quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

GREGÓRIO DE NISSA (330 - 395)



GREGÓRIO DE NISSA (330 - 395)

Gregório de Nissa (Cesareia, Capadócia: 330-395): Teólogo, místico e escritor cristão. Padre da Igreja e irmão de Basílio Magno, faz parte, com este e com Gregório Nazianzeno, dos assim denominados padres capadócios. É neto de Santa Macrina Maior, filho de Basílio, o Velho e irmão de Santa Macrina, a Jovem

Esboço biográfico

Educado pelo seu irmão mais velho, Basílio Magno, Gregório de Níssa. Influenciado pelos trabalhos de Orígenes e Platão, foi professor de retórica. Havia sido casado com Teosebeia. Desiludido com a função de professor, tornou-se padre e eremita, sendo que sua mãe e uma irmã já haviam abraçado a vida monástica. Após um período em que se dedicou à vida espiritual em Neocesareia, foi consagrado bispo de Nissa, na Capadócia - actual Turquia - em 371 e depois arcebispo de Sebaste. Personalidade benevolente e compassiva, foi violentamente atacado pelos adeptos do arianismo. Esteve preso por ordem de Demóstenes, governador do Ponto; escapou e foi deposto de sua sé episcopal, por se recusar a entrar em contendas que em pouco abonavam à caridade cristã. Depois da morte do imperador Valente, adepto desta corrente cristã herética, reassumiu o cargo em 378. Participou activamente no 1.º Concílio de Constantinopla, realizado em 381. Combateu a heresia meleciana.

A obra teológica

Gregório de Nissa é, dos padres capadócios, o mais versátil e o que teve mais êxito. Os seus escritos revelam uma grande profundidade de pensamento. Contudo, apesar de mostrar influências da retórica, o seu estilo é muitas vezes pesado e sobrecarregado.
De entre as suas obras devem ser realçadas: "A Grande Catequese"; "Diálogo com Macrina sobre a Alma e a Imortalidade"; "Sobre a Virgindade"; "Sobre a Criação do Homem"; "Comentário ao Cântico dos Cânticos e às oito bem-aventuranças"; "Sobre o amor dos Pobres"; "Sobre a Divindade do Filho e do Espírito Santo"; "A Vida de Moisés".

Traços de um pensamento

Gregório de Nissa é superior aos outros padres capadócios no que se refere à teologia especulativa e à mística. Depois de Orígenes, é o 1.º a fazer uma exposição orgânica e sistemática da .

Teologia e filosofia

“ A Solicitude amorosa de Deus: Doente, nossa natureza precisava ser curada; decaída, ser reerguida; morta, ser ressuscitada. Havíamos perdido a posse do bem, era preciso no-la restituir. Enclausurados nas trevas, era preciso trazer-nos à luz; cativos, esperávamos um salvador; prisioneiros, um socorro; escravos, um libertador. Essas razões eram sem importância? Não eram tais que comoveriam a Deus a ponto de fazê-lo descer até nossa natureza humana para visitá-la, uma vez que a humanidade se encontrava em um estado tão miserável e tão infeliz?.Grande Catequese 15

Gregório de Nissa foi, no séc. IV, aquele que mais utilizou a filosofia nas suas reflexões. Tal como Orígenes, critica a esterilidade da filosofia pagã, mas advoga um discreto uso dela, ao serviço da teologia cristã, a fim de resgatar a sabedoria pagã (a que reconhece a existência), e dar-lhe um fim elevado. Considera que a filosofia não pode ser independente ou absoluta, pois deve harmonizar-se com a Escritura.

Gregório de Nissa recorre muito a filósofos pagãos, mas mantendo sempre uma atitude cristã. Foi influenciado sobretudo por Platão, pelo neoplatonismo e também por elementos estóicos. Era convicção sua que devia utilizar a razão para procurar demonstrar os mistérios da Revelação. Contudo, na impossibilidade de o fazer, considerava que a fé havia que ser transmitida tal como fora recebida.

A Trindade

Para explicar este mistério, Gregório de Nissa recorre a Platão, enveredando por uma explicação demasiado realista: compara a natureza divina à humana, referindo que ao dizermos “homem” queremos referir a natureza humana, de modo que não poderemos dizer “três homens”. Com isto, mostra admitir a ideia platónica de que há uma só essência para muitos indivíduos, confundindo o abstracto com o concreto. Para explicar a Trindade, defende que a ideia universal é algo real.

A distinção das pessoas divinas dá-se somente nas suas relações imanentes. A acção externa é una e comum às três pessoas. A distinção dá-se no imanente, entre o que gera e o que é gerado. O Espírito Santo procede do Pai através do Filho, contudo, o Espírito de Deus é também Espírito do Filho. Gregório de Nissa vai mais além do que os outros no aprofundamento das relações entre o Espírito Santo e Cristo.

Cristologia

Gregório de Nissa apresenta uma nítida distinção entre as duas naturezas de Cristo. Não existe confusão quando consideramos cada uma delas em si mesma. Assim, nem a carne existe desde sempre, nem o Verbo começou a existir no fim dos tempos. Em relação aos restantes atributos de Cristo, conserva-se esta distinção, podendo uns ser atribuídos à sua natureza humana e outros à sua natureza divina. No entanto, Gregório de Nissa admite totalmente a communicatio idiomatum: por causa da união, os atributos próprios de cada uma das naturezas pertencem a ambas.

As duas naturezas continuam distintas mesmo após a exaltação de Cristo. Mas, apesar destas duas naturezas, existe em Cristo uma só pessoa.

Mariologia

Gregório de Nissa, como vimos, defende a realidade da natureza humana e divina de Cristo. Ora, o Filho de Deus tomou a natureza humana a partir da Virgem Maria. Assim, ela pode com propriedade ser chamada Mãe de Deus (Theotokos).

Gregório de Nissa defende ainda a virgindade de Maria, mesmo durante o parto, dizendo que nem o nascimento destruiu a virgindade, nem a virgindade impediu o nascimento.

Antropologia

A antropologia de Gregório de Nissa caracteriza-se pela descrição do Homem como o ponto de convergência da natureza e do espírito. Criado e plasmado à semelhança de Deus, o Homem é um ser privilegiado pois foi dotado pelo Criador, por Deus, de todos os bens. Criado para ser participante, pela Graça, da divindade, é dotado de livre arbítrio que, ao mesmo tempo, o dota de uma certa inconstância. Por o livre arbítrio ser criado, é igualmente propenso para a mutabilidade, isto é, para a possibilidade de fazer o Homem escolher o bem ou o mal ("A Grande Catequese" 6, 28 C). Para Gregório o mal é, precisamente, esta escolha livre de optar contra Deus: não é "algo", mas a inexistência de algo que deveria existir, a saber, a decisão por Deus ("A Grande Catequese" 5, 24 C). Este estado não é, porém, irreversível, pois - como aduz continuamente ao longo da sua Teologia -, segundo a Biblia todo o Homem foi chamado a uma Nova Vida em Jesus Cristo que o pode levar, ao cooperar com os dons deste, à restauração da semelhança com Deus perdida pelo pecado. Para Gregório, Jesus só pôde salvar o Homem na medida em que, como atestam incoativa, mas inequivocamente, os textos bíblicos, era «verdadeiramente Homem e verdadeiramente Deus», pois «aquilo que Deus não assumiu, não redimiu».

Escatologia

Gregório de Nissa, neste ponto, mostra-se bastante fiel a Orígenes. Contudo, diferencia-se dele nalgumas doutrinas: nega ideias como a da pré-existência ou transmigração das almas, e ainda que a sua união ao corpo se deva a um castigo pelo pecado. Partilha com Orígenes, porém, a doutrina da apocatástase. Para S. Gregório, as penas infernais nunca poderão ser eternas, mas apenas temporárias, e têm um sentido de purificação. Apesar de ameaçar, nos seus escritos, os pecadores com o fogo eterno, tal expressão tem para ele o significado dum longo período de tempo, pois não pode conceber uma separação definitiva entre Deus e as suas criaturas. No fim dos tempos, virá a restauração completa, em que Deus será tudo em todos, e essa será a conclusão de toda a história da salvação (enquanto para Orígenes era apenas um fim dum ciclo, devendo repetir-se tudo de novo)

Misticismo

A teologia mística é, em Gregório de Nissa, um dos pontos cimeiros. Ultimamente, foi dada a importância devida a esta dimensão da sua obra, reconhecendo-se o seu contributo para a mística cristã e a sua influência, direta ou indireta, em muitos teólogos místicos posteriores.

A imagem de Deus no homem

À semelhança de variados filósofos, S. Gregório concebe o homem como um microcosmos: ele exibe em si, na devida proporcionalidade, a mesma ordem que encontramos no universo. Contudo, a sua maior grandeza está, não em ser à imagem do universo, mas sim à imagem de Deus. O homem é ícone de Deus, devido aos dons com que a sua alma está dotada: razão, livre arbítrio e virtude. Por isso, o homem é superior a todas as criaturas do mundo, porque nenhuma, senão ele, foi feita à imagem de Deus.

Intuição de Deus

A semelhança com Deus permite ao homem conhecê-Lo, pois, como diziam os antigos (e S. Gregório partilha a ideia), o “semelhante é conhecido pelo semelhante”. A imagem de Deus que existe em cada homem supera todas as insuficiências da sua humana fragilidade e permite alcançar a visão mística de Deus.

“A divindade é pureza, ausência de toda a paixão e separação de todo o mal. Se em ti existe tudo isto, Deus está efectivamente em ti. Por conseguinte, se o teu pensamento não tem mistura de mal e está livre de toda a paixão e livre de mancha, és feliz pela tua clarividência, pois, por estares purificado, podes perceber o que é invisível para os que não estão purificados” (6º sermão sobre as bem-aventuranças)

Esta visão mística é antecipação da visão beatífica, “uma divina e sóbria embriaguez”, graça que só pode ser dada a quem estiver disposto a uma purificação total, a fim de encontrar Deus dentro de si.

A ascensão mística

A partir de tudo isto, é possível ao homem subir ao Céu, para junto de Deus. Ao tornar-se semelhante a Deus, pela prática das virtudes, o homem passa automaticamente à vida celeste, pois o Céu não é um lugar físico. A escolha do bem comporta de imediato a posse do mesmo bem; ao escolher Deus, o homem tem Deus consigo. E se tem Deus consigo, está em Deus, onde Deus está. O convite divino é a passarmos para outro lugar.

Bibliografia

·         QUASTEN, Johannes. Patrología, Madrid: BAC, 1962
·         SPINELLI, Miguel. O 'platonismo' de Gregório de Nissa e o despertar da mentalidade medieval. In: SPINELLI, M.. Helenização e Recriação de Sentidos. A Filosofia na época da expansão do Cristianismo - Séc.s, II, III e IV. Porto Alegre: Edipucrs, 2002, pp. 329–350.

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