GREGÓRIO DE NISSA (330 - 395)
Gregório de Nissa (Cesareia,
Capadócia:
330-395): Teólogo, místico e escritor cristão. Padre da Igreja e irmão de Basílio Magno, faz parte, com
este e com Gregório
Nazianzeno, dos assim denominados padres
capadócios. É neto de Santa
Macrina Maior, filho de Basílio, o
Velho e irmão de Santa
Macrina, a Jovem.
Esboço biográfico
Educado
pelo seu irmão mais velho, Basílio Magno, Gregório de Níssa. Influenciado pelos
trabalhos de Orígenes e Platão, foi professor de retórica. Havia sido casado com Teosebeia.
Desiludido com a função de professor, tornou-se padre e eremita,
sendo que sua mãe e uma irmã já haviam abraçado a vida monástica. Após um período em que se dedicou à vida
espiritual em Neocesareia,
foi consagrado bispo de Nissa, na
Capadócia - actual Turquia - em
371 e depois arcebispo de Sebaste. Personalidade
benevolente e compassiva, foi violentamente atacado pelos adeptos do arianismo. Esteve preso por ordem
de Demóstenes, governador do Ponto; escapou e foi deposto de
sua sé episcopal,
por se recusar a entrar em contendas que em pouco abonavam à caridade cristã.
Depois da morte do imperador Valente,
adepto desta corrente cristã herética, reassumiu o cargo em 378. Participou
activamente no 1.º Concílio de Constantinopla, realizado em 381. Combateu a
heresia meleciana.
A obra teológica
Gregório
de Nissa é, dos padres capadócios, o mais versátil e o que teve mais êxito. Os
seus escritos revelam uma grande profundidade de pensamento. Contudo, apesar de
mostrar influências da retórica, o seu estilo é muitas vezes pesado e
sobrecarregado.
De
entre as suas obras devem ser realçadas: "A Grande Catequese";
"Diálogo com Macrina sobre a Alma e a Imortalidade"; "Sobre
a Virgindade"; "Sobre a Criação do Homem"; "Comentário
ao Cântico dos Cânticos e às oito bem-aventuranças"; "Sobre o
amor dos Pobres"; "Sobre a Divindade do Filho e do Espírito
Santo"; "A Vida de Moisés".
Traços de um pensamento
Gregório
de Nissa é superior aos outros padres
capadócios no que se refere à teologia especulativa e à mística. Depois de Orígenes, é o 1.º a fazer uma
exposição orgânica e sistemática da fé.
Teologia e filosofia
“
A Solicitude amorosa de Deus: Doente, nossa natureza precisava ser curada;
decaída, ser reerguida; morta, ser ressuscitada. Havíamos perdido a posse do
bem, era preciso no-la restituir. Enclausurados nas trevas, era preciso
trazer-nos à luz; cativos, esperávamos um salvador; prisioneiros, um socorro;
escravos, um libertador. Essas razões eram sem importância? Não eram tais que
comoveriam a Deus a ponto de fazê-lo descer até nossa natureza humana para
visitá-la, uma vez que a humanidade se encontrava em um estado tão miserável e
tão infeliz?.” — Grande
Catequese 15
Gregório
de Nissa foi, no séc. IV,
aquele que mais utilizou a filosofia
nas suas reflexões. Tal como Orígenes, critica a esterilidade da filosofia pagã, mas advoga um discreto uso dela, ao serviço
da teologia cristã, a fim de
resgatar a sabedoria pagã (a que reconhece a existência), e dar-lhe um fim
elevado. Considera que a filosofia não pode ser independente ou absoluta, pois
deve harmonizar-se com a Escritura.
Gregório
de Nissa recorre muito a filósofos pagãos, mas mantendo sempre uma atitude
cristã. Foi influenciado sobretudo por Platão, pelo neoplatonismo e também por
elementos estóicos. Era convicção sua que
devia utilizar a razão para
procurar demonstrar os mistérios da Revelação.
Contudo, na impossibilidade de o fazer, considerava que a fé havia que ser
transmitida tal como fora recebida.
A Trindade
Para
explicar este mistério, Gregório de Nissa recorre a Platão, enveredando por uma
explicação demasiado realista: compara a natureza divina à humana, referindo
que ao dizermos “homem” queremos referir a natureza humana, de modo que não
poderemos dizer “três homens”. Com isto, mostra admitir a ideia platónica de
que há uma só essência para muitos indivíduos, confundindo o abstracto com o
concreto. Para explicar a Trindade,
defende que a ideia universal é algo real.
A
distinção das pessoas divinas dá-se somente nas suas relações imanentes. A
acção externa é una e comum às três pessoas. A distinção dá-se no imanente,
entre o que gera e o que é gerado. O Espírito Santo procede do Pai através do Filho, contudo, o Espírito de
Deus é também Espírito do Filho. Gregório de Nissa vai mais além do que os
outros no aprofundamento das relações entre o Espírito Santo e Cristo.
Cristologia
Gregório
de Nissa apresenta uma nítida distinção entre as duas naturezas de Cristo. Não existe confusão
quando consideramos cada uma delas em si mesma. Assim, nem a carne existe desde
sempre, nem o Verbo começou a existir no fim dos tempos. Em relação aos
restantes atributos de Cristo, conserva-se esta distinção, podendo uns ser
atribuídos à sua natureza humana e outros à sua natureza divina. No entanto,
Gregório de Nissa admite totalmente a communicatio idiomatum: por causa
da união, os atributos próprios de cada uma das naturezas pertencem a ambas.
As
duas naturezas continuam distintas mesmo após a exaltação de Cristo. Mas,
apesar destas duas naturezas, existe em Cristo uma só pessoa.
Mariologia
Gregório
de Nissa, como vimos, defende a realidade da natureza humana e divina de
Cristo. Ora, o Filho de Deus tomou a natureza humana a partir da Virgem Maria. Assim, ela pode com
propriedade ser chamada Mãe de Deus
(Theotokos).
Gregório
de Nissa defende ainda a virgindade
de Maria, mesmo durante o parto, dizendo que nem o nascimento destruiu a
virgindade, nem a virgindade impediu o nascimento.
Antropologia
A
antropologia de Gregório de Nissa
caracteriza-se pela descrição do Homem como o
ponto de convergência da natureza e do espírito. Criado e plasmado à semelhança
de Deus, o Homem é um ser privilegiado pois foi dotado pelo Criador, por Deus,
de todos os bens. Criado para ser participante, pela Graça, da divindade, é dotado de livre arbítrio que, ao mesmo
tempo, o dota de uma certa inconstância. Por o livre arbítrio ser criado, é
igualmente propenso para a mutabilidade, isto é, para a possibilidade de fazer
o Homem escolher o bem ou o mal ("A Grande Catequese" 6, 28 C). Para Gregório o mal é, precisamente, esta escolha livre de optar contra Deus:
não é "algo", mas a inexistência de algo que deveria existir, a saber,
a decisão por Deus ("A Grande Catequese" 5, 24 C). Este estado não é,
porém, irreversível, pois - como aduz continuamente ao longo da sua Teologia -, segundo a Biblia todo o Homem foi chamado a
uma Nova Vida em Jesus Cristo
que o pode levar, ao cooperar com os dons deste, à restauração da semelhança
com Deus perdida pelo pecado. Para Gregório, Jesus só pôde salvar o Homem na
medida em que, como atestam incoativa, mas inequivocamente, os textos bíblicos,
era «verdadeiramente Homem e verdadeiramente Deus», pois «aquilo que
Deus não assumiu, não redimiu».
Escatologia
Gregório
de Nissa, neste ponto, mostra-se bastante fiel a Orígenes. Contudo, diferencia-se
dele nalgumas doutrinas: nega ideias como a da pré-existência ou transmigração
das almas, e ainda que a sua união ao
corpo se deva a um castigo pelo pecado. Partilha com Orígenes, porém, a
doutrina da apocatástase.
Para S. Gregório, as penas infernais
nunca poderão ser eternas, mas apenas temporárias, e têm um sentido de
purificação. Apesar de ameaçar, nos seus escritos, os pecadores com o fogo
eterno, tal expressão tem para ele o significado dum longo período de tempo,
pois não pode conceber uma separação definitiva entre Deus e as suas criaturas. No fim dos tempos, virá a
restauração completa, em que
Deus será tudo em todos, e essa será a conclusão de toda a
história da salvação (enquanto para Orígenes era apenas um fim dum ciclo,
devendo repetir-se tudo de novo)
Misticismo
A
teologia mística é, em Gregório de Nissa,
um dos pontos cimeiros. Ultimamente, foi dada a importância devida a esta
dimensão da sua obra, reconhecendo-se o seu contributo para a mística cristã e
a sua influência, direta ou indireta, em muitos teólogos místicos posteriores.
A imagem de Deus no homem
À
semelhança de variados filósofos, S. Gregório concebe o homem como um microcosmos: ele exibe em si, na devida
proporcionalidade, a mesma ordem que encontramos no universo. Contudo, a sua maior
grandeza está, não em ser à imagem do universo, mas sim à imagem de Deus. O
homem é ícone de Deus, devido aos dons
com que a sua alma está dotada: razão, livre arbítrio e virtude. Por isso, o homem é
superior a todas as criaturas do mundo, porque nenhuma, senão ele, foi feita à
imagem de Deus.
Intuição de Deus
A
semelhança com Deus permite ao homem conhecê-Lo, pois, como diziam os antigos
(e S. Gregório partilha a ideia), o “semelhante é conhecido pelo semelhante”. A
imagem de Deus que existe em cada homem supera todas as insuficiências da sua
humana fragilidade e permite alcançar a visão mística de Deus.
“A
divindade é pureza, ausência de toda a paixão e separação de todo o mal. Se em
ti existe tudo isto, Deus está efectivamente em ti. Por conseguinte, se o
teu pensamento não tem mistura de mal e está livre de toda a paixão e livre de
mancha, és feliz pela tua clarividência, pois, por estares purificado, podes
perceber o que é invisível para os que não estão purificados” (6º sermão
sobre as bem-aventuranças)
Esta
visão mística é antecipação da visão beatífica, “uma divina e sóbria embriaguez”, graça que
só pode ser dada a quem estiver disposto a uma purificação total, a fim de
encontrar Deus dentro de si.
A ascensão mística
A
partir de tudo isto, é possível ao homem subir ao Céu, para junto de Deus. Ao tornar-se semelhante a Deus, pela
prática das virtudes, o homem passa automaticamente à vida celeste, pois o Céu
não é um lugar físico. A escolha do bem comporta de imediato a posse do mesmo
bem; ao escolher Deus, o homem tem Deus consigo. E se tem Deus consigo, está em
Deus, onde Deus está. O convite divino é a passarmos para outro lugar.
Bibliografia
·
QUASTEN,
Johannes. Patrología, Madrid: BAC, 1962
·
SPINELLI,
Miguel. O 'platonismo' de Gregório de Nissa e o despertar da mentalidade
medieval. In: SPINELLI, M.. Helenização e Recriação de Sentidos. A
Filosofia na época da expansão do Cristianismo - Séc.s, II, III e IV. Porto
Alegre: Edipucrs, 2002, pp. 329–350.
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