao contrário de outros contemporâneos (como Aldelmo), cujo
latim é cheio de dificuldades, o texto de Beda é fácil de ler.[68]
Nas palavras de Charles Plummer, um dos mais conhecidos editores da
"História Eclesiástica", o latim de Beda é "claro e
límpido ... é muito raramente que se torna necessário parar para pensar no
significado de uma sentença ... Alcuíno elogia Beda com muita justiça por
seu estilo despretensioso".[69]
· Objetivo
A intenção
primária de Beda ao escrever a "História Eclesiástica" foi demonstrar
o crescimento da igreja unida por toda a Inglaterra. Os britânicos antigos,
cuja igreja cristã sobreviveu à partida dos romanos séculos antes, despertaram
a ira de Beda por se recusar a ajudar na conversão dos saxões invasores; no
final da "História", os ingleses e sua igreja predominam sobre eles.[70]
Este objetivo, de demonstrar a tendência de união, explica a animosidade de
Beda em relação à forma com que os britânicos calculavam a data da Páscoa: a
maior parte da "História" é dedicada a esta controvérsia, incluindo a
resolução no Sínodo de Whitby em 664.[67]
Beda também estava preocupado em demonstrar a unidade dos ingleses a despeito
dos diversos pequenos reinos que ainda existiam na época. Ele também queria
instruir o leitor pelo exemplo espiritual e entretê-lo com histórias sobre os
muitos lugares e povos sobre os quais escreveu.[70]
O extensivo uso
que Beda faz dos milagres é desconcertante para o leitor moderno que acredita
que Beda é um historiador mais ou menos confiável, mas é preciso ter em mente
que homens de sua época aceitavam milagres como fatos. Beda, assim como Gregório, o Grande, citado por ele sobre este
tema na "História", acreditava que a fé conquistada por milagres é um
degrau para uma fé mais elevada e verdadeira e, por isso, eles têm seu lugar
principalmente na instrução dos convertidos.[71]
· Omissões e vieses
Beda é algo
reticente em relação à carreira de Vilfrido, seu contemporâneo e um dos
mais proeminentes clérigos da época. O motivo pode ser o estilo de vida
opulento de Vilfrido, totalmente oposto ao monasticismo de Beda; pode ser
também que os eventos da vida de Vilfrido, controversos e pouco agregadores,
simplesmente não se conformavam com o tema maior de Beda sobre o progresso de
uma igreja unificada e harmoniosa.[45]
O relato de Beda
sobre as primeiras migrações dos anglos e saxões para a Inglaterra não menciona
nenhuma migração destes povos através do canal da Britânia para a Bretanha como
a mencionada por Procópio, que escreveu no séc. VI. Frank Stenton descreve esta
omissão como "uma insatisfação do acadêmico com o indefinido";
material tradicional que não havia como datar ou ser utilizado para os
objetivos didáticos de Beda não tinha interesse nenhum pra ele.[72]
Beda era
nortúmbrio, o que acabou enviesando seu relato.[73]
As obras a que ele tinha acesso tinham poucas informações sobre o oeste da
Inglaterra, por exemplo,[74]
e tinham quase nada a dizer sobre a evolução da Igreja em Wessex
ou na Mércia. Beda não menciona Bonifácio, um famoso missionário saxão ocidental
enviado ao continente e que certamente Beda conhecia, mas menciona os
missionários nortúmbrios enviados para lá. Ele também foi bastante parcimonioso
em seus elogios a Adelmo,
um saxão ocidental que fez muito para garantir a conversão dos britânicos à
forma romana do cristianismo. Beda lista 7 reis dos anglo-saxões que, segundo
ele, detinham o poder de imperium; apenas um rei Ceaulino de Ceaulino, aparece
na lista e nenhum da Mércia, mesmo tendo, em outros pontos da obra, mencionado
o poder secular exercido por diversos mércios[75]
O historiador Robin Fleming afirma que esta hostilidade, resultado da
diminuição do território da Nortúmbria pelo poder mércio, era tanta que Beda
não tinha informantes da Mércia e não incluiu nenhuma história sobre seus
santos.[76]
Beda relata
ainda a história da missão de Agostinho enviada por Roma e conta que o clero
britânico se recusou a apoiá-lo na conversão dos anglo-saxões. Esta teimosia,
combinada com a avaliação negativa feita por Gilda sobre a Igreja britânica
pré-existente na época da invasão dos anglo-saxões, resultou numa avaliação
muito ruim da igreja nativa por Beda. Ele ignora o fato de que, na época da
missão de Agostinho, a história entre britânicos e anglo-saxões era de guerra
de conquista daqueles por estes, o que, nas palavras de Barbara Yorke, naturalmente teria
"diminuído os impulsos missionários do clero britânico em relação aos
anglo-saxões".[77]
· Uso de Anno Domini
Na época
· Avaliação
A "História
Eclesiástica" foi muito copiada durante a Idade Média e cerca de 160 manuscritos
da obra sobreviveram, por volta de metade no continente europeu e não nas ilhas
Britânicas. A maior parte dos manuscritos dos séculos VIII e IX se originaram
na região setentrional do Império Carolíngio.[80]
Este total não inclui os manuscritos que trazem apenas parte da obra, que somam
outros cem ao número final. Ela foi impressa pela primeira vez entre 1474 e
1482, provavelmente em Estrasburgo, na Alsácia.[81]
Historiadores modernos estudaram a "História" em profundidade e
diversas edições críticas e comentadas já foram publicadas.[40]
Por muitos anos, a disciplina da história anglo-saxã era essencialmente uma
repetição da "História", mas estudiosos modernos têm agora se focado
tanto no que Beda não escreveu quanto no que ele escreveu. A crença de que a
"História" foi ápice das obras de Beda, o objetivo de todos os seus
estudos, uma crença comum dos historiadores do passado, não é mais aceita pelos
historiadores modernos.[82]
Historiadores e
editores modernos de Beda têm sido pouco comedidos nos elogios à conquista de
Beda em "História Eclesiástica". Stenton considera-o como um dos que
fazem parte de "uma pequena categoria de livros que transcendem tudo,
exceto as mais fundamentais condições de lugar e tempo". Ele considera
sua qualidade como dependente do "impressionante poder de coordenação
de fragmentos de informações que chegaram até ele através da tradição, relação
com amigos ou evidências documentais" de Beda e continua: "Numa
época onde pouco se fazia além do registro dos fatos, ele alcançou a concepção
da história".[83]
Patrick Wormald descreveu-o
como "o primeiro e o maior dos historiadores ingleses"'.[84]
A
"História" conferiu a Beda uma enorme reputação, mas suas
preocupações eram bastante diferentes das que se esperam de um historiador
moderno. Seu foco estava na história da organização da Igreja inglesa, nas
heresias e nos esforços para reprimi-las, o que fez com que ele excluísse a
história dos reis e reinos seculares, exceto quando alguma lição de moral
pudesse ser extraída dos fatos ou houvesse neles algo que iluminasse um ponto
importante da história da igreja.[4]
Juntamente com a "Crônica Anglo-Saxônica", os escritores
medievais Guilherme de Malmesbury, Henrique de Huntingdon e Godofredo de Monmouth utilizaram suas obras
como fontes de dados e de inspiração.[85]
Os primeiros escritores modernos como Polydore Vergil e Matthew Parker, o arcebispo de Cantuária da elisabetano, também utilizaram a "História"
como fonte e suas obras foram depois utilizadas tanto por protestantes
quanto por católicos durante os conflitos religiosos da Idade
Moderna.[86]
Alguns
historiadores questionaram a confiabilidade de alguns dos fatos relatados por
Beda. Um deles, Charlotte Behr, acredita que o relato sobre os invasores
germânicos em Kent não deve ser considerado como um fato histórico
e sim um mito que era corrente na região na época de Beda.[87]
É provável que a obra de Beda, por ter sido tão copiada, tenha desencorajado outros
em seus esforços para escrever relatos próprios e pode até mesmo ter provocado
o desaparecimento de manuscritos com obras mais antigas, consideradas menos
importantes ou redundantes.[88]
Outras obras históricas
· Crônicas
Como capítulo 66
de sua "Sobre a Contagem do Tempo", em 725, Beda escreveu a
"Crônica Maior" ("Chronica Maiora"), que por vezes
circulou como uma obra separada. Para os anos mais próximos da época de Beda, a
"Crônica", assim como a "História", se baseou em Gildas,
numa versão do "Liber pontificalis"
atualizada até pelo menos o papado de Sérgio
I (r. 687-701) e em outras fontes. Para eventos mais antigos, a fonte foi
principalmente a "Crônica" de Eusébio de Cesareia. A data dos eventos na
"Crônica" de Beda é inconsistente com suas outras obras e fazem uso
principalmente do método de contagem dos anos a partir da data da criação, o anno
mundi [90]
· Vitae
Suas outras
obras histórias incluem biografias (Vitae) dos abades de Wearmouth and Jarrow, biografias em verso e
prosa de São Cuteberto de Lindisfarena, uma
adaptação da "Vida de São Félix" de Paulino
de Nola e uma tradução da "Paixão de Santo Anastácio" do grego,[91]
possivelmente obra de Teodoro de Cantuária. Beda criticou o
resultado e prometeu "melhorá-lo". Não existem manuscritos
sobreviventes da sua revisão, embora se saiba que um deles perdurou pelo menos
até o séc. XV.[92]
Beda criou também uma lista de santos, o chamado "Martirológio"[91]
Obras teológicas
Em sua própria
época, Beda era bastante conhecido por seus comentários bíblicos e exegéticos e
também por suas demais obras teológicas. Em volume, a maior parte do que
escreveu era parte desta categoria, com obras sobre o Antigo e o Novo
Testamento. A maioria sobreviveu, mas umas poucas se perderam.[93]
E foi por conta destas obras teológicas que ele passou a ser chamado de Doctor
Anglorum e foi canonizado.[94]
Beda sintetizou
e retransmitiu o conhecimento acumulado de seus predecessores e também propôs
algumas cuidadosas inovações no conhecimento (como recalcular a idade da Terra
- vide abaixo) que tiveram repercussões teológicas. Para fazê-lo, aprendeu o grego,
tentou aprender o hebraico e passou anos lendo e relendo as Escrituras. Beda
menciona ter utilizado o texto da Vulgata
de Jerônimo,
que já era uma tradução do texto hebraico. Ele estudou ainda os padres
latinos (Beda foi o primeiro a chamá-los assim[95])
e gregos da Igreja. Na biblioteca do mosteiro em Jarrow havia diversos livros
teológicos, incluindo obras de Basílio de Cesareia, João
Cassiano, João Crisóstomo, Isidoro de Sevilha, Orígenes,
Gregório de Nazianzo, Santo
Agostinho, Jerônimo, Gregório
Magno, Ambrósio, Cassiodoro e Cipriano.[58]
Ele fez uso de todos em conjunto com os próprios textos bíblicos para escrever
seus comentários e obras teológicas.[94]
Beda também teve acesso a uma tradução latina de Evágrio de Antioquia da "Vida de
Antônio", de Atanásio, e uma cópia da "Vida de São Martinho",
de Sulpício Severo.[58]
Ele também utilizou obras de autores menos conhecidos, como Fulgêncio de Ruspe, Juliano de Eclano, Ticônio e Prospério. É claro, pelos comentários
do próprio Beda, que ele sentia que seu trabalho era explicar para seus
estudantes e leitores a teologia e o pensamento dos Padres
da Igreja.[96]
Beda também
escreveu homilias, obras escritas para explicar teologia e utilizadas nos serviços litúrgicos. Elas não se restringiam às
principais estações cristãs, como o Advento, a Quaresma ou a Páscoa, mas
também aos demais eventos importantes, como aniversário e demais celebrações.[94]
Ambos os tipos
circularam amplamente durante a Idade Média. Diversos de seus comentários
bíblicos foram incorporados na "Glossa
Ordinaria", uma coleção de comentários do séc. XI, por
exemplo. Algumas de suas homilias foram colecionadas por Paulo, o Diácono, e foram utilizadas assim no Ofício Monástico. São Bonifácio utilizou as homilias de Beda em seus
esforços missionários no continente.[94]
Beda por vezes
incluía em seus livros teológicos um reconhecimento aos predecessores em que se
baseou. Em dois casos, ele deixou instruções para que suas notas marginais, que
detalhavam suas fontes, fossem preservadas pelo copista e, portanto, é possível
que o mesmo tenha ocorrido originalmente nas demais obras, o que infelizmente
se perdeu. Onde ele não especifica, é ainda assim possível identificar, muitas
vezes, a qual livro ele deve ter tido acesso para conhecer a citação utilizada.
Um catálogo completo da biblioteca de Beda no mosteiro não é possível de ser
reconstruído, mas é possível afirmar, por exemplo, que ele conhecia muito bem
as obras de Virgílio. Há poucas evidências de que ele tenha tido acesso
a qualquer outro escritor latino pagão - ele cita vários deles, mas os trechos
citados são quase todos encontrados nas "gramáticas" que circulavam
amplamente na época e é quase certo que o mosteiro tinha uma ou duas delas em
sua biblioteca. Outra dificuldade é que os manuscritos dos editores mais
antigos continham geralmente versões incompletas: é evidente que Beda tinha
acesso à "Enciclopédia", de Plínio, mas numa versão que não tinha o livro
XVIII, que ele certamente teria citado em sua "De temporum
ratione"[97][i]
· Obras sobre o Antigo
Testamento
Entre as obras
sobre o Antigo Testamento estão "Comentário sobre Samuel",[98]
"Comentário sobre o Gênesis",[99]
"Comentário sobre Esdras e Neemias",
"Sobre o Templo" e "Sobre o Tabernáculo",[100]
"Comentário sobre Tobias", "Comentário sobre os Provérbios",[101]
"Comentário sobre o Cântico dos Cânticos" e "Comentário
sobre o Cântico de Habacuque"
(3.º
capítulo de Habacuque).[102]
As obras sobre Esdras, o tabernáculo e o templo foram bastante influenciadas
pelas obras de Gregório Magno[103]
· Obras sobre o Novo
Testamento
Entre as obras
sobre o Novo Testamento estão "Comentário sobre o Apocalipse",[104]
"Comentário sobre as Epístolas Católicas",[105]
"Comentário sobre os Atos", "Reconsideração sobre o Livro
dos Atos",[106]
"Sobre o Evangelho de Marcos", "Sobre o Evangelho de Lucas" e "Homilias sobre
os Evangelhos".[107]
Quando morreu, estava trabalhando numa tradução do Evangelho de São João para o inglês.[108]
Obras sobre a cronologia histórica e astronômica
"Sobre o
Tempo" ("De temporibus"), escrita por volta de 703, provê
uma introdução aos princípios do computus,
a metodologia de cálculo da data
da Páscoa.[109]
Baseada em parte nas "Etimologias" de Isidoro de Sevilha, Beda incluiu também uma
cronologia do mundo que derivou da obra de Eusébio, com algumas revisões
baseadas na tradução de Jerônimo da Bíblia (a Vulgata).
Por volta de 723,[4]
Beda escreveu uma obra mais longa sobre o tema, "Sobre a Contagem do
Tempo", que foi muito influente por toda a Idade Média.[110]
"Sobre a
Contagem do Tempo" (De temporum ratione)
inclui uma introdução às visões tradicionais dos antigos
e dos autores medievais até a época de Beda sobre o cosmos, incluindo
uma explicação sobre como a terra
esférica influencia a mudança na duração do dia, de como o movimento do Sol e da Lua
durante as estações do ano influenciam o aparecimento da lua nova no
crepúsculo e uma relação quantitativa entre as mudanças das marés num
determinado lugar e o movimento diário da Lua.[111]
Como o foco do livro era o computus, Beda deu instruções sobre como
calcular a data da Páscoa e sobre como acertar a data da lua cheia pascal calculando o
movimento do Sol e da Lua através do zodíaco,
além de muitos outros cálculos relacionados ao calendário. Ele também provê
informações sobre os meses do calendário anglo-saxão no capítulo XV.[112]
Para ajudar em
seus cálculos sobre o calendário, Beda calculou também a idade do mundo desde a criação, que
ele datou como sendo
Suas obras foram
tão influentes que no final do séc. IX, Notker,
o Gago, um monge na Abadia de São Galo, na moderna Suíça, escreveu:
"Deus, o ordenador de
naturezas, que elevou o Sol no oriente no quarto dia da Criação, no sexto dia
do mundo fez Beda se erguer no ocidente como o novo Sol para iluminar toda a
Terra" - Notker, o Gago[115].
Obras educacionais
Beda escreveu
algumas obras destinadas a ajudar no ensino da gramática na escola da abadia.
Uma delas era "De arte metrica", uma discussão sobre a
composição do verso latino, baseada em obras de gramáticos anteriores como "De
pedibus", de Élio Donato, e "De finalibus", de Sérvio, por exemplo, com a ajuda de exemplos
retirados da obra de Virgílio. Ela se tornou o livro-texto padrão para o ensino
do verso latino por muitos séc.s. Beda dedicou o trabalho a Cuteberto, que
aparentemente era um estudante, pois é chamado de "querido filho"
na dedicatória, que continua "Trabalhei para educá-lo nas letras
divinas e nos estatutos eclesiásticos".[116]
Outro importante livro educacional de Beda é "De orthographia",
uma obra sobre ortografia destinada a ajudar o leitor medieval de latim com
abreviações ou palavras pouco familiares das obras latinas clássicas. Embora
possa ter servido como livro-texto, era principalmente um guia de referência.
Não se conhece a data da composição de nenhuma das duas obras.[117]
Uma terceira
obra nesta categoria é "De schematibus et tropis sacrae
scripturae", que discute o uso da retórica na Bíblia. Beda conhecia
autores pagãos (como Virgílio), mas não se considerava apropriado na época
ensinar gramática bíblica a partir destas obras e em "De
schematibus" Beda argumenta a favor da superioridade dos textos
cristãos para o correto entendimento da literatura cristã.[j] De
maneira similar, seu texto sobre métrica poética utilizava apenas poesia cristã
nos exemplos.[4]
Poesia vernacular
De acordo com
Cuteberto, o discípulo que escreveu sua biografia, Beda era também "letrado
em nossas canções" ("doctus in nostris carminibus").
A carta que ele escreveu contando sobre a morte de Beda (conhecida como "Epistola
Cuthberti de obitu Bedae") indica, de acordo com o consenso geralmente
aceito entre os acadêmicos, que Beda também compôs um poema no vernáculo
com cinco linhas conhecido atualmente como "Canto de Morte de Beda"
(em inglês: "Bede's Death Song"). Segundo a carta, "E
ele costumava repetir aquela frase de São
Paulo, «Horrenda coisa é cair nas mãos do Deus vivo.» (Hebreus 10:31)
e muitos outros versículos das escrituras, urgindo-nos assim a acordarmos do
sono da alma pensando na época propícia da nossa última hora. E, em nossa
língua - pois ele conhecia a poesia inglesa -, falando sobre o horror da alma
de deixar o corpo" (em tradução livre):
Ao
enfrentar a fatídica jornada, homem nenhum pode ser
Mais prudente do que seu melhor
julgamento,
Se ele pondera, antes de seguir para lá,
O que será de seu espírito, bom ou mau destino
Depois do dia de sua morte será determinado.
Fore
ðæm nedfere nænig wiorðe
ðonc snottora ðon him ðearf siæ
to ymbhycgenne ær his hinionge
hwæt his gastæ godes oððe yfles
æfter deað dæge doemed wiorðe.:[118]
Como lembra
Opland, porém, não é totalmente claro se Cuteberto está atribuindo o poema a
Beda: a maior parte dos manuscritos da carta não utiliza um verbo finito para descrever a
apresentação dele por Beda e o tema era relativamente comum na literatura inglesa
antiga e anglo-latina. O simples fato de a descrição de Cuteberto colocar a
declamação de um poema em inglês antigo no contexto de uma série de citações
das Escrituras sobre a morte pode ser considerado como evidência de que Beda
estaria simplesmente citando textos vernáculos de mesmo tema.[119]
Por outro lado, a inclusão de um texto em inglês antigo na carta em latim de
Cuteberto, a observação de que Beda era "letrado em nossas
canções" e o fato de que Beda compôs um poema em latim sobre o mesmo
tema são todas evidências a favor da tese de que ele teria de fato composto o
poema. Ao citar o poema diretamente, Cuteberto parece implicar que a escolha
das palavras era particularmente importante, seja porque era um poema vernáculo
endossado por um acadêmico que evidentemente não gostava de diversões seculares[120]
ou porque era uma citação direta da última composição original de Beda.[121]
Veneração
Não há
evidências de cultos em homenagem a Beda na Inglaterra no séc. VIII, mas o
motivo pode ser o fato de ele ter morrido no mesmo dia que Agostinho de Cantuária. Posteriormente,
quando é certo que ele já era venerado, sua festa ou era comemorada depois da
de Agostinho, em 26 de maio, ou no dia seguinte. Porém, Beda era venerado fora
da Inglaterra, principalmente por causa dos esforços de Bonifácio e Alcuíno.
O primeiro escreveu repetidas vezes para sua terra natal na Inglaterra requisitando
cópias das obras teológicas de Beda. Alcuíno, que foi estudante na escola
fundada em Iorque
pelo pupilo de Beda, Egberto, elogiava-o como um exemplo a ser seguido
pelos monges e foi instrumental em divulgar as obras dele entre seu grande
círculo de amigos.[122]
O culto de Beda tornou-se proeminente na Inglaterra durante o renascimento do monasticismo
no séc. X e, no séc. XIV, já havia se espalhado para diversas catedrais. Vulstano, bispo de Worcester (c. 1008-1095), era
particularmente devoto de Beda, dedicando uma igreja a ele em 1062, seu
primeiro ato após ser consagrado bispo.[123]
O corpo de Beda
foi transferido de Jarrow para a Catedral de Durham por volta de 1020 e lá foi
depositado na mesma tumba que São Cuteberto de Lindisfarena. Em
1370, os restos de Beda foram novamente movidos, na mesma catedral, para a
"Capela Galileia". O santuário foi destruído durante a "Reforma
inglesa", mas seus ossos foram reenterrados no mesmo local. Em 1831,
eles foram novamente escavados e sepultados na tumba que se pode ver na
catedral ainda hoje.[124]
Porém, a Catedral de Iorque e a Abadia de Glastonbury[7]
e Fulda[125]
alegam abrigar relíquias do santo.
A importância de
Beda para o catolicismo foi reconhecida em 1899 quando ele foi proclamado Doutor
da Igreja,[4]
o único inglês a receber a honraria.[81]
Ele é também o único inglês citado no Paraíso de Dante
(X.130), mencionado entre teólogos e doutores da igreja no mesmo canto que Isidoro de Sevilha e Ricardo de São Vítor. Sua festa foi incluída
no Calendário Geral Romano
em 1899 para ser celebrada em 27 de maio e não no dia de sua morte, o dia
anterior, que já era a festa, na época, de São Gregório VII. Atualmente, ele é venerado na Igreja Católica e na Comunhão Anglicana, com festa em 25 de maio,[81]
e na Igreja Ortodoxa, em 27 de maio.[126]
Notas
[a] ^ As palavras exatas
de Beda foram "Ex quo tempore accepti presbyteratus usque ad annum
aetatis meae LVIIII ..."; o que significa "Desde quando
me tornei um padre até os 59 de minha vida assumi o propósito ... de criar
pequenos resumos das obras dos veneráveis pais da igreja sobre as sagradas Escrituras ...".[127][18] Outras
interpretações deste trecho, menos plausíveis, já foram sugeridas - por
exemplo, que ela indicaria que Beda deixou de escrever sobre as Escrituras
quando tinha 59 anos.[128]
[b] ^ Que não deve ser
confundido com o São Cuteberto sobre quem Beda
escreveu no livro IV de sua "História Eclesiástica".
[c] ^ É provável que
este Cuteberto seja o mesmo que depois foi abade em
Monkwearmouth-Jarrow, mas não se sabe ao certo.[5]
[d] ^ Isidoro
de Sevilha,
lista seis ordens abaixo de diácono, mas isto não implica necessariamente que
elas existiam em Monkwearmouth.[18]
[e] ^ Umas poucas
páginas de outra cópia estão no Museu
Britânico.[129]
[f] ^ A frase chave é "per
linguae curationem", que é traduzida como "como sua língua foi
curada", "[um] câncer na língua" ou, sempre seguindo
as variadas interpretações de "curationem", "o guia da
minha língua"[23]
[g] ^ Uma tradução para
inglês da carta está
[h] ^ O relato de
Cuteberto não deixa claro se Beda morreu antes ou depois da meia-noite. Porém,
na época, a mudança do dia anterior para o novo dia ocorria no pôr-do-sol e não
à meia-noite, e Cuteberto não deixa dúvidas de que ele morreu depois dele. Assim,
apesar de seu baú ter-lhe sido levado às 3 horas da tarde de quarta do dia 25,
quando ele terminou seu ditado já se passavam as primeiras horas da quinta, dia
26.[131]
[i] ^ Laistner apresenta
uma lista de obras que certamente ou possivelmente estavam na biblioteca de
Beda.[132]
[j] ^ Colgrave cita o
exemplo de Desidério
de Vienne,
que foi admoestado por Gregório Magno por utilizar autores "pagãos"
em suas aulas.[4]
[k] ^ Beda ficou
conhecido como "Venerável Beda" (em latim: Beda Venerabilis)
já no séc. IX,[133] mas o epíteto não estava ligado
ao fato de ele ser considerado para uma eventual canonização pela Igreja Católica
(vide venerável). De acordo com a
lenda, o epíteto foi dado milagrosamente por anjos para completar seu epitáfio, que estava
incompleto.[134] Ele foi utilizado
pela primeira vez no séc. IX, quando Beda foi incluído num grupo de outras
pessoas chamadas de "veneráveis" em dois concílios realizados em Aquisgrano (ou Aachen
ou Aix-la-Chapelle, a capital do Império
Carolíngio)
em 816 e 836. Paulo,
o Diácono,
passou então a só chamá-lo de "venerável", um costume que, no séc. XI
e XII, já era regra. É fato, porém, que não existem relatos de Beda sendo
chamado assim perto da época de sua morte.[5]
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Ligações externas
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