TÁCITO (Cornelius Tacitus) (55 - 120)
Públio Cornélio Tácito ou Caio
Cornélio Tácito (lat.: Publius/Gaius Cornelius Tacitus; c. 56 – c. 117) foi um senador e historiador
romano. As porções sobreviventes de suas 2 maiores obras - "Anais"
e "Histórias" -
tratam dos reinados dos imperadores Tibério, Cláudio, Nero e os imperadores do ano
dos 4 imperadores (69), um período de tempo que se estende da morte
de Augusto, em 14, até a 1.ª
guerra romano-judaica em 70. Há muitas lacunas nos textos, incluindo
uma em "Anais" que corresponde a 4 livros inteiros.
As
outras obras de Tácito discutem oratória (no formato de diálogo, "Diálogo dos Oradores"), a Germânia (em De origine et situ Germanorum) e
a vida de seu sogro, Cneu Júlio
Agrícola, o famoso general romano responsável por boa parte da conquista
romana da Britânia ("De vita et moribus Iulii Agricolae").
Tácito
é considerado um dos grandes historiadores romanos [1][2], um dos grandes
representantes da Idade da Prata da literatura latina, e é conhecido tanto por
sua concisão e pela forma compacta de sua prosa em latim quanto pelos seus
penetrantes insights sobre os jogos de poder na política romana de sua
época.
Os
"Anais" são um dos 1.ºs registros históricos seculares a mencionarem Jesus Cristo, que Tácito menciona
em relação às perseguições
aos cristãos de Nero — veja Tácito e
os cristãos.
Vida
Detalhes
sobre sua vida pessoal são escassos. O pouco que se sabe é inferido a partir de
pistas espalhadas por toda a sua obra, das cartas de seu amigo e admirador Plínio, o
Jovem, e de uma inscrição encontrada em Milasa,
na Cária [3].
Nasceu
entre 56 ou 57 em uma família equestre [nota 1] em alguma das
províncias do norte da
Itália ou na Gália
Narbonense. O local exato e a data do nascimento são desconhecidos e
até mesmo o seu praenomen
(1.º nome) é incerto; nas cartas de Sidônio
Apolinário, é "Caio" (Gaius), mas no maior manuscrito
sobrevivente de sua obra o seu nome é "Públio" (Publius). Uma
opinião acadêmica sugerindo "Sexto" (Sextus) não obteve
aprovação dos pares [nota 2].
Família e 1.ºs anos
A
maior parte das antigas famílias aristocráticas romanas não sobreviveu às
sucessivas proscrições
ocorridas no final da República e Tácito deixa claro que ele devia seu status
aos imperadores
flavianos [7]. A tese de que ele
seria descendente de um liberto
deriva de um discurso preservado em sua obra que afirma que muitos senadores e
equestres eram descendentes de libertos [8], mas é geralmente
disputada [9] [10].
Seu
pai pode ter sido o Cornélio Tácito que serviu como procurador da Gália Bélgica
e Germânia; Plínio, o
Velho, menciona que este Cornélio teve um filho que "envelheceu
rapidamente"[11], o que geralmente
significa que morreu jovem. Não há menção de Tácito ter sofrido uma doença
similar a esta, mas é possível que seja uma referência a um irmão se Cornélio
de fato for o seu pai [12][13][14]. A amizade entre
Plínio, o Jovem, e Tácito levou alguns estudiosos a sugerirem que eles eram
ambos filhos de ricas famílias provinciais [15].
A
província de seu nascimento permanece indeterminada, embora várias conjecturas
sugiram Gália Bélgica, Gália
Narbonense ou Gália
Cisalpina [16][17]. Seu casamento com a
filha de um senador narbonense, Cneu Júlio
Agrícola, favorece a tese de que ele veio daquela província. A
dedicação de "Dialogus" a Lúcio Fábio
Justo, por outro lado, pode indicar uma relação com a Hispânia e, finalmente, sua
amizade com Plínio sugere a Gália Cisalpina[18]. Contudo, não há
evidências de que os amigos de Plínio no norte da Itália conhecessem Tácito e
nem as cartas de Plínio sugerem que os tiveram um passado comum [19]. O próprio Plínio
(livro 9, Carta 23) relata [20] que, quando foi
perguntado se ele era italiano ou provincial, ele deu uma resposta ambígua e
recebeu de volta a pergunta se ele falava de Tácito ou dele próprio. Como
Plínio era italiano, alguns inferem, com base nisto, que ele era provavelmente
oriundo da Gália Narbonense [21] [22].
Sua
ancestralidade, sua habilidade oratória e seu tratamento simpático em relação
aos bárbaros que resistiam ao jugo
romano [23] são características
que levaram alguns a sugerirem que ele era de origem celta, os ocupantes da Gália antes da chegada dos
romanos e famosos por sua oratória[24][25].
Vida pública, casamento e carreira literária
Ainda
jovem, Tácito estudou retórica [26] em Roma para se
preparar para uma carreira em direito e na política. Como Plínio, é possível
que também tenha estudado com Quintiliano [27] [28]. Em 77 ou 78, Tácito
se casou com Júlia Agrícola, filha do famoso general Cneu Júlio
Agrícola [29]. Pouco se sabe da vida
doméstica do casal, exceto que Tácito adorava caçar e o campo[30] [31] [32]. Sua carreira começou
depois que ele foi admitido no Senado Romano (adlectio) 33] [34] por Vespasiano [35] e seu 1.º cargo foi o
de questor em 81 ou 82, no reinado
de Tito
[35]. Como esperado, Tácito
avançou gradualmente pelo cursus honorum, tornando-se pretor em 88; na mesma época, foi
admitido entre os quindecênviro dos fatos sagrados, um dos mais prestigiosos colégios
sacerdotais de Roma [nota 3]. Além disto,
Tácito também foi ganhando fama como advogado e orador.
Depois
do pretorado, Tácito serviu nas províncias entre 89 e 93, seja como tribuno de uma legião ou num posto civil [nota 4] [40] [41] [42] [43] [44]. Tácito conseguiu
sobreviver às perseguições durante o reinado de Domiciano (r. 81-96) com sua
fortuna intacta, mas a experiência o deixou exausto e possivelmente um pouco
envergonhado de sua própria cumplicidade, traços evidentes no ódio à tirania atestado em suas obras [45] [46]. Uma citação de
"Agrícola" é ilustrativa:
“Agrícola foi poupado naqueles anos finais durante os quais
Domiciano, sem deixar intervalo no tempo ou espaço para respirar, mas, como se
sabe, com um golpe contínuo drenou a energia vital do estado. [...] Não demorou
para que nossas mãos arrastassem Helvídio para a prisão, antes que observássemos o semblante
moribundo de Manrico
e Rústico,
antes que nos manchássemos no sangue inocente de Senécio. Até mesmo Nero virou os olhos e não contemplou as
atrocidades ordenadas; com Domiciano, a parte principal de nossa miséria era
ver e ser visto, saber que a nossa visão estava sendo gravada.”— Tácito, Agrícola 44-45 [47]
No
começo do reinado de Nerva (97), Tácito foi nomeado cônsul sufecto, o 1.º de sua família a chegar ao
posto. Durante seu mandato, atingiu o ápice de sua fama como orador quando
discursou no funeral do famoso general Lúcio
Vergínio Rufo [48].
No
ano seguinte, escreveu e publicou "Agrícola" e "Germânia",
os 1.ºs passos de uma carreira literária que ocuparia seus anos finais [nota 5], e anuncia sua
retirada da vida pública, que, contudo, seria retomada durante o reinado de Trajano (r. 98-117). Em 100, ele
e Plínio processaram Mário Prisco, ex-procônsul
da África, por corrupção. Ele foi considerado culpado e exilado.
Plínio escreveu poucos dias depois que Tácito havia falado "com toda
majestade que caracteriza seu estilo usual de oratória" [51].
Uma
longa ausência da política e do direito se seguiu enquanto ele escrevia
"Histórias" e "Anais". Em 112 ou 113, Tácito foi nomeado
para um dos dois mais altos disponíveis para a carreira senatorial, o de procônsul da
Ásia (o outro é o de procônsul
da África), como atesta uma inscrição encontrada em Milasa,
na Cária. Uma passagem em
"Anais" fixa 116 como terminus post quem para sua própria morte, que pode ter
sido em datas tão distantes quanto 125 ou até mesmo 130[nota 6]. Ele sobreviveu a
Plínio (m. 113) e, possivelmente, Trajano (m. 117)[16][58]
Permanece
incerto se Tácito teve filhos. A "História
Augusta"[59] menciona que o
imperador Marco
Cláudio Tácito (r. 275-276) alegava ser um descendente de Tácito e
ordenou que suas obras fossem preservadas, mas esta história pode ser mais uma
invenção do autor desta obra [nota 7]. Sidônio
Apolinário [62] relata que Polêmio,
um aristocrata galo-romano, é descendente de Tácito, mas o historiador Ronald
Syme afirma que esta alegação é pouco crível [61].
Obras
Cinco obras atribuídas a Tácito sobreviveram (com lacunas). As datas são aproximadas:- 98 – "Agrícola" (em latim: De vita Iulii Agricolae)
- 98 – "Germânia" (em latim: De origine et situ Germanorum)
- 102 – "Diálogo dos Oradores" (em latim: Dialogus de oratoribus)
- 105 – "Histórias" (em latim: Histories)
- 117 – "Anais" (em latim: Ab excessu divi Augusti)
Anais e Histórias
Os
"Anais"
e as "Histórias",
publicados separadamente, tinham como objetivo formar uma única edição com 30
livros [nota 8]. Apesar de
"Histórias" ter sido escrita antes de "Anais", os eventos
desta precedem os daquela; juntas elas forma uma narrativa que vai da morte de Augusto (14) até a morte de Domiciano (96). Apesar de a maior
parte ter se perdido, o que restou é um registro inestimável da história do
séc. I em Roma. A
1.ª metade dos "Anais" sobreviveu num único manuscrito da Abadia de Corvey e a 2.ª, num
único manuscrito da Abadia
de Monte Cassino, o que torna incrível que a obra tenha sobrevivido.
Capa de uma edição de "Germânia"
(1536)./ Capa de uma edição das obras completas de Tácito em 1598. Final do
livro 11 e começo do livro 12 de "Anais"
(séc. XI).
No
1.º capítulo de "Agrícola", Tácito afirma que queria escrever sobre
os anos de Domiciano, Nerva e Trajano. Nas
"Histórias", o escopo mudou; Tácito afirma que irá tratar dos
reinados destes dois últimos em uma obra posterior e tratou de cobrir o período
que vai da guerra civil conhecida como Ano
dos 4 imperadores até o final despótico da dinastia flaviana. Apenas os 1.ºs
quatro livros e 26 capítulos de um 5.º sobreviveram, cobrindo o ano de 69 e a
primeira parte de 70. Acredita-se que obra teria continuado até a morte de
Domiciano em 18/09/96. O 5.º livro contém — como prelúdio ao relato da supressão
da Grande
Revolta Judaica por Tito
— uma curta análise etnográfica
dos judeus antigos e é um registro
inestimável da atitude romana em relação a eles.
Tácito
escreveu pelo menos 16 livros dos "Anais", mas os livros 7 - 10 e
partes dos livros 5, 6, 11 e 16 se perderam. O livro 6 termina com a morte de Tibério e os livros 7 - 12 presumivelmente
cobriram os reinados de Calígula e Cláudio. Os livros restantes
tratam do reinado de Nero, talvez até sua morte em
junho de 68 ou até o final daquele ano como ligação com o começo de
"Histórias", mas não sabemos por que a 2.ª metade do livro 16 se
perdeu, terminando com os eventos de 66. Também não se sabe se Tácito chegou a
completar a obra. Ele certamente morreu antes de conseguir completar seu plano
de escrever sobre os reinados de Nerva e Trajano e não há registros de uma obra
sobre o reinado de Augusto ou do começo do Império Romano, que ele planejava
escrever depois. Os "Anais" são um dos 1.ºs registros históricos
seculares a mencionarem Jesus Cristo,
que Tácito menciona em relação às perseguições
aos cristãos de Nero — veja Tácito e
os cristãos.
Germânia
Ver artigo principal: Germânia
"Germânia"
(em latim: De Origine et situ Germanorum) é uma obra etnográfica sobre as tribos
germânicas que viviam fora do Império Romano e se encaixa numa
tradição etnográfica clássica que inclui autores como Heródoto e Júlio César. O livro começa
(capítulos 18 - 27) com uma descrição das terras, leis e costumes das várias
tribos. Os capítulos finais focam na descrição das próprias tribos, começando
com as que viviam mais perto do Império e terminando com uma descrição das que
viviam na costa do mar Báltico,
como os fenni.
Em "Agrícola", Tácito escreveu um texto similar, mas mais curto
(capítulos 10 - 13).
Cneu Júlio Agrícola
Ver artigo principal: Agrícola
"Agrícola"
(lat.: De vita Iulii Agricolae) é uma biografia de Cneu Júlio
Agrícola, um proeminente general romano e sogro de Tácito. A obra
cobre também, de forma breve, a geografia e a etnografia da antiga Britânia romana.
Como em "Germânia", Tácito contrasta favoravelmente a liberdade dos
nativos britanos com a tirania e a
corrupção do Império. Além disso, a obra contém também eloquentes polêmicas contra a cobiça romana,
que termina afirmando que "saquear, assassinar e usurpar com base em
mentiras, eles chamam de Império; e onde criam um deserto, eles chamam de
paz" (lat.: Auferre trucidare rapere falsis
nominibus imperium, atque ubi solitudinem faciunt, pacem appellant), um trecho de um discurso que Tácito afirma ser do
líder britano Calgaco.
Diálogo dos Oradores
Ver artigo principal: Diálogo dos Oradores
Não
há certeza de quando Tácito escreveu "Diálogo
sobre Oratória" (lat.: Dialogus de oratoribus). Muitas características do texto o diferenciam das
outras obras dele e, por isso, sua autenticidade tem sido questionada. É
provável que seja uma obra mais antiga, da época de seus estudos sobre retórica, especialmente por causa
de seu estilo, que imita principalmente o do famoso orador Cícero. Ela não tem (por exemplo)
as incongruências que são típicas de sua obra histórica mais madura. Ela foi
dedicada a Lúcio Fábio
Justo, governador da Síria e cônsul sufecto
em 102.
Fontes
Em
suas obras, Tácito utilizou as fontes oficiais do estado romano: as acta senatus (minutas das sessões do Senado) e
as acta diurna populi Romani (uma coleção de atos de governo
e notícias da corte e da capital). Ele também leu coleções de discursos dos
imperadores, como de Tibério e Cláudio. Ele é geralmente tido como um
historiador escrupuloso que tomava muito cuidado com suas fontes. As
incoerências menores em "Anais" podem ser por causa de sua morte
prematura antes do revisão final do texto.
Ele
cita algumas fontes diretamente, entre elas Clúvio
Rufo (político e historiador romano), Fábio Rústico (um historiador e amigo de Sêneca) e Plínio, o
Velho, que havia escrito "Bella Germaniae" e uma
obra histórica que era continuação do texto de Aufídio Basso (historiador do tempo de Tibério). Tácito utiliza também coleções de cartas (lat.: epistolarium)
e informações da "exitus illustrium virorum", uma coleção de
livros de pessoas consideradas adversárias dos imperadores e que tratam de
sacrifícios de mártires da liberdade, especialmente pessoas que cometeram
suicídio. Apesar de considerar sem valor a teoria estoica do suicídio, de
considerar o suicídio uma ostentação do próprio valor e uma tática
politicamente inútil, Tácito frequentemente dá bastante importância para
discursos feitos pelos que estavam prestes a se matar, como foi o caso do
historiador Crementius Cordius (morto em 25), citado em "Anais"[65].
Estilo literário
As
obras de Tácito são conhecidas por sua densa prosa que raramente minimiza os
fatos, um contraste com o estilo de alguns de seus contemporâneos, como Plutarco. Quando ele escreveu
sobre uma quase-derrota do exército
romano em "Anais"[66], ele o faz com
brevidade e sem embelezamentos desnecessários. Na maioria de suas obras, ele
mantém a ordem narrativa cronológica, raramente revelando um contexto mais
amplo e deixando que o leitor construa este contexto por si mesmo. Apesar
disto, quando o faz, por ex. nos parágrafos iniciais de "Anais",
utiliza poucas frases condensadas que levam o leitor direto ao centro da
história.
Abordagem histórica
O
estilo histórico de Tácito deve muito a Salústio. Sua historiografia oferece insights penetrantes —
geralmente pessimistas — da psicologia da política de poder, misturando
descrições de eventos, lições de moral e relatos dramáticos bem focados. Sua
própria declaração a respeito de sua abordagem histórica é bem conhecida: "meu
objetivo é relatar [...] sem nem raiva e nem zelo, motivos dos quais estou
muito distante" (lat.: "inde consilium
mihi ... tradere ... sine ira et studio, quorum causas procul habeo")[67].
Tem
havido muito debate acadêmico sobre a "neutralidade" de Tácito. Por
toda sua obra, ele se preocupa com o balanço de poder entre o Senado e os imperador
e com a crescente corrupção das classes sociais governantes de Roma conforme
elas se ajustavam com a sempre crescente riqueza e o inigualável poder do
Império. Na opinião de Tácito, os senadores desperdiçaram sua herança cultural
— a liberdade
de expressão — para aplacar os (raramente bondosos) imperadores.
Ele
notou a crescente dependência do imperador da boa vontade de seus exércitos. Os
júlio-claudianos
eventualmente cediam a seus generais, que seguiram Júlio César (e Sula e Pompeu) ao
reconhecer que o poderio militar poderia assegurar o poder político em Roma:
“Tão bem-vinda
quanto a morte de Nero havia sido numa primeira explosão de alegria, mas ainda
sem levantar variadas emoções em Roma, entre senadores, o povo ou na soldadesca
na capital, ela também excitou todas as legiões e seus generais; pois agora
havia sido divulgado o segredo do Império, que imperadores podem ser feitos em
outros lugares que não Roma.” — Tácito, Histórias
I.4[68]
A
carreira política de Tácito foi vivida principalmente na época de Domiciano.
Esta experiência de tirania, corrupção e decadência desta era (81-96) pode explicar
a amargura e a ironia de sua análise política. Ele direciona a atenção do
leitor para os perigos do poder sem prestação de contas, do amor ao poder sem
princípios e da apatia
e corrupção engendradas pelas concentração das riquezas geradas pelo comércio e
pelas conquistas do Império.
Apesar
disto, a imagem que ele constrói de Tibério nos 6 1.ºs livros de
"Anais" não é exclusivamente sombria e nem recebe sua aprovação: a
maior parte dos estudiosos a avaliam como predominantemente
"positiva" nos 1.ºs livros e predominantemente "negativa"
depois do relato das intrigas de Lúcio Élio
Sejano (soldado e amigo confidente de Tibério). A apresentação de Tibério nos 1.ºs capítulos do 1.º
livro é dominada pelo que Tácito vê como hipocrisia do novo imperador e
seus aliados em relação aos senadores. Nos livros finais, algum respeito é
evidente, especialmente pela inteligência do idoso imperador em assegurar sua
própria posição.
No
geral, Tácito não teme elogiar e nem criticar a mesma pessoa, geralmente
notando o que ele acredita ser as mais e as menos admiráveis características
das pessoas. Uma das marcas registradas de Tácito é evitar tomar posições de
forma conclusiva a favor ou contra as pessoas que ele descreve, o que levou
variados autores a interpretarem suas obras como sendo tanto a favor como
contra o sistema imperial (em oposição ao republicano)
— veja Estudos taciteanos, tacitistas "vermelhos" vs.
"pretos").
Estilo de prosa
O
latim de Tácito é muito elogiado [69] e seu estilo, embora
tenha grandeza e eloquência (graças à sua educação retórica), é extremamente
conciso e até mesmo epigramático
— as sentenças raramente fluem ou são belas, mas seus pontos são sempre claros.
Este estilo tem sido descrito ainda como "duro, desagradável e
espinhoso" e "grave, conciso e vigorosamente eloquente".
Uma
passagem de "Anais" (I.1), na qual Tácito lamenta o estado da
historiografia sobre os quatro últimos imperadores da dinastia
júlio-claudiana ilustra seu estilo:
florentibus ipsis—ob metum—falsae,
postquam occiderant—recentibus odiis—compositae sunt.
Os atos de Tibério, Caio e Cládio e também os de Nero
enquanto vivos — por causa do medo — eram falsos,
depois que morreram — com um ódio recente — foram escritos.
(pontuação e quebras de linhas adicionadas para aumentar a clareza)
Comparado
com os autores da Idade de ouro da literatura latina,
do período de Cícero, quando as sentenças
geralmente tinham o comprimento de um parágrafo e eram artisticamente
construídas com pares aninhados de frases sonoras cuidadosamente combinadas, o
estilo de Tácito é curto e direto ao ponto. Mas é também bastante individual.
Há três formas de dizer "e" na primeira frase (-que, et e ac) e
especialmente a combinação da segunda e 3.ª linhas. Elas são paralelas no
sentido e não no som; os pares de palavras terminando em "...-entibus
...-is" são colocadas numa forma que rompem deliberadamente com as
convenções ciceronianas — com as quais o leitor teria que estar familiarizado
para perceber a novidade do estilo de Tácito. Alguns leitores, no passado e
hoje, acham este constante jogo de expectativas meramente irritante. Outros,
percebendo a ruptura deliberada, jogando contra o evidente paralelismo das duas
linhas, estimulante e intrigante [70].
Suas
obras histórias focam nas motivações internas dos personagens, mas é
questionável o quanto a percepção de Tácito esta correta e o quanto esta
motivação é mais convincente apenas por causa da habilidade retórica de Tácito [71]. Ele está no seu
melhor quando expõe hipocrisia e dissimulações, como quando ele conta como Tibério recusou o título de pater patriae e, logo em
seguida, relembra a instituição de uma lei que proibia qualquer discurso ou
obras "traidores" — e a quantidade de execuções frívolas que
resultaram dela [72]. Em outra parte,
Tácito compara a distribuição pública de ajuda humanitária de lenha ao seu
fracasso em impedir as perversões e abusos de poder que ele próprio havia
iniciado [73]. Apesar deste tipo de insight tenha lhe valido
elogios, Tácito também foi criticado por ignorar o contexto mais amplo dos
fatos.
Tácito
deve muito, na linguagem e no método, a Salústio e Amiano Marcelino (330-400) é o historiador posterior cujo estilo mais se
aproxima ao seu.
Estudos e legado
Ver artigo principal: Estudos taciteanos
É conhecida a
frase de Plínio, o
Jovem, sobre Tácito [74]: “Eu prevejo, e minhas
previsões não falham, que suas histórias serão imortais / Auguror nec me
fallit augurium, historias tuas immortales futuras.”
Tácito
não foi muito lido na Antiguidade
Tardia e ainda menos na Idade Média, como revelam a
ínfima quantidade de manuscritos que preservaram suas obras [75]. Sua antipatia em
relação a judeus e cristãos de sua época — ele relata com condescendência sem
emoções o sofrimento deste últimos em Roma durante a perseguição de Nero —
fizeram dele um autor impopular. Ele foi redescoberto, porém, durante o Renascimento,
cujos autores ficaram impressionados com sua apresentação dramática da época
imperial.
Ele
tem sido descrito como "o maior historiador que o mundo romano já produziu"
[76]. A Enciclopédia
Britânica (1911) opina que ele "está indiscutivelmente no posto mais
alto entre os homens letrados de todas as eras". Sua obra foi lida por
suas lições de moral, por sua narrativa dramática e por seu estilo de prosa [77]. Fora do campo da
história, a influência de Tácito é mais proeminente na área da teoria política [77]. Segundo Giuseppe Toffanin, suas lições
políticas caem, a grosso modo, em dois campos: os "tacitistas
vermelhos", que usam Tácito para defender os ideais republicanos, e os
"tacitistas pretos", que o leem como uma lição de realpolitik maquiavélica [78].
Embora
sua obra seja a nossa fonte mais confiável para a história deste período, sua
acurácia factual já foi ocasionalmente questionada. Os "Anais" são
baseados parcialmente em fontes secundárias e há alguns erros óbvios, como, por
exemplo, a confusão entre as duas filhas de Marco Antônio e Otávia Menor, que foram chamadas
de Antônia. Este tipo de lapso ocasional era comum também na obra de Suetônio. "Histórias",
por outro lado, foi escrito com base em fontes primárias e a partir de um
conhecido testemunhal do período flaviano e é, portanto, uma obra muito mais
acurada.
Ver também
Notas
1.
Como ele foi nomeado questor durante o curto reinado
de Tito
e vinte e cinco anos era a idade mínima para a posição, a data de seu
nascimento pode ser fixada com alguma exatidão.
2. Revilo P. Oliver examina as evidências para cada prenome sugeridos — os
mais conhecidos "Caio" e "Públio" e também as sugestões
menos conhecidas, "Sexto" (Sextus)[4] e "Quinto" (Quintus)
— antes de decidir por "Públio" como o mais provável[5][6].
3. Em "Anais"[36], Tácito menciona que,
como pretor, ajudou a organizar os Jogos Seculares de Domiciano, uma tarefa dos
quindecênviros, e cuja data pode ser fixada com certeza em 88[37][38][17].
4. Em "Agrícola"[39], o próprio Tácito
indique que ele e sua esposa estavam ausentes de Roma na época da morte de
Agrícola (93).
5. Em "Agrícola"[49], ele anuncia o que
provavelmente seria o seu 1.º grande projeto, as "Histórias"[50].
6. Em "Anais"[52], Tácito afirma que o Império Romano "agora se
estende até o mar Vermelho".
Se por mare rebrum ele se refere ao Golfo Pérsico, a passagem deve
ter sido escrita depois das conquistas orientais de Trajano em 116, mas antes
de Adriano abandonar os novos
territórios no ano seguinte. Mas esta passagem pode apenas indicar a data da
publicação dos 1.ºs livros de "Anais" e, por isso, é possível que ele
tenha vivido até o reinado de Adriano. Não há motivos para acreditar que não[53][54][55][56], apesar da discordância
de alguns autores[57].
7. Opiniões acadêmicas sobre a "História
Augusta" variam de "um confuso e inútil rumor"[60] até "ficção
pura"[61].
8. Jerônimo[63] afirma que a obra de
Tácito, ainda existente, consistia de triginta volumnibus ("trinta
volumes")[64].
Referências
1.
Van Voorst
(2000), p. 39-42
2.
Ferguson
(2003), p. 116
4.
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5.
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Oliver (1951)
9.
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10.
Gordon (1936), pp. 145–146
12. Syme (1958), p. 60, 613
13. Gordon (1936), p. 149
14. Martin (1981), p. 26
15. Syme, 1958, p. 63
16. Grant (2006), p. 17
17. Benario (1999), p. 1.
18.
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19.
Syme (1958), pp. 616–619
21.
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24.
Gordon (1936), pp. 150–151
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Syme, 1958, pp. 621–624
27.
Martin (1981), p. 26
28.
Syme, 1958, pp. 114–115
31. Benario (1975), pp. 15, 17
32. Syme (1958), pp. 541–542
33. Syme (1958), p. 63
34. Martin, 1981, pp. 26–27
37.
Syme (1958), p. 65
38.
Martin, 1981, p. 27
40. Syme (1958), p. 68
41. Benario (1975), p. 13
42. Dudley (1968), pp. 15–16
43. Martin (1981), p. 28
44. Mellor (1993), p. 8
45. Dudley (1968), p. 14
46.
Mellor (1993), pp. 8–9
48.
Plínio, o
Jovem, Epístolas II.1 (em inglês)
50.
Dudley (1968), p. 16
53.
Dudley (1968), p. 17
54. Mellor (1993), p. 9
55. Mendell (1957), p. 7
56. Syme (1958), p. 473
57.
Como Goodyear (1981), pp. 387-393.
58.
Benario (1999), p. 2
60.
Mendell (1957), p. 4
61.
Syme (1958), p. 796
64.
Mendell (1957), p. 228
69.
Dudley (1966), p. 14
70.
Ostler (2007), pp. 98–9 de onde
vem o exemplo citado
71.
Taylor (1998), p. 1ss
75. Grant (1978), p. 378ss
76. Mellor (2010), p. 3
77.
Mellor (1995), p. 17
78.
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Ligações externas
- Obras de Tácito no Projeto Gutenberg
- «Germânia em português»
- «Obras de Tácito» (em inglês). Perseus Digital Library
- «Lista completa de links para textos em latim e traduções para várias línguas» (em inglês). ForumRomanum
- «Obras completas de Tácito em latim» (em inglês). The Internet Sacred Text Archive
- «Agrícola» (em inglês). Dickinson College Commentaries
- «Anais XV.20-23, 33-45» (em inglês). Dickinson College Commentaries
Anais
Anais
(lat.: Annales) é o título
de uma obra
histórica escrita por Tácito
que relata a vida de 4 imperadores,
os que sucederam a César Augusto.
As partes da obra que chegaram até a atualidade tratam de grande parte dos
governos de Tibério e de Nero.
Provavelmente o título Annales não fosse o
original dado por Tácito à obra, mas derive do fato de ele escrever a obra
tratando a história de ano em
ano. O título original talvez fosse Ab excessu divi
Augusti ("Desde a morte do divino Augusto").
Conteúdo
Os Anais foram a obra final de Tácito.
Escreveu ao menos 16 livros, mas os livros 7-10 perderam-se, bem como parte dos
livros 5, 6, 11 e 16. O livro 6 acaba com a morte de Tibério e os livros do 7
ao 12 cobriam presumivelmente os governos de Calígula e de Cláudio. Os demais livros tratam
do governo de Nero, provavelmente até a sua morte em junho de 68, ou até final desse ano, para depois se juntar às Historiae.
A segunda parte do livro 16 perdeu-se (termina narrando os eventos de 66) [1]. Não se sabe se Tácito
completou a obra ou decidiu terminá-la antes de outros trabalhos que planejasse
escrever; faleceu antes de poder trabalhar nas histórias de Nerva e Trajano e do
período de Augusto e os começos do império, que havia prometido escrever.
Assim como já tinha escrito nas Historiae,
Tácito sustém a sua tese em relação à necessidade do principado. Se por um lado elogia
Augusto por ter garantido a paz no estado romano após anos de guerra civil, por
outro amostra as desvantagens da vida sob o domínio dos Césares. Da história do
Império Romano
forma parte o ocaso definitivo da liberdade política da aristocracia senatorial, que
Tácito via moralmente decaída, corrupta e servil com os desejos do soberano.
Ainda nesta obra, como já sustivera em Cneu Agrícola, Tácito opõe-se a que elijam um inútil martírio
através do suicídio[2]. Ao descrever o
suicídio de Petrônio,
Tácito sublinha deliberadamente o irônico câmbio dos modelos filosóficos
realizado por este homem.
Contudo, contra este tétrico contexto, uma parte da
classe política continuou exercitando honestamente o seu próprio poder sobre as
províncias e guiando o exército com rectidão. A historiografia trágica, cheia
de eventos dramáticos, tem um peso importante nos Annales. Tácito usa os
componentes trágicos da história para penetrar nos ânimos das personagens e
iluminar as suas paixões e ambiguidades. As paixões dominantes nas personagens
são as políticas (exceto, talvez, no caso de Nero). Todas as classes sociais, sem exceções, têm estes
defeitos: ambição, desejo de poder e de prestígio pessoal, e muitas vezes
inveja, hipocrisia e presunção. Todos os demais sentimentos, exceto a ambição,
vanidade e avarícia, têm uma importância secundária[3].
Nos Anais, Tácito desenvolveu ulteriormente o
estilo de descrição que tinha usado nas Historiae. Talvez o retrato melhor
que faz seja o de Tibério,
feito de maneira indireta, emergem progressivamente no curso da narração, com
observações e comentários. O retrato moral tem a precedência sobre o físico; há
também retratos paradoxais.[4] O mais significativo
destes é o de Petrônio, cuja fascinação está nas suas contradições. A
debilidade da sua vida está em oposição com a energia e a competência que
demonstrou nos deveres públicos. Petrônio afrontou a morte como um último
prazer, dando contemporaneamente prova de autocontrole, coragem e firmeza.
Opôs-se ao uso estoico do
suicídio teatral, tanto que falava com os amigos enquanto morria, de argumentos
fúteis. Tácito não faz dele um modelo a seguir e assim sugestiona
implicitamente que a sua grandeza de ânimo foi mais sólida que a mostrada por
tantos "mártires" estoicos[5].
Estilo
Embora seja uma simplificação, é correto reconhecer
que o estilo de Tácito nos Annales parte das normas gramaticais e de composição dos
autores da República
Tardia, 1.º entre todos Cícero.
Descrito como peregrino, arcaico e solene, Tácito atinge o seu estilo pessoal
através de raras embora não únicas formas gramaticais, elipses
frequentes (especialmente das formas auxiliares do verbo esse), circunlocuções criativas e dições
que se estendem até os limites do léxico latino. Em comparação com
as Historiae, os Annales são menos fluidos, muito mais concisos e
severos. Há até mesmo uma predileção maior pelas incongruências. As formas
verbais pouco harmônicas refletem os eventos
discordantes que narram e a ambiguidade das personagens que descrevem. Há
muitas metáforas "violentas" e usos audazes da personificação. O
estilo poético, especialmente o de Virgílio, é usado com frequência. Por
exemplo, a descrição da expedição de Germânico ao lugar da Batalha da floresta de Teotoburgo na procura dos restos das
legiões destruídas de Públio
Quintílio Varo recalca o estilo usado por Virgílio na descrição do descenso
de Eneias ao mundo ultraterreno.
Contudo, o estilo muda. Do livro 13 em diante, Tácito
usa um estilo mais tradicional, mais próximo dos cânones do estilo clássico. Sua prosa torna-se mais rica e elevada, menos concisa, menos
áspera e insinuante. Ao escolher entre sinônimos, Tácito prefere o uso de
expressões normais e pouco afetadas. Provavelmente o governo de Nero seja
tratado com menos solenidade porque cronologicamente é mais próximo do tempo da
redação da obra, enquanto a idade de Tibério seja considerada como mais próxima
à velha República. A falta de pormenores que às vezes emergem nos livros 15 e
16 induziu alguns a suster que as versões que chegaram à atualidade não fossem
a versão definitiva, mas um rascunho pendente de revisão.
Referências
1.
JOLY, Fabio Duarte. 2004. Tácito e
a metáfora da escravidão. Sâo Paulo: Edusp, p. 44.
2.
Tac. Agr., 42.
3.
Santoro
L'oir, F. 2006. Tragedy, Rhetoric, and the Historiography of Tacitus' Annals.
Ann Arbor, Mich.
4.
CAMPOS, Rafael da Costa. 2010.A caracterização de Tibério César Augusto
como personagem política nos Anais de Tácito. Mare Nostrum,
v. 01, p. 11-25.
5.
Tac. Ann., XVI, 18-19.
6.
Este artigo foi inicialmente traduzido do artigo da Wikipédia em espanhol,
cujo título é «Anales
(Tácito)».,
e por sua vez,
7.
Este artigo foi inicialmente traduzido do artigo da Wikipédia em italiano,
cujo título é «Annales
(Tacito)».
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Ligações externas
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CORNÉLIO TÁCITO, Anales, ed.
Ch.D. Fisher, Oxford, Clarendon Press, 1906.
·
Annales .- Perseus Project (comprovado 17-05-2009). (em inglês) (em latim)
Histórias
Histórias (em latim: Historiae) é um livro do historiador romano Tácito por volta de 100 - 110, que cobre o
ano dos 4 imperadores após a queda de Nero, a subida de Vespasiano, e o governo da Dinastia
Flaviana (69–96) até a morte de Domiciano.
Recepção
O amigo do autor, Plínio, o
Jovem, falou em uma carta a Tácito "Suas Histórias serão
imortais"[1] e o autor cristão
primitivo Tertuliano criticou o livro por afirmar
que contém mentiras sobre as crenças judaicas.[2]
Ligações externas
- Perseus Project Hist.1.1 (trad. Alfred John Church e William Jackson Brodribb)
- Histórias (Tácito) no Projeto Gutenberg (trad. por William Hamilton Fyfe)
- Historiae - RomansOnline.com
- The letters of the younger Pliny. [S.l.]: Penguin UK. 1969
- Tertullian: Apology. [S.l.: s.n.]
Tácito e os Cristãos
No texto Anais,
do historiador romano Tácito
(56 d.C. – 117 d.C.) no livro XV, parágrafo 44, escrito em 116 d.C., existe uma
passagem referente a Cristo, Pôncio Pilatos e à execução em
massa de cristãos [1]. A passagem descreve o
incêndio de Roma que durou seis dias, queimando grande parte da cidade em Julho
de 64 d.C. Muitos romanos culparam o Imperador Nero pelo incêndio.
Tradução em português
Para
se livrar dos rumores, Nero criou bodes expiatórios e realizou as mais
refinadas torturas em uma classe odiada por suas abominações: os cristãos (como
eles eram popularmente chamados). Cristo, de onde o nome teve origem, sofreu a
penalidade máxima durante o reinado de Tiberius, pelas mãos de um dos nossos
procuradores, Poncio Pilatos. Pouco após, uma perversa superstição voltou à
tona e não somente na Judéia, onde teve origem, como até em Roma, onde as
coisas horrendas e vergonhosas de todas as partes do mundo encontram seu centro
e se tornam populares. Em seguida, foram presos aqueles que se declararam
culpados, então, com as informações deles extraídas, uma imensa multidão foi
condenada, não somente pelo incêndio, mas pelo seu ódio contra a humanidade.
Ridicularizações de todos os tipos foram adicionadas às suas mortes. Os
cristãos eram cobertos com peles de animais, rasgados por cães e deixados a
apodrecer; crucificados; condenados às chamas e queimados para que servissem de
iluminação noturna quando a luz do dia já tivesse se extinguido.[2]
Christianos ou Chrestianos?
Detalhe do Manuscrito Mediciano, mostrando a palavra “christianos”. A
lacuna entre o “i” e o “s” aparece destacada; um “e” é visível sob luz
ultravioleta, mostrando que essa seria a letra original.
Na
antiguidade, tanto no mundo grego quanto no latino, os cristãos (“christiani”)
eram muitas vezes chamados de “Chrestiani”, isso porque confundiam a palavra
“Christus” com “Chrestus” ".[3], que era mais comum. As
cópias remanescentes dos trabalhos de Tácito derivam de dois principais
manuscritos, conhecidos como os “Manuscritos Medicianos”, escritos em latim. Esses se encontram na Biblioteca
Medicea Laurenziana, em Florença. O segundo Manuscrito Mediciano é a
cópia sobrevivente mais antiga que se refere aos cristãos e é datada do séc.
XI, vinda do Monte Cassino[4]. Nesse manuscrito, o
1.º “i” da palavra “Christianos” é consideravelmente distinto do segundo,
parecendo um tanto borrado, além de não ter a perna presente no segundo “i”;
além disso, há uma lacuna entre o 1.º “i” e o “s” que vem logo em seguida. Georg Andresen
foi um dos 1.ºs a comentar sobre a aparência do 1.º “i” e a lacuna, sugerindo
em 1902 que o texto foi alterado e que havia, originalmente, um “e” no lugar do
“i”.[5]
Em
1950, a
pedido de Haral Fuchs, a Drª Teresa Lodi, diretora da Biblioteca Medicea
Laurenziana, examinou as características desse item do manuscrito; ela concluiu
que existem sinais de um “e” apagado por remoção da parte superior e inferior
horizontal e a distorção do remanescente em um “i”. [6] Em 2008, a Drª Ida Giovanna
Rao, nova diretora do escritório de manuscritos da Biblioteca Medicea
Laurenziana, realizou novamente o estudo da Drª Lodi e concluiu que é provável
que o “i” seja uma correção de um caractere anterior (como um “e”); a mudança,
contudo, foi extremamente sutil. Posteriormente , no mesmo ano, foi descoberto
que, sob luz ultravioleta, um “e” fica claramente visível na lacuna.
Conclui-se, portanto, que a passagem devia originalmente se referir a chrestianos,
uma palavra grega latinizada que pode ser interpretada como “o bom”, a partir
da palavra grega χρηστός (chrestos) - termo que, por sinal, significa “bom,
útil”. [7] De acordo com o
Professor Robert Renehan, "era natural para um romano confundir as
palavras [Christus e Christianus] com a de som similar χρηστός (Chrestos)
"[8]. Alguns escribas gregos
aparentemente tinham o mesmo problema, já que, de acordo com o Códex
Sinaiticus e o Minúsculo 81, a palavra “cristãos” aparece como
Χρηστιανούς nos Atos dos
Apóstolos 11:26. [9]
Autenticidade e confiabilidade
São
poucos os estudiosos que contestam a autenticidade da passagem.[10] Somente P. Hochart, em
1885, propôs que era uma fraude pia.[11] Contudo, o editor da
Oxford de 1907, Furneaux, dispensou sua sugestão e trata a passagem como
genuína. [12]
Robert
van Voorst escreveu que a passagem não poderia ter sido forjada, pois os
cristãos não promoveriam sua fé como sendo uma “perversa superstição”, “fonte
do mal” ou ainda como sendo “horrenda e vergonhosa”, embora “lá tenha crescido
um sentimento de compaixão” em relação aos cristãos.[13] John P. Meyer afirma
não existir nenhuma evidência arqueológica ou histórica que dê suporte ao
argumento de que algum escriba cristão tenha introduzido a passagem no texto. [14]
O cargo de Pilatos
O
cargo de Pilatos enquanto esse foi governador da província romana da Judéia
aparece em uma inscrição em latim, a qual se refere a ele como prefeito. [15] A passagem de Tácito,
porém, se refere a ele como procurador. Flávio Josefo utiliza o termo
genérico grego ηγεμων, ou governador, para falar de Pilatos. Van Voorst
acredita que o uso de tão diferentes termos é o que se espera de testemunhos
escritos em diferentes línguas, em diferentes períodos da História. [16] Tácito registra que
foi o Imperador Cláudio quem deu aos procuradores poder de governo. [17][18] Após a morte de
Herodes Agrippa em 44 d.C., quando a Judéia voltou para o controle direto de
Roma, Cláudio deu aos procuradores o controle da região.[19][20]
Ver também
Referências
1.
Robert E. Van
Voorst, Jesus Outside the New Testament: An Introduction to the Ancient
Evidence, Wm. B. Eerdmans, 2000, p.39
2.
Tácito, Anais 15.44,traduzido para o português
através da tradução em inglês de Church e Brodribb.
3.
Harald Fuchs, Tacitus über die
Christen, Vigiliae Christianae, Vol. 4, No. 2 (Apr., 1950), pp.
65-93. Nas págs. 70-71 : "Die Bezeichnung der Christen als Chrestiani
ist, wie mancherlei Belege erweisen, im Osten und Westen verbreitet gewesen.
Der Christenname, der in seiner richtigen Form den Fernerstehenden nicht ohne
weiteres verständlich war, erinnerte in dieser Fassung an das griechische Wort
χρηστός und bot damit einem jeden die Möglichkeit, ihn entweder durch das
Adjektiv oder auch durch den gleichlautenden Eigennamen zwanglos zu
erklären." – “A designação de cristãos como “chrestiani” era, como muitos
documentos provam, espalhada tanto no Ocidente quanto no Oriente. O nome
“christiani”, que é a forma correta, não era facilmente entendida por muitos, e
acabou sendo relacionada à palavra grega χρηστός, dando, assim, possibilidade
de ser entendida em referencia tanto ao adjetivo quanto ao nome em si.”
4.
Newton, Francis,The
Scriptorium and Library at Monte Cassino, 1058–1105, Cambridge University Press, 1999. "The
Date of the Medicean Tacitus (Flor. Laur. 68.2)", p. 96-97.
6.
Harald Fuchs,
Tacitus on the Christians, publicado em Christian Vigil (1950) volume 4, numero 2, p. 70, nota 6
8.
Robert
Renehan, "Christus or Chrestus in Tacitus?", La Parola del Passato 122
(1968), pp. 368-370
9.
Nestle-Aland, Novum Testamentum Graece,
Deutsche Bibelgesellschaft, Stuttgart, 26. neu bearbeitete Auflage, 1979
10. Robert Van Voorst, Jesus Outside the New Testament: An Introduction
to the Ancient Evidence, Wm. B. Eerdmans, 2000. p. 39-53
11.
Henry
Furneaux, ed., Cornelii Taciti Annalium ab excessu divi augusti libri. The
annals of Tacitus with introduction and notes, 2nd ed., vol. ii, books
xi-xvi. Clarendon, 1907. Appendix II, p. 416f.: "A passagem foi
acusada por um escritor recente, com fracos argumentos, de ter sido uma
falsificação cristã. Isso se torna, como a oposição vê, um ataque às outras
passagens de autores clássicos desse período" O editor dá como referência
"P. Hochart, Etudes au sujet de la persecution des Chretiens sous Nero,
Paris, 1885." e nota que "Hochart trata as duas cartas de Plínio e
Trajano como uma fraude pia similar."
12.
Henry
Furneaux, ed., Cornelii Taciti Annalium ab excessu divi augusti libri. The
annals of Tacitus with introduction and notes, 2nd ed., vol. ii, books
xi-xvi. Clarendon, 1907. Appendix II, p.418: "Parece estranho
que, qualquer um que tenha estudado a passagem interpolada em Josefo, ou o
correspondente de São Paulo e Sêneca, suponha que isso é apenas uma similar,
porém, mais habilidosa performance do mesmo tipo, que se apresenta aqui perante
a nós. Assumindo que a passagem seja genuína, podemos acrescentar que os textos
Medicianos parecem estar danificados somente em um ou dois trechos."
13. Robert E. Van Voorst, Jesus Outside the New
Testament: An Introduction to the Ancient Evidence, Wm. B. Eerdmans, 2000.
p 39- 53
14. Meier, John P., A Marginal Jew: Rethinking the Historical Jesus, Doubleday: 1991. vol 1: p. 168-171.
16. Robert E. Van Voorst, Jesus Outside the New
Testament: An Introduction to the Ancient Evidence, Wm. B. Eerdmans, 2000.
p 39-53
17.
Tácito, Anais 12.60: Cláudio disse
que os julgamentos de seus procuradores tinham a mesma eficácia de seus
próprios.
18. P. A. Brunt, Roman imperial themes, Oxford
University Press, 1990, ISBN
0198144768,
9780198144762. p.167.
19.
Tácito, Histórias, 5.9.8.
20.
Geoffrey W.
Bromiley, The International Standard Bible Encyclopedia, Wm. B. Eerdmans
Publishing, 1988. ISBN 0802837859, 9780802837851.
p.979, col.1.
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