quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

LEUCIPO DE MILETO (465 - 370 a.C.)




FLORESCEU CERCA DE 430 A.C

Leucippus (5th cn. B.C.E.)

Leucippus was the founder of Atomism. We know next to nothing about his life, and his book appears to have been incorporated in the collected works of Democritus. No writer subsequent to Theophrastos seems to have been able to distinguish his teaching from that of his more famous disciple. Indeed his very existence has been denied, though on wholly insufficient grounds.

Aristotle gives a clear and intelligible account of the way Leucippus' theory arose. It originated from Parmenides' denial of the void, from which the impossibility of multiplicity and motion had been deduced. Leucippus supposed himself to have discovered a theory which would avoid this consequence. He admitted that there could be no motion if there was no void, and he inferred that it was wrong to identify the void with the non-existent. Leucippus was the first philosopher to affirm, with a full consciousness of what he was doing, the existence of empty space. The Pythagorean void had been more or less identified with 'air', but the void of Leucippus was really a vacuum.

Besides space there was body, and to this Leucippus ascribed all the characteristics of Parmenides notion of the real. The assumption of empty space, however, made it possible to affirm that there was an infinite number of such reals, invisible because of their smallness, but each possessing all the marks of the Parmenidean One, and in particular each indivisible like it. These moved in the empty space, and their combinations can give rise to the things we perceive with the senses. Pluralism was at least stated in a logical and coherent way. Democritus compared the motions of the atoms of the soul to that of the particles in the sunbeam which dart hither and thither in all directions even when there is no wind, and we may fairly assume that he regarded the original motion of the other atoms in much the same way.

The atoms are not mathematically indivisible like the Pythagorean monads, but they are physically indivisible because there is no empty space in them. Theoretically, then, there is no reason why an atom should not be as large as a world. Such an atom would be much the same thing as the Sphere of Parmenides, were it not for the empty space outside it and the plurality of worlds. As a matter of fact, however, all atoms are invisible. That does not mean, of course, that they are all the same size; for there is room for an infinite variety of sizes below the limit of the minimum visible. Leucippus explained the phenomenon of weight from the size of the atoms and their combustions, but he did not regard weight itself as a primary property of bodies. Aristotle distinctly says that none of his predecessors had said anything of absolute weight and lightness, but only of relative weight and lightness, and Epicurus was the first to ascribe weight to atoms. Weight for the earlier atomists is only a secondary phenomenon arising, in a manner to be explained, from excess of magnitude. It will be observed that in this respect the early atomists were far more scientific than Epicurus and even than Aristotle. The conception of absolute weight has no place in science, and it is really one of the most striking illustrations of the true scientific instinct of the Greek philosophers that no one before Aristotle ever made use of it, and Plato expressly rejected it.

The first effect of the motion of the atoms is that the larger atoms are retarded, not because they are 'heavy', but because they are more exposed to impact than the smaller. In particular, atoms of an irregular shape become entangled with one another and form groups of atoms, which are still more exposed to impact and consequent retardation. The smallest and roundest atoms, on the other hand, preserve their original motions best, and these are the atoms of which fire is composed. In an infinite void in which an infinite number of atoms of countless shapes and sizes are constantly impinging upon one another in all directions, there will be an infinite number of places where a vortex motion is set up by their impact. when this happens, we have the beginning of a world. It is not correct to ascribe this to chance, as later writers do. It follows necessarily from the presuppositions of the system. The solitary fragment of Leucippus we possess is to the effect that 'Naught happens for nothing, but all things from a ground (logos) and of necessity'.

Author Information

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DADOS BIOGRÁFICOS

LEUCIPO NASCEU provavelmente em Mileto (segundo outros, em Eléia ou Abdera). É contemporâneo de Anaxágoras, dos sofistas e de Sócrates. Segundo uns, teve como mestre a Zenão; segundo outros, a Melisso. E freqüentemente associado a Demócrito. Aristóteles considera Leucipo o criador da teoria dos átomos, depois desenvolvida e elaborada por Demócrito. Atribui-se-lhe a autoria de duas obras: A Grande Ordem do Mundo e Sobre o Espírito. A última, no entanto, pode ter sido apenas uma seção da primeira.

A - FRAGMENTOS
Trad. de José Cavalcante de Souza

1. AQUILES, Introdução, 1, 13 (DK 67 B 1).

A. GRANDE ORDEM DO MUNDO (título de um livro atribuído a Demócrito em Aquiles, Introdução, 2, 13).

Ia. Papiro Hercul. 1788 (DK 67 B Ia). Átomos (i. e., não-cortáveis), maciços (i. e., unidades), grande vazio, seção, ritmo (i. e., forma), contato, direção, entrelaçamento, turbilhão (termos encontrados num papiro restaurado, em que Demócrito é acusado de plagiar A Grande Ordem do Mundo de Leucipo).

2. AÉCIO, I, 24, 4 (DK 67 B 2). Diz (Leucipo) no livro Sobre o Espírito: Nenhuma coisa se engendra ao acaso, mas todas (a partir) de razão166 e por necessidade.
166 No grego, logos. (N. do T.)


B - CRÍTICA MODERNA

1. Georg W. F. Hegel
Trad. de Ernildo Stein

LEUCIPO É FUNDADOR do célebre sistema atomístico, o qual, novamente despertado em tempos bem recentes, valeu como o princípio da pesquisa natural racional. Se tomarmos este sistema por si, ele é, sem dúvida, precário, e pouca coisa nele pode ser encontrada. Mas deve ser atribuído como grande mérito a Leucipo o fato de ele ter, como é expresso em nossa física corrente, distinguido as qualidades universais dos corpos das coisas sensíveis. A qualidade universal chama-se especulativa, pelo fato de ele ter determinado o elemento corpóreo através do conceito ou pelo fato de ter determinado a essência do corpo, efetivamente de modo universal; Leucipo concebeu a determinidade do ser não daquele modo superficial, mas de maneira especulativa. Quando se diz que o corpo possui esta qualidade universal, por exemplo, a figura, a impenetrabilidade, o peso, então a gente imagina que a representação indeterminada "corpo" é a essência e sua essência algo diferente que estas qualidades. Mas, sob o ponto de vista especulativo, a essência são justamente as determinações universais, ou elas são o conteúdo abstrato e a realidade da essência. Ao corpo nada resta enquanto tal para a essência que a pura individualidade — sendo esta a determinação da essência. Mas ele é unidade de opostos, e a unidade enquanto unidade destes predicados constitui sua essência, ou elas são essencialidades — os conceitos universais são essência ou são entes em si.

Lembremo-nos de que já vimos que na filosofia eleática o ser e o não-ser se apresentam como oposição: só o ser é, o não-ser não é. Para o lado do não-ser cai tudo que é negativo enquanto tal, como o movimento, a mudança, o pensar etc. — tudo isto são determinações que são suprimidas, quando se afirma que apenas o ser é. Ser ainda não é a unidade a caminho do retorno a si ou já definitivamente retornado, como o movimento de Heráclito e o universal. Do lado do qual se afirma que, na percepção sensível imediata, caem a diferença, a mudança, o movimento etc., pode ser dito que a afirmação de que é apenas o ser tanto contradiz aos olhos como ao pensamento. Pois é este nada que os eleatas suprimiram; possuem estes dois momentos, ambos têm valor igual. Ou, na idéia de Heráclito, ser e não-ser são o mesmo. Isto esclarece a significação seguinte, se a separarmos novamente desta unidade: O ser é, mas o não-ser, já que é um com o ser, também é do mesmo modo; ou ser é tanto predicado do ser como do não-ser. E isto que afirma Leucipo; o que, na verdade, estava presente nos eleatas, Leucipo afirma como sendo ente.

O ser e o não-ser, porém, ambos expressos com a determinação de algo objetivo ou como são na intuição sensível, são, então, a oposição do pleno e do vazio (tò pléres kaì tò kenón). O vazio é o nada posto como ente; o pleno, porém, a ele oposto, o ser posto como objeto enquanto tal. Isto são essências fundamentais e produtos e todos167 — ser-para-outro e reflexão-em-si, apenas sensível, não determinado em si; pois o pleno é igual a si mesmo como o vazio.
167 Aristóteles, Metafísica, 1, 4.

O pleno é indeterminado, possui o átomo como seu princípio. O absoluto o átomo e o vazio (tà átoma kai tò kenón); isto é uma determinação importante, ainda que precária. O princípio, portanto, é que o átomo e o vazio são o verdadeiro, o ente-em-si-e-para-si. Não apenas os átomos, como falamos, não apenas este um sozinho, como nós o representamos, por exemplo, flutuando no ar — o que está "entre" é do mesmo modo necessário, este nada; e isto eles determinaram como o negativo, como o vazio. E isto então a primeira manifestação do sistema atomístico.

Deste princípio em si mesmo devemos apontar agora, mais exatamente, suas determinações, suas significações.

O primeiro é o um, a determinação do ser-para-si; esta determinação não tínhamos ainda. Em Parmênides, é o ser, o universal abstrato; em Heráclito, o processo; em Leucipo, encontramos agora a determinação do um, do ser- para-si. Parmênides diz que o nada não é; em Heráclito, o ser e o nada estavam num processo; Leucipo tem também o positivo como o um que-é-para-si o negativo como o vazio.

O ser-para-sí é uma determinação essencial e necessária do pensamento. O princípio atomístico não passou, por este lado deve sempre ser. O um é agora e é sempre e deve aparecer em cada filosofia lógica, como momento essencial,168 mas não como último. A determinação concreta do um, da unidade, do ser é então aquela segundo a qual o um é o ser-para-si; este é ser, simples relação consigo mesmo, enquanto ser. Mas também é importante que o ser-para-si seja também determinado de maneira mais rica; é relação consigo, através da negação do ser-outro. Quando digo eu sou para mim, então não apenas sou, mas nego em mim todo o resto, excluo-o de mim enquanto aparece como exterior. É a negação do ser-outro — isto é negação contra mim. Assim o ser-para-si é negação da negação e esta é, como eu designo, a negatividade absoluta. Eu sou para mim, então nego o ser-outro, o negativo; esta negação da negação é, portanto, afirmação. Esta relação comigo no ser-para-si é, assim, afirmativa, é ser, que do mesmo modo é resultado, mediado através de um outro — mas através da negação do outro; nisto está contida a mediação, mas uma mediação que igualmente foi sobressumida.

O ser-para-si é um grande princípio. O devir é apenas a passagem do ser para o nada e do nada para o ser, onde tudo é negado; mas o fato de algo ter sido posto, de ambos serem, simplesmente junto a si, isto é o princípio do ser-para-si que em Leucipo se tornou consciência, determinação absoluta. E o processo do ser, devir. Ao nível lógico, vem então primeiro o existir.169 Este é, porém, o que aparece, a aparência; faz parte da esfera do fenômeno e não pode assim tornar-se princípio da Filosofia. O desenvolvimento da Filosofia na história deve corresponder ao desenvolvimento da Filosofia lógica, mas nesta deve haver passagens que, no desenvolvimento na história, desaparecem. Se se quisesse, por exemplo, transformar a existência num princípio, então seria aquilo que nós temos na consciência: São coisas, estas são relativas, elas estão aí, são finitas e possuem uma relação uma com a outra; é a categoria de nossa consciência destituída de pensamento.
168               Lógica, liv. I, seção 2, cap. 3; cf. parte 5, pág. 372 ss.
169               Lógica, liv. I, seção 1, cap. 2; cf. parte 5, pág. 115 ss.

Em Leucipo vemos então aquele princípio; é isto que importa. Em Leucipo o um é ainda o um abstrato. O princípio é, sem dúvida, ainda muito abstrato, ainda que tenda a tornar-se concreto; mas nisto as coisas caminham ainda muito precariamente. A determinação essencial é o um em face da unidade, do ser; em outra forma, a individualidade (o átomo é o individual, indivisível, a determinação da subjetividade) — o universal em face da individualidade, da subjetividade. E disto que se trata em todas as coisas; estas são as grandes determinações e a gente apenas sabe o que possui nestas determinações precárias, quando também se reconhece no concreto, que também aí são a coisa mais importante. Por exemplo, na liberdade, no direito, na lei e na vontade, trata-se apenas desta oposição de universalidade e particularidade. O espírito também é átomo, um; mas, enquanto um em si, infinitamente pleno.

Em Leucipo e Demócrito esta determinidade permaneceu física; aparece também no mundo do espírito. Na esfera da vontade pode surgir o ponto de vista de que no Estado a vontade particular, enquanto átomo, é o absoluto. Estas são as teorias mais novas sobre o Estado que também se fizeram valer praticamente. O Estado deve repousar sobre a vontade universal, diz-se, esta é a vontade que é em si para si ou a vontade do particular; o último é atomístico, assim o Contrato Social de Rousseau. Tudo isto provém da determinação do pensamento do um.

O princípio do um é totalmente ideal pertence inteiramente ao pensamento, mesmo se se quisesse dizer que os átomos existem. O átomo pode ser tomado de modo material, mas ele é não-sensível, puramente intelectual; os átomos de Leucipo não são as moléculas, as partes minúsculas da Física. Aparece assim, em Leucipo, a representação de que "os átomos são invisíveis" (aórata), de que não podemos vê-los "por causa da pequenez de sua corporalidade",170 — como nos tempos atuais se fala das molécules.
170 Aristóteles, Sobre a Geração e Corrupção, I, 8.

Mas isto é apenas um subterfúgio; o um não se pode ver, porque é um elemento abstrato do pensamento. Com lentes e medidores não se pode mostrar o átomo (o mesmo acontecendo com as qualidades sensíveis do ver e ouvir); o que se mostra é sempre matéria que é composta. Assim quer-se, em tempos recentes, investigar, através do microscópio, o interior — a alma —, atingi-lo no elemento orgânico, particularmente vê-lo e senti-lo. O princípio do um é, portanto, inteiramente ideal, não, porém, como se estivesse apenas na mente, na cabeça, mas assim que o pensamento é a verdadeira essência das coisas. Leucipo também o entendeu assim, e sua filosofia não é, de maneira alguma, empírica. Tennemann diz, pelo contrário, bem erradamente: "O sistema de Leucipo é o oposto do sistema eleático; ele reconhece o mundo da experiência como o único real objetivo e os corpos como a única espécie de seres". Mas o átomo e o vazio não são coisas da experiência. Leucipo diz: Não é pelos sentidos que tomamos consciência do verdadeiro — idealismo no sentido mais alto, não idealismo subjetivo.

b) "Indivíduo" é a tradução de "átomo", ainda que assim apenas nos representemos, nisto, imediatamente um singular concreto. Estes princípios devem ser altamente respeitados, pois constituem um progresso, mas o aspecto insuficiente se manifesta, tão logo avancemos mais com eles. A outra representação de tudo que é concreto e efetivamente real é: "O pleno não é algo simples, mas é algo infinitamente múltiplo. Estes infinitamente muitos movem-se no vazio; pois o vazio é. Sua combinação constitui o originar-se" — isto é, de uma coisa existente que é para os sentidos — "a dissolução e separação constituem o desaparecer". Todas as outras categorias têm seu lugar aqui. "A atividade e passividade consistem no fato de tocarem-se; mas seu contato não faz com que se tornem um, pois, daquilo que é realmente (abstratamente) um, não se origina uma multidão, nem daquilo que é realmente (abstratamente) múltiplo se origina um." Ou: "Não são efetivamente nem passivos nem ativos, estão relacionados entre si; isto é, são um entre si, e não absolutamente muitos, isto é, em sua multiplicidade, em si e para si, entes; mas a relação e separação, o vínculo da atividade e passividade são unicamente o vazio" — algo puramente negativo para eles, quer dizer, o estranho para eles; sua relação é algo diferente que eles. Assim, por exemplo, quando conto uma, duas, três moedas etc.; isto não é atividade destas moedas nem uma passividade; permanecem o que são, não é uma relação entre elas. Os átomos, portanto, estão separados, mesmo na união aparente daquilo que chamamos coisas, pelo vazio. Este vazio é também o princípio do movimento; os átomos movem-se no vazio; e isto é como que uma solicitação deles a preencher este vazio, a negá-lo. Isto são suas proposições.171
171 Ibiáem.

Vemos que estamos imediatamente nos limites destes pensamentos; pois, onde se deveria falar de relação, saímos deles. 1) Primeiramente o pensado é, como já foi lembrado, o ser e o não-ser, e representados como distintos em relação recíproca (pois em si não possuem diferença) o pleno e o vazio — o ser e o não-ser postos para a consciência. 2) O pleno tem, porém, do mesmo modo, a negatividade em si; é, enquanto um ser-para-si-mesmo um outro para si, que exclui o resto; é um e infinitamente muitos um. O vazio, porém, não é o que exclui, mas a pura continuidade; um e continuidade são as oposições. 3) Fixados ambos, desta maneira, nada é mais admissível para a representação que deixar flutuar, na continuidade que é, os átomos, ora separados ora unidos, de maneira tal que sua unificação é apenas uma relação superficial, uma síntese que não é determinada pela natureza do que foi unido, mas onde, no fundo, estes entes que são em si e para si ainda permanecem separados — nenhuma relação neles mesmos, mas isolamento.

Mas isto é comportamento inteiramente exterior; independentes, são ligados como independentes, permanecem independentes, sendo assim apenas uma união mecânica. Tudo que é vivo, espiritual etc., é, assim, apenas unificação. Aqui mostra-se logo toda a precariedade. Mesmo ainda bem recentemente, principalmente através de Gassendi, foi renovada esta representação de átomos. Mas o mais grave é que assim se dá independência aos átomos, molécules, pequenas partículas etc., tornando-se a unidade apenas mecânica; os átomos unificados permanecem reciprocamente exteriores, o laço que os une é apenas exterior — é uma pura justaposição.

Por mais precária que seja esta representação, não devemos nós I acrescentar o que é afirmado ultimamente, isto é, que um dia houve no tempo um tal caos, que houve um vazio cheio de átomos, que então depois se combinaram e ordenaram de tal modo que disto tenha surgido este mundo; pois o fato é, ainda agora e sempre, que o que-é-em-si é o vazio e o pleno. Justamente este é o lado satisfatório que a investigação da natureza encontrou em tais pensamentos, isto é, que nisto o ente é em sua oposição como pensado e é pensado enquanto oposto, e com isto é pensado como ente que é em si e para si. A atomística opõe-se como tal à representação de uma criação e conservação do mundo por um ser estranho. A investigação da natureza sente-se primeiro libertada, na atomística, pelo fato de não precisar aceitar uma causa do mundo. Pois, se o mundo é representado como criado e conservado, ele é representado como não sendo em si e tem seu conceito fora de si; isto é, ele possui uma causa estranha a ele, como tal ele não tem fundamento, só sendo compreensível a partir da vontade de um outro; assim como é, o mundo é contigente, sem necessidade e sem conceito em si. Na representação da atomística, porém, existe a representação do em-si da natureza como tal, isto é, o pensamento encontra-se a si mesmo nele; e isto é o que traz satisfação para o conceito justamente compreendê-lo, e pô-lo como conceito. Nos seres abstratos, a natureza tem a razão em si mesma, é simples, é para si. O ser sensível determinado, oposto a um ou enquanto oposto à consciência, deve ter uma razão: a causa é o oposto, a razão da unidade desta oposição — sua própria determinação. O átomo e o vazio são conceitos simples. Porém, muito mais que este aspecto formal — o fato de terem sido levantados princípios simples absolutamente universais, a oposição do um e da continuidade, o fato de o pensamento neles se encontrar, na natureza, ou o fato de a essência ser algo pensado em si — mais que este aspecto formal nele não se pode ver nem achar.

Se partirmos de uma visão da natureza mais ampla, mais rica e exigirmos que também ela seja compreendida a partir da atomística, a satisfação logo termina; vê-se logo o inconseqüente, o insuficiente, para, de algum modo, com ela poder progredir. Mas em si é preciso logo ultrapassar estes pensamentos. A oposição de continuidade e descontinuidade é o primeiro; são, porém, momentos do puro pensamento que este também deve logo ultrapassar. Pois estes negativos, estes um, não são em si para si; os átomos são indistinguíveis, iguais em si, ou sua essência é posta como pura continuidade — eles juntam-se, pelo contrário, num amontoado, e isto de modo imediato. A representação, sem dúvida, mantém-nos separados, dá-lhes um ser representado sob o ponto de vista sensível; mas são iguais, sendo a pura continuidade — o mesmo que é o vazio.

Mas o que é, é determinado concretamente. Donde vem esta determinidade, como cor, forma? Isto é algo inteiramente exterior e casual. Sente-se a falta da distinção determinada; o um, enquanto ser-para-si, perde toda determinidade. Se se admitem diversas matérias, elétricas, magnéticas, matéria de luz, girar mecânico das molécules, então não se tem 1) preocupação alguma pela unidade, 2) não se diz palavra alguma racional sobre a passagem dos fenômenos — apenas restam tautologias.

c) Leucipo e Demócrito queriam ir mais longe; surgiu assim a relação, isto é, a supressão destes átomos, de seu ser-em-si-e-para-si. Que se queira explicar uma planta. Donde vem a determinação? Como se quer conceber a diferença a partir destes princípios? (No mundo político vem da vontade particular.) Em Leucipo, surgiu então a necessidade de uma diferença mais determinada que esta superficial diferença de união-separação; procurou introduzir a distinção, acrescentando mais determinações aos átomos. É por isso que justamente são postos como desiguais e sua diferença é afirmada também como infinita. Leucipo procura determinar esta diferença mais claramente de três maneiras. Aristóteles cita172 que ele teria dito que os átomos são distintos 1) segundo a figura, como A de N; 2) pela ordem (lugar), como AN de NA; 3) pela posição, se estão em posição ereta ou se estão deitados, como Z e N. Daí viriam todas as diferenças. Vemos que também isto são novamente determinações exteriores, determinações indiferentes. Figura, ordem, posição são relações não essenciais — relações que não atingem a natureza da coisa em si, mas cuja unidade e relação estão apenas em um outro — indiferentes, não pelo conceito, relacionado com sua essência, o ser, indiferentes dos mesmos. Para si esta distinção já é inconseqüente. Os átomos são o um absolutamente simples; são, comparados entre si, perfeitamente iguais; de figura e ordem nem se pode falar aqui; são entre si plenamente iguais, nem são capazes de uma tal diferença; portanto, sua posição não é diferença. Estas determinações; mas o simples é, enquanto aceito como independente — em matérias.
172             Afeto/., I, 4.

Aristóteles diz de Leucipo173 "que ele queria aproximar o pensamento do fenômeno e da percepção sensível", afirmando que o nada tanto é como o ser, e isto está necessariamente no conceito; "e ele representou assim como ente, o movimento, o surgir e o desaparecer; devir que também é para a intuição sensível, também é em si, como uma separação e união dos átomos, do simples, do ente que é em si e para si. Mas isto não acontece, com efeito, nos átomos mesmos, mas em algo estranho neles; porque eles são puramente autônomos e sua essência não é o processo. Mas, quando avança e diz que o átomo tem forma em si, ele também consegue aproximar, assim, a essência da intuição sensível, mas não do conceito. E preciso avançar em direção da figuração, mas até lá há ainda um longo caminho, o caminho da determinação da continuidade e da separação.
173             Sobre a Geração e Corrupção, l, 8.


Leucipo limita a isto qualquer outra determinação; todas as outras determinações devem ser compreendidas a partir destas. Assim vemos, por exemplo, aduzida a determinação da figura. Aristóteles diz:174 "Demócrito e a maioria dos antigos filósofos são muito desajeitados quando falam do sensível, na medida em que querem tornar palpável tudo o que pode ser sentido; pois reduzem tudo ao sentido do tato".
174             Sobre a Sensação, cap. 4.

Todas as qualidades sensíveis "são reduzidas à figura", à diversa combinação de moléculas, que torna algo passível de ter gosto, de poder ser cheirado. O preto e o branco são tão diferentes, dizem eles, porque: "O preto é o áspero e o branco é o liso" — tentativa que também fez a atomística dos novos tempos. É o impulso da razão, só a maneira é falsa; um tal arranjo de molécules é uma generalidade indeterminada que nada diz. Este princípio material é mecânico; os franceses, desde Descartes, estão deste lado. Todo concreto é apenas justaposição exterior, não há nenhuma determinidade imanente; a passagem para mais determinações mecânicas não é possível ou mostra-se precária, vazia e sem sentido. Nestas determinações desta filosofia reside a distinção entre qualidades essenciais e inessenciais — primárias e secundárias —, uma das quais aquelas também parecem que dizem que a matéria é autônoma e que tem peso.

Vemos ainda que Leucipo ousou uma construção do mundo a partir destes princípios dos átomos e do vazio que parece estranha. Mas com isto pouco se pode fazer, a não ser constatar sua precariedade. (......)

Já foi lembrado que Demócrito assumiu inteiramente o sistema de Leucipo. Disse ele: "Por convenção (nómôi) existe o quente, por convenção existe o frio, por convenção existe a cor, o doce e o amargo; segundo a verdade (eteei), existe apenas o que é indivisível e o vazio".175 Narra-se, não há dúvida, que ele teria ampliado o pensamento de Leucipo; sobre isto se conservou alguma coisa, mas não vale a pena citá-la.
175             Sexto Empírico, Contra os Matemáticos, VII, § 135.

"A alma se constitui de átomos esféricos."176 Sabemos ainda que se ocupou com o estado de coisas da consciência, procurando explicar, entre outras coisas, a origem das sensações. Com ele também começou a idéia de que das coisas se depreendem tênues superfícies que penetram nos olhos e nos ouvidos etc.177 Mas nada se diz sobre como os momentos — a figura, ordem e posição que são as únicas determinações do que é-em-si — são percebidos como cor e cores distintas etc.
176             Aristóteles, Da Alma, I, 2.
177             Plutarco, Das Sentenças dos Filósofos, IV, 8.

O que aqui apenas se vê é que 1) a realidade fica com seu direito, enquanto outros apenas falam de ilusão, e 2) que a aspiração da razão é compreender os fenômenos, aquilo que foi percebido.

Vemos que Demócrito expressou, de modo mais determinado, a diferença dos momentos do ser-em-si e do ser-para-outro. Pois em si é apenas o vazio e indivisível e suas determinações: para um outro é ser indiferente, o calor etc. Mas com isto se abrem, ao mesmo tempo, as portas para o mau idealismo, idealismo que pensa ter resolvido o problema do objetivo quando o consegui pôr em relação com a consciência e dele apenas diz: é minha sensação, minha. Com isto, sem dúvida, está sobressumida a particularidade sensível, na forma do ser, mas permanece ainda a mesma multiplicidade sensível; é posta uma multiplicidade sensível, destituída de conceito, da sensação, na qual não há nada de razão; e com esta multiplicidade este idealismo não mais se preocupa.

(Preleções sobre a História da Filosofia, pp. 354-368) 2. J. Burnet - Trad. de Arnildo Devegili

PARÂGRAFO 76 — A última parte de nossa história encerra-se com Leucipo, o fundador do atomismo, visto ter sido ele quem realmente respondeu à questão de Tales.178 Quase nada se sabe a respeito da sua vida; seu livro parece ter sido inserido nas obras colecionadas de Demócrito. Tem-se a impressão de que escritor algum, após Teofrasto, fora capaz de diferençar o ensinamento dele do de seu discípulo mais famoso.
178             Aurora da Filosofia Grega, segunda edição, §§ 171 e ss.

Chegou-se a negar, na verdade, a sua existência real, embora sobre fundamentos totalmente insuficientes. É certo que Aristóteles e Teofrasto o consideravam como o verdadeiro autor da teoria atômica, e é impossível que tenham se enganado em tal assunto, particularmente Teofrasto, que fez distinção, em alguns pontos, entre as doutrinas de Leucipo e Demócrito.

Teofrasto mostrou-se indeciso ao afirmar se Leucipo era natural de Mileto ou de Eléia. A última alternativa alicerça-se sem dúvida na afirmação de que ele fora discípulo dos eleatas e, especialmente, de Zenão. Veremos que isto é confirmado plenamente por tudo o que sabemos sobre a origem da sua doutrina; e podemos inferir, com certa probabilidade, que ele era de Mileto, tendo sofrido influência de Parmênides em Eléia ou em qualquer outra parte. Não é provável que tenha estado em Atenas, porquanto não há indícios de que a teoria atômica bem conhecida em Atenas até a época de Aristóteles. Platão, em particular, não parece fazer alusão à teoria, embora ela lhe teria, com certeza interessado se a tivesse conhecido.

Parágrafo 77 — Aristóteles, que na falta de Platão é a nossa autoridade principal no que diz respeito ao atomismo, apresenta um relato perfeitamente claro e inteligível da maneira como surgiu. Tem-se a impressão de que ele estava ansioso para fazer uma declaração mais estritamente histórica do que a usual, pois na Academia muito pouco se conhecia sobre o atomismo. Segundo ele, originou-se do fato de os eleatas negarem o vazio, donde se deduziu serem impossíveis a multiplicidade e o movimento. Leucipo achou ter descoberto a teoria que evitaria esta conseqüência. Admitiu que não poderia haver movimento se não houvesse o vazio, e concluiu que era falso identificar o vazio com o não-existente.

O que não é (tò mè ón), no sentido de Parmênides, é exatamente tanto quanto o que é (tò ón). Em outras palavras, Leucipo foi o primeiro filósofo a afirmar, com plena consciência do que estava fazendo, a existência do espaço vazio. O vazio dos pitagóricos era identificado mais ou menos com o "ar", ao passo que o vazio de Leucipo era realmente um vácuo.179
179             A origem aristotélica do atomismo como proveniente do eleatismo tem sido contestada, especialmente por Gomperz. É verdade realmente que Leucipo de Mileto estava preocupado em defender a antiga cosmologia jônica e, em particular, salvar, tanto quanto pudesse, a filosofia de Anaxímenes. Anaxágoras agiu da mesma maneira (parágrafo 61). Isto, porém, não tem relação com o ponto em questão. Teofrasto afirmou claramente que Leucipo foi membro da escola de Parmênides e Zenão.

Além do espaço havia corpo, ao qual Leucipo atribuiu todas as caraterísticas do real dos eleatas. Estava pleno (nastón), ou, em outras palavras, não existia nele espaço vazio, mas não era único. Entretanto, devido à aceitação da hipótese do espaço vazio, foi possível afirmar que havia um número infinito de tais reais, invisíveis por serem de tamanho diminuto, mas cada um possuindo todos os sinais do real único dos eleatas, e em particular cada um indivisível (átomon) como este. Movem-se no espaço vazio, e as suas combinações podem dar origem às coisas que percebemos com os sentidos. O pluralismo, pelo menos, foi afirmado de um modo lógico e coerente. Conforme vimos (parágrafo 68), Melisso já havia insinuado que, se as coisas são muitas, cada uma delas deveria ser tal como ele julgou o Uno realizável. tencionou com isso levar a uma reductio ad absurdum do pluralismo, mas Leucipo o acatou e fundamentou sobre ele o seu sistema.

Parágrafo 78 — A natureza do movimento original que Leucipo atribuiu aos átomos foi muito discutida. Em época posterior, os epicureus afirmavam que todos os átomos estão caindo eternamente pelo espaço infinito, e por isso era difícil para eles explicar como os átomos poderiam estar em contato uns com os outros. Não há necessidade de atribuir esta concepção não científica aos primeiros atomistas. Em primeiro lugar, como veremos, não reputavam o peso como uma propriedade primária dos átomos; em segundo lugar, dispomos de provas de que Demócrito afirmou que não havia em cima ou embaixo, meio ou fim no vazio infinito.180
180             Cícero, Sobre os Fins, I, 17; Diógenes Laércio, IX, 44.
181             Aristóteles criticou tudo isto do ponto de vista da sua própria teoria do peso e leveza absolutos, resultando nos "movimentos naturais" dos elementos para cima e para baixo, conforme o caso, e a doutrina de Epicuro é provavelmente um resultado desta crítica. Mesmo Epicuro, porém, teve o mérito de prescindir da teoria da leveza absoluta de Aristóteles. Podemos, por conseguinte, considerar que o movimento original dos átomos ocorre em todas as direções e veremos que isto só será tomado em conta para a formação dos universos. Demócrito comparou os movimentos dos átomos da alma com as partículas no raio de sol que se movem rápida e bruscamente para cá e para lá em qualquer direção, mesmo quando não há vento,181 e, com razão, é de supor que ele considerou o movimento original dos outros átomos de idêntica maneira.
182             Aristóteles, Da Alma, 403 b, 31.

Parágrafo 79 — Os átomos não são matematicamente indivisíveis como as mônadas dos pitagóricos, mas são fisicamente indivisíveis, pelo fato de não existir neles espaço vazio. Teoricamente, então, não há motivo por que um átomo não possa ser tão grande como um universo. Tal átomo seria a mesma coisa que a Esfera de Parmênides, não fosse por causa do espaço vazio fora dela e a pluralidade de universos. Porém, a verdade é que todos os átomos são invisíveis. Isto não quer dizer, naturalmente, que todos eles sejam do mesmo tamanho, pois há lugar para uma variedade infinita de tamanhos aquém do limite do minimum visibile (mínimo visível).

Leucipo explicou o fenômeno do peso de acordo com o tamanho dos átomos e as suas combinações, mas não considerou o peso como uma propriedade primária dos corpos. Aristóteles afirma claramente que nenhum dos seus predecessores disse algo com referência ao peso e leveza absolutos, mas apenas ao peso e leveza relativos, sendo Epicuro o primeiro a atribuir peso aos átomos. Para os primeiros atomistas, o peso é somente um fenômeno secundário, originando-se, para de uma certa maneira ser explicado, do excesso de grandeza182 Note-se que a respeito os primeiros atomistas eram de longe mais científicos do que Epicuro e mesmo do que Aristóteles. A concepção de peso absoluto não existe em ciência, e é realmente um dos mais notáveis exemplos do verdadeiro talento científico dos filósofos gregos, que ninguém, antes de Aristóteles, jamais o utilizou, enquanto Platão o rejeitou expressamente.
183             Não pode haver dúvida de que se trata de massa, pois a physis (natureza) de todos os átomos é idêntica e cada átomo é um continuum (série contínua).

Parágrafo 80 — As diferenças entre os grupos de átomos são devidas à combinação e à posição. Não é certo se o exemplo das letras do alfabeto cotizado por Aristóteles foi dado por Leucipo ou Demócrito, mas, seja como for, é provavelmente de origem pitagórica, pois explica satisfatoriamente o emprego da palavra stoikheion no sentido de elemento, e isso encontra-se em Platão que, creio eu, não conhecia nada de atomismo. Porém, isto é provável; os pontos de semelhança entre o pitagorismo e o atomismo haviam sido apontados já por Aristóteles, que chegou a ter um conhecimento imediato sobre o assunto. "Leucipo e Demócrito", diz ele, "implicitamente representam todas as coisas também em números e as produzem a partir de números." Não vejo como esta afirmação possa ter algum sentido, a não ser que consideremos os números pitagóricos como modelos ou "números figurados", e, neste caso é ainda mais surpreendente que Demócrito tenha chamado os átomos de "figuras" ou "formas" (ideai)- A idéia do vazio também é pitagórica, embora, como vimos, não foi formulada com precisão antes de Leucipo. É, então, extremamente difícil dizer que os átomos são mônadas pitagóricas dotadas das propriedades da realidade de Parmênides, e que os elementos que surgem das várias posições e combinações dos átomos são, até aqui, como os "números" dos pitagóricos. De qualquer forma, tal parece ser a opinião de Aristóteles, se bem que teríamos ficado satisfeitos se ele mesmo tivesse dado uma explicação mais completa.

Parágrafo 81 — O primeiro efeito do movimento do átomo é que os átomos maiores se retardam, não porque são "pesados", mas pelo fato de estarem mais expostos a se chocar do que os menores. De modo particular, os átomos de forma irregular se envolvem uns com os outros e formam grupos de átomos que estão ainda mais expostos a se chocar e a conseqüente retardamento. Os átomos menores e os mais redondos, por outro lado, mantêm melhor os seus movimentos originais, e estes são os átomos dos quais é composto o fogo. Note-se que é simplesmente tomado por certo que o movimento original há de persistir, a menos que algo aja sobre ele, retardando-o ou fazendo-o parar. Para Aristóteles isto lhe parecia inacreditável, e a verdade teve de ser redescoberta e firmemente fundamentada por Galileu e Newton. Foi realmente a suposição de toda a filosofia grega mais primitiva. Antes da época de Parmênides, era o repouso e não o movimento o que exigia explicação, e, agora que Leucipo descobrira um meio para desvencilhar-se da conclusão de Parmênides, foi-lhe possível dar novamente atenção à concepção mais antiga.

Parágrafo 82 — Em um vazio infinito, no qual um número infinito de átomos de incontáveis formas e tamanhos está constantemente se chocando um contra o outro em todas as direções, há um número infinito de lugares onde se estabelece, pelo seu impacto, um movimento em turbilhão. Quando isso ocorre, temos o começo de um universo. Não é correto atribuir isto à casualidade, como fazem mais tarde os escritores. Decorre necessariamente das pressuposições do sistema. O único fragmento de Leucipo que possuímos sobre isso afirma que "nada acontece em vão, mas tudo por uma razão (logos) e por necessidade". Note-se que a teoria do turbilhão derivou daquela de Anaxágoras (parágrafo 60), que, por sua vez, foi um desenvolvimento da antiga doutrina jônica. Até aqui muito bem, verificamos que Leucipo era de Mileto, porém ele estudara o assunto muito mais atentamente do que o seu antecessor. Anaxágoras pensou que a analogia de um estilingue pudesse aplicar-se e que os corpos maiores ou mais "pesados" por isso pudessem ser impelidos para a distância mais afastada do centro. Leucipo não tomou em conta o peso, de modo geral, como uma propriedade, a qual não é primordial, mas se origina apenas quando o turbilhão já se tenha formado. Ele, por isso, observou antes o que acontece no caso de corpos num redemoinho de vento ou água, e verificou que os corpos maiores tendiam rumo à parte central.

Parágrafo 83 — O primeiro efeito do movimento em turbilhão assim estabelecido é agrupar aqueles átomos semelhantes em forma e tamanho, e esta é a origem dos quatro "elementos", a saber, o fogo, o ar, a terra e a água. Este processo foi ilustrado pela imagem da peneira que reúne todos juntos os grãos de painço, trigo e cevada. Como esta imagem se encontra também no Timeu de Platão (52 e), provavelmente é de origem pitagórica. Uma outra imagem é aquela das ondas separando os seixos numa praia e amontoando as pedras alongadas com as alongadas e as arredondadas com as arredondadas. Neste processo os átomos mais leves são impelidos para a periferia, enquanto os maiores para o centro. Para compreender, devemos ter em mente que todas as partes do turbilhão entram em contato (epípsausis) umas com as outras, e é deste modo que o movimento das partes externas é transmitido às internas. Os corpos maiores oferecem mais resistência (antéreisis) a este movimento transmitido do que os menores, simplesmente porque eles são maiores e, por isso, mais expostos a impactos em diferentes direções que neutralizam o movimento em turbilhão. Desta maneira, eles forçam o seu caminho em direção ao centro onde o movimento é menor, ao passo que os corpos menores são espremidos rumo à periferia onde o movimento é maior. Esta é a explicação do peso, que não é uma "qualidade oculta", mas é originário de causas puramente mecânicas.

Parágrafo 84 — Quando entramos em detalhes, verificamos que Leucipo se revelou um verdadeiro jônio. Seus mestres eleatas, sem dúvida, fizeram-no desistir do conceito de cosmologia dos pitagóricos; contudo, não puderam lhe oferecer algo melhor. Era, então, natural que ele se voltasse para as teorias do seu concidadão Anaxímenes, e o pouco que sabemos sobre o seu sistema mostra que assim o fez, como Anaxágoras houvera feito antes dele. Rejeitou deliberadamente a descoberta dos pitagóricos de que a terra era esférica, cuja descoberta não ignorava, e ensinou que tinha forma "de um tamborim", repousando no ar. O motivo por que ela se inclinou para o sul foi que o calor lá tornou o ar mais rarefeito, e, por isso, menos capaz de sustentá-la. Com efeito, os atomistas recusaram a teoria da terra segundo os pitagóricos, e foi somente graças à fusão entre a cosmologia oriental e ocidental, em Atenas, que finalmente se estabeleceu a nova conceituação. Embora Aristóteles achasse que a terra estava no centro do universo, nunca lhe ocorreu duvidar da forma esférica dela.

Parágrafo 85 — Não vale a pena acompanhar em pormenores a aplicação da teoria atômica aos fenômenos particulares, e a explicação atômica da sensação e do conhecimento é melhor retê-la até falarmos de Demócrito, a quem é devida principalmente. Tudo o que temos mais a dizer aqui é que Leucipo respondera à pergunta de Tales no sentido em que Tales havia formulado a pergunta, e nenhum progresso ulterior foi possível nesta linha. Antes que isso pudesse ocorrer, foi necessário dirigir a atenção para os problemas afins do conhecimento e do comportamento, e veremos no livro seguinte como isto aconteceu. A elaboração completa da teoria mecânica do universo, que agora tinha sido dada, levou a ciência a uma paralisação durante certo tempo, e provocou também uma revolta contra a cosmologia. De uma parte, foi devido aos peritos nas ciências particulares, especialmente a medicina, os quais tinham aversão às vastas generalizações dos cosmólogos e afirmavam o direito de cada ciência ocupar-se com o seu campo específico. O tratado de Hipócrates, Medicina Antiga (cujo sentido é a arte da medicina baseada na experiência e observação, em contraste com as teorias médicas de então da escola de Empédocles e outros), é a melhor prova disto. De outra parte, havia uma revolta contra as ciências que procediam de homens cujo interesse principal estava na vida prática. Como podemos saber se estas coisas são verdadeiras, diziam eles, e mesmo que o sejam, que importância têm para nós? Estas duas questões somente podem ser tratadas através de uma teoria do conhecimento e uma teoria do comportamento.

(Filosofia Grega, cap. IV, "Leucipo")



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