FLORESCEU CERCA DE 430
A.C
Leucippus (5th cn. B.C.E.)
Leucippus was the founder of Atomism. We know next to nothing about his
life, and his book appears to have been incorporated in the collected works of
Democritus. No writer subsequent to Theophrastos seems to have been able to
distinguish his teaching from that of his more famous disciple. Indeed his very
existence has been denied, though on wholly insufficient grounds.
Aristotle gives a clear and intelligible account of the way Leucippus'
theory arose. It originated from Parmenides' denial of the void, from which the
impossibility of multiplicity and motion had been deduced. Leucippus supposed
himself to have discovered a theory which would avoid this consequence. He admitted
that there could be no motion if there was no void, and he inferred that it was
wrong to identify the void with the non-existent. Leucippus was the first
philosopher to affirm, with a full consciousness of what he was doing, the
existence of empty space. The Pythagorean void had been more or less identified
with 'air', but the void of Leucippus was really a vacuum.
Besides space there was body, and to this Leucippus ascribed all the
characteristics of Parmenides notion of the real. The assumption of empty
space, however, made it possible to affirm that there was an infinite number of
such reals, invisible because of their smallness, but each possessing all the
marks of the Parmenidean One, and in particular each indivisible like it. These
moved in the empty space, and their combinations can give rise to the things we
perceive with the senses. Pluralism was at least stated in a logical and
coherent way. Democritus compared the motions of the atoms of the soul to that
of the particles in the sunbeam which dart hither and thither in all directions
even when there is no wind, and we may fairly assume that he regarded the
original motion of the other atoms in much the same way.
The atoms are not mathematically indivisible like the Pythagorean
monads, but they are physically indivisible because there is no empty space in
them. Theoretically, then, there is no reason why an atom should not be as
large as a world. Such an atom would be much the same thing as the Sphere of
Parmenides, were it not for the empty space outside it and the plurality of
worlds. As a matter of fact, however, all atoms are invisible. That does not
mean, of course, that they are all the same size; for there is room for an
infinite variety of sizes below the limit of the minimum visible. Leucippus
explained the phenomenon of weight from the size of the atoms and their
combustions, but he did not regard weight itself as a primary property of
bodies. Aristotle distinctly says that none of his predecessors had said
anything of absolute weight and lightness, but only of relative weight and
lightness, and Epicurus was the first to ascribe weight to atoms. Weight for
the earlier atomists is only a secondary phenomenon arising, in a manner to be
explained, from excess of magnitude. It will be observed that in this respect
the early atomists were far more scientific than Epicurus and even than
Aristotle. The conception of absolute weight has no place in science, and it is
really one of the most striking illustrations of the true scientific instinct of
the Greek philosophers that no one before Aristotle ever made use of it, and
Plato expressly rejected it.
The first effect of the motion of the atoms is that the larger atoms are
retarded, not because they are 'heavy', but because they are more exposed to
impact than the smaller. In particular, atoms of an irregular shape become
entangled with one another and form groups of atoms, which are still more
exposed to impact and consequent retardation. The smallest and roundest atoms,
on the other hand, preserve their original motions best, and these are the
atoms of which fire is composed. In an infinite void in which an infinite
number of atoms of countless shapes and sizes are constantly impinging upon one
another in all directions, there will be an infinite number of places where a
vortex motion is set up by their impact. when this happens, we have the
beginning of a world. It is not correct to ascribe this to chance, as later
writers do. It follows necessarily from the presuppositions of the system. The
solitary fragment of Leucippus we possess is to the effect that 'Naught happens
for nothing, but all things from a ground (logos) and of necessity'.
Author Information
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DADOS
BIOGRÁFICOS
LEUCIPO
NASCEU provavelmente em Mileto (segundo outros, em Eléia ou Abdera). É
contemporâneo de Anaxágoras, dos sofistas e de Sócrates. Segundo uns, teve como
mestre a Zenão; segundo outros, a Melisso. E freqüentemente associado a
Demócrito. Aristóteles considera Leucipo o criador da teoria dos átomos, depois
desenvolvida e elaborada por Demócrito. — Atribui-se-lhe a autoria de duas
obras: A Grande Ordem do Mundo e Sobre
o Espírito. A última, no entanto, pode ter
sido apenas uma seção da primeira.
A -
FRAGMENTOS
Trad. de José Cavalcante de Souza
1. AQUILES,
Introdução, 1, 13 (DK 67 B 1).
A. GRANDE
ORDEM DO MUNDO (título de um livro
atribuído a Demócrito em Aquiles, Introdução, 2, 13).
Ia. Papiro Hercul. 1788 (DK 67 B Ia). Átomos (i. e., não-cortáveis), maciços (i. e.,
unidades), grande vazio, seção, ritmo (i. e., forma), contato, direção,
entrelaçamento, turbilhão (termos encontrados num papiro restaurado, em que Demócrito é
acusado de plagiar A Grande Ordem do Mundo de Leucipo).
2. AÉCIO, I,
24, 4 (DK 67 B 2). Diz (Leucipo) no
livro Sobre o Espírito: Nenhuma coisa se engendra ao acaso, mas todas (a
partir) de razão166 e por necessidade.
166 No
grego, logos. (N. do T.)
1. Georg W.
F. Hegel
Trad. de Ernildo Stein
LEUCIPO É FUNDADOR do célebre sistema atomístico, o qual, novamente despertado
em tempos bem recentes, valeu como o princípio da pesquisa natural racional. Se
tomarmos este sistema por si, ele é, sem dúvida, precário, e pouca coisa nele
pode ser encontrada. Mas deve ser atribuído como grande mérito a Leucipo o fato
de ele ter, como é expresso em nossa física corrente, distinguido as qualidades
universais dos corpos das coisas sensíveis. A qualidade universal chama-se
especulativa, pelo fato de ele ter determinado o elemento corpóreo através do
conceito ou pelo fato de ter determinado a essência do corpo, efetivamente de
modo universal; Leucipo concebeu a determinidade do ser não daquele modo
superficial, mas de maneira especulativa. Quando se diz que o corpo possui esta
qualidade universal, por exemplo, a figura, a impenetrabilidade, o peso, então
a gente imagina que a representação indeterminada "corpo" é a
essência e sua essência algo diferente que estas qualidades. Mas, sob o ponto
de vista especulativo, a essência são justamente as determinações universais,
ou elas são o conteúdo abstrato e a realidade da essência. Ao corpo nada resta
enquanto tal para a essência que a pura individualidade — sendo esta a
determinação da essência. Mas ele é unidade de opostos, e a unidade enquanto
unidade destes predicados constitui sua essência, ou elas são essencialidades —
os conceitos universais são essência ou são entes em si.
Lembremo-nos de que já vimos que na filosofia
eleática o ser e o não-ser se apresentam como oposição: só o ser é, o não-ser
não é. Para o lado do não-ser cai tudo que é negativo enquanto tal, como o
movimento, a mudança, o pensar etc. — tudo isto são determinações que são
suprimidas, quando se afirma que apenas o ser é. Ser ainda não é a unidade a
caminho do retorno a si ou já definitivamente retornado, como o movimento de
Heráclito e o universal. Do lado do qual se afirma que, na
percepção sensível imediata, caem a diferença, a mudança, o movimento etc.,
pode ser dito que a afirmação de que é apenas o ser tanto contradiz aos olhos
como ao pensamento. Pois é este nada que os eleatas suprimiram; possuem estes
dois momentos, ambos têm valor igual. Ou, na idéia de Heráclito, ser e não-ser
são o mesmo. Isto esclarece a significação seguinte, se a separarmos novamente
desta unidade: O ser é, mas o não-ser, já que é um com o ser, também é do mesmo
modo; ou ser é tanto predicado do ser como do não-ser. E isto que afirma
Leucipo; o que, na verdade, estava presente nos eleatas, Leucipo afirma como
sendo ente.
O ser e o não-ser, porém, ambos expressos com a
determinação de algo objetivo ou como são na intuição sensível, são, então, a
oposição do pleno e do vazio (tò pléres
kaì tò kenón). O vazio é o nada posto como ente; o pleno, porém, a ele
oposto, o ser posto como objeto enquanto tal. Isto são essências fundamentais e
produtos e todos167 — ser-para-outro e reflexão-em-si, apenas
sensível, não determinado em si; pois o pleno é igual a si mesmo como o vazio.
167
Aristóteles, Metafísica, 1, 4.
O pleno é indeterminado, possui o átomo como seu
princípio. O absoluto o átomo e o vazio (tà
átoma kai tò kenón); isto é uma determinação importante, ainda que
precária. O princípio, portanto, é que o átomo e o vazio são o verdadeiro, o
ente-em-si-e-para-si. Não apenas os átomos, como falamos, não apenas este um
sozinho, como nós o representamos, por exemplo, flutuando no ar — o que está
"entre" é do mesmo modo necessário, este nada; e isto eles
determinaram como o negativo, como o vazio. E isto então a primeira
manifestação do sistema atomístico.
Deste princípio em si mesmo devemos apontar agora,
mais exatamente, suas determinações, suas significações.
O primeiro é o um, a determinação do ser-para-si; esta determinação não
tínhamos ainda. Em Parmênides, é o ser, o universal abstrato; em Heráclito, o
processo; em Leucipo, encontramos agora a determinação do um, do ser- para-si.
Parmênides diz que o nada não é; em Heráclito, o ser e o nada estavam num
processo; Leucipo tem também o positivo como o um que-é-para-si o negativo como
o vazio.
O ser-para-sí é uma
determinação essencial e necessária do pensamento. O princípio atomístico não
passou, por este lado deve sempre ser. O um é agora e é sempre e deve aparecer
em cada filosofia lógica, como momento essencial,168 mas não como
último. A determinação concreta do um, da unidade, do ser é então aquela
segundo a qual o um é o ser-para-si; este é ser, simples relação consigo mesmo,
enquanto ser. Mas também é importante que o ser-para-si seja também determinado
de maneira mais rica; é relação consigo, através da negação do ser-outro.
Quando digo eu sou para mim, então não apenas sou, mas nego em mim todo o
resto, excluo-o de mim enquanto aparece como exterior. É a negação do ser-outro
— isto é negação contra mim. Assim o ser-para-si é negação da negação e esta é,
como eu designo, a negatividade absoluta. Eu sou para mim, então nego o
ser-outro, o negativo; esta negação da negação é, portanto, afirmação. Esta
relação comigo no ser-para-si é, assim, afirmativa, é ser, que do mesmo modo é
resultado, mediado através de um outro — mas através da negação do outro; nisto
está contida a mediação, mas uma mediação que igualmente foi sobressumida.
O ser-para-si é um grande princípio. O devir é apenas
a passagem do ser para o nada e do nada para o ser, onde tudo é negado; mas o
fato de algo ter sido posto, de ambos serem, simplesmente junto a si, isto é o
princípio do ser-para-si que em Leucipo se tornou consciência, determinação
absoluta. E o processo do ser, devir. Ao nível lógico, vem então primeiro o
existir.169 Este é, porém, o que aparece, a aparência; faz parte da
esfera do fenômeno e não pode assim tornar-se princípio da Filosofia. O
desenvolvimento da Filosofia na história deve corresponder ao desenvolvimento da
Filosofia lógica, mas nesta deve haver passagens que, no desenvolvimento na
história, desaparecem. Se se quisesse, por exemplo, transformar a existência
num princípio, então seria aquilo que nós temos na consciência: São coisas,
estas são relativas, elas estão aí, são finitas e possuem uma relação uma com a
outra; é a categoria de nossa consciência destituída de pensamento.
168
Lógica, liv.
I, seção 2, cap. 3; cf. parte 5, pág. 372 ss.
169
Lógica, liv.
I, seção 1, cap. 2; cf. parte 5, pág. 115 ss.
Em Leucipo vemos então aquele
princípio; é isto que importa. Em Leucipo o um é ainda o um abstrato. O
princípio é, sem dúvida, ainda muito abstrato, ainda que tenda a tornar-se
concreto; mas nisto as coisas caminham ainda muito precariamente. A
determinação essencial é o um em face da unidade, do ser; em outra forma, a
individualidade (o átomo é o individual, indivisível, a determinação da
subjetividade) — o universal em face da individualidade, da subjetividade. E
disto que se trata em todas as coisas; estas são as grandes determinações e a
gente apenas sabe o que possui nestas determinações precárias, quando também se
reconhece no concreto, que também aí são a coisa mais importante. Por exemplo,
na liberdade, no direito, na lei e na vontade, trata-se apenas desta oposição
de universalidade e particularidade. O espírito também é átomo, um; mas,
enquanto um em si, infinitamente pleno.
Em Leucipo e Demócrito esta determinidade permaneceu
física; aparece também no mundo do espírito. Na esfera da vontade pode surgir o
ponto de vista de que no Estado a vontade particular, enquanto átomo, é o
absoluto. Estas são as teorias mais novas sobre o Estado que também se fizeram
valer praticamente. O Estado deve repousar sobre a vontade universal, diz-se,
esta é a vontade que é em si para si ou a vontade do particular; o último é
atomístico, assim o Contrato Social de Rousseau. Tudo isto provém da
determinação do pensamento do um.
O princípio do um é totalmente ideal pertence
inteiramente ao pensamento, mesmo se se quisesse dizer que os átomos existem. O
átomo pode ser tomado de modo material, mas ele é não-sensível, puramente
intelectual; os átomos de Leucipo não são as moléculas, as partes minúsculas da Física. Aparece assim, em
Leucipo, a representação de que "os átomos são invisíveis" (aórata), de que
não podemos vê-los "por causa da pequenez de sua corporalidade",170 — como nos tempos atuais se
fala das molécules.
170 Aristóteles, Sobre a Geração e Corrupção, I, 8.
Mas isto é apenas um subterfúgio; o um não se pode
ver, porque é um elemento abstrato do pensamento. Com lentes e medidores não se
pode mostrar o átomo (o mesmo acontecendo com as qualidades sensíveis do ver e
ouvir); o que se mostra é sempre matéria que é composta. Assim quer-se, em
tempos recentes, investigar, através do microscópio, o interior — a alma —,
atingi-lo no elemento orgânico, particularmente vê-lo e senti-lo. O princípio
do um é, portanto, inteiramente ideal, não, porém, como se estivesse apenas na
mente, na cabeça, mas assim que o pensamento é a verdadeira essência das
coisas. Leucipo também o entendeu assim, e sua filosofia não é, de maneira
alguma, empírica. Tennemann diz, pelo contrário, bem erradamente: "O
sistema de Leucipo é o oposto do sistema eleático; ele reconhece o mundo da
experiência como o único real objetivo e os corpos como a única espécie de
seres". Mas o átomo e o vazio não são coisas da experiência. Leucipo diz:
Não é pelos sentidos que tomamos consciência do verdadeiro — idealismo no
sentido mais alto, não idealismo subjetivo.
b) "Indivíduo" é a tradução de
"átomo", ainda que assim apenas nos representemos, nisto,
imediatamente um singular concreto. Estes princípios devem ser altamente
respeitados, pois constituem um progresso, mas o aspecto insuficiente se
manifesta, tão logo avancemos mais com eles. A outra representação de tudo que
é concreto e efetivamente real é: "O pleno não é algo simples, mas é algo
infinitamente múltiplo. Estes infinitamente muitos
movem-se no vazio; pois o vazio é.
Sua combinação constitui o originar-se" — isto é, de uma coisa existente
que é para os sentidos — "a dissolução e separação constituem o
desaparecer". Todas as outras categorias têm seu lugar aqui. "A
atividade e passividade consistem no fato de tocarem-se; mas seu contato não
faz com que se tornem um, pois, daquilo que é realmente (abstratamente) um, não se origina uma multidão, nem daquilo que é realmente
(abstratamente) múltiplo se origina um." Ou: "Não são efetivamente
nem passivos nem ativos, estão relacionados entre si; isto é, são um entre si,
e não absolutamente muitos, isto é, em sua multiplicidade, em si e para si,
entes; mas a relação e separação, o vínculo da atividade e passividade são
unicamente o vazio" — algo puramente negativo para eles, quer dizer, o
estranho para eles; sua relação é algo diferente que eles. Assim, por exemplo,
quando conto uma, duas, três moedas etc.; isto não é atividade destas moedas
nem uma passividade; permanecem o que são, não é uma relação entre elas. Os
átomos, portanto, estão separados, mesmo na união aparente daquilo que chamamos
coisas, pelo vazio. Este vazio é também o princípio do movimento; os átomos
movem-se no vazio; e isto é como que uma solicitação deles a preencher este
vazio, a negá-lo. Isto são suas proposições.171
171 Ibiáem.
Vemos que estamos imediatamente nos limites destes
pensamentos; pois, onde se deveria falar de relação, saímos deles. 1)
Primeiramente o pensado é, como já
foi lembrado, o ser e o não-ser, e representados
como distintos em relação recíproca (pois em si não possuem diferença) o pleno
e o vazio — o ser e o não-ser postos para a consciência. 2) O pleno tem, porém,
do mesmo modo, a negatividade em si; é, enquanto um ser-para-si-mesmo um outro
para si, que exclui o resto; é um e infinitamente muitos um. O vazio, porém,
não é o que exclui, mas a pura continuidade; um e continuidade são as
oposições. 3) Fixados ambos, desta maneira, nada é mais admissível para a
representação que deixar flutuar, na continuidade que é, os átomos, ora
separados ora unidos, de maneira tal que sua unificação é apenas uma relação
superficial, uma síntese que não é determinada pela natureza do que foi unido,
mas onde, no fundo, estes entes que são em si e para si ainda permanecem
separados — nenhuma relação neles mesmos, mas isolamento.
Mas isto é comportamento inteiramente exterior;
independentes, são ligados como independentes, permanecem independentes, sendo
assim apenas uma união mecânica. Tudo que é vivo,
espiritual etc., é, assim, apenas unificação. Aqui mostra-se logo toda a
precariedade. Mesmo ainda bem recentemente, principalmente através de Gassendi,
foi renovada esta representação de átomos. Mas o mais grave é que assim se dá
independência aos átomos, molécules, pequenas partículas etc., tornando-se a
unidade apenas mecânica; os átomos unificados permanecem reciprocamente
exteriores, o laço que os une é apenas exterior — é uma pura justaposição.
Por mais precária que seja esta representação, não
devemos nós I acrescentar o que é afirmado ultimamente, isto é, que um dia
houve no tempo um tal caos, que houve um vazio cheio de átomos, que então
depois se combinaram e ordenaram de tal modo que disto tenha surgido este
mundo; pois o fato é, ainda agora e sempre, que o que-é-em-si é o vazio e o
pleno. Justamente este é o lado satisfatório que a investigação da natureza
encontrou em tais pensamentos, isto é,
que nisto o ente é em sua oposição como pensado e é pensado enquanto oposto, e
com isto é pensado como ente que é em si e para si. A atomística opõe-se como
tal à representação de uma criação e conservação do mundo por um ser estranho.
A investigação da natureza sente-se primeiro libertada, na atomística, pelo
fato de não precisar aceitar uma causa do mundo. Pois, se o mundo é
representado como criado e conservado, ele é representado como não sendo em si
e tem seu conceito fora de si; isto é, ele possui uma causa estranha a ele,
como tal ele não tem fundamento, só sendo compreensível a partir da vontade de
um outro; assim como é, o mundo é contigente, sem necessidade e sem conceito em si. Na representação da atomística,
porém, existe a representação do em-si da natureza como tal, isto é, o
pensamento encontra-se a si mesmo nele; e isto é o que traz satisfação para o
conceito justamente compreendê-lo, e pô-lo como conceito. Nos seres abstratos,
a natureza tem a razão em si mesma, é simples, é para si. O ser sensível
determinado, oposto a um ou enquanto oposto à consciência, deve ter uma razão:
a causa é o oposto, a razão da unidade desta oposição — sua própria
determinação. O átomo e o vazio são conceitos simples.
Porém, muito mais que este aspecto formal — o fato de terem sido levantados
princípios simples absolutamente universais, a oposição do um e da
continuidade, o fato de o pensamento neles se encontrar, na natureza, ou o fato
de a essência ser algo pensado em si — mais que este aspecto formal nele não se
pode ver nem achar.
Se partirmos de uma visão da natureza mais ampla,
mais rica e exigirmos que também ela seja compreendida a partir da atomística,
a satisfação logo termina; vê-se logo o inconseqüente, o insuficiente, para, de
algum modo, com ela poder progredir. Mas em si é preciso logo ultrapassar estes
pensamentos. A oposição de continuidade e descontinuidade é o primeiro; são,
porém, momentos do puro pensamento que este também deve logo ultrapassar. Pois
estes negativos, estes um, não são em si para si; os átomos são
indistinguíveis, iguais em si, ou sua essência é posta como pura continuidade —
eles juntam-se, pelo contrário, num
amontoado, e isto de modo imediato. A representação, sem dúvida, mantém-nos
separados, dá-lhes um ser representado sob o ponto de vista sensível; mas são
iguais, sendo a pura continuidade — o mesmo que é o vazio.
Mas o que é, é determinado concretamente. Donde vem
esta determinidade, como cor, forma? Isto é algo inteiramente exterior e
casual. Sente-se a falta da distinção determinada; o um, enquanto ser-para-si,
perde toda determinidade. Se se admitem diversas matérias, elétricas,
magnéticas, matéria de luz, girar mecânico das molécules, então não se tem 1) preocupação alguma pela unidade, 2)
não se diz palavra alguma racional sobre a passagem dos fenômenos — apenas
restam tautologias.
c) Leucipo e Demócrito queriam ir mais longe; surgiu
assim a relação, isto é, a supressão destes átomos, de seu ser-em-si-e-para-si.
Que se queira explicar uma planta. Donde vem a determinação? Como se quer
conceber a diferença a partir destes princípios? (No mundo político vem da
vontade particular.) Em Leucipo, surgiu então a necessidade de uma diferença mais determinada que esta
superficial diferença de união-separação; procurou introduzir a distinção, acrescentando mais determinações aos átomos. É por isso que
justamente são postos como desiguais e sua diferença é afirmada também como
infinita. Leucipo procura determinar esta diferença mais claramente de três
maneiras. Aristóteles cita172 que ele teria dito que os átomos são
distintos 1) segundo a figura, como A
de N; 2) pela ordem (lugar), como AN
de NA; 3) pela posição, se estão em
posição ereta ou se estão deitados, como Z e N. Daí viriam todas as diferenças. Vemos que também isto são
novamente determinações exteriores, determinações indiferentes. Figura, ordem,
posição são relações não essenciais — relações que não atingem a natureza da
coisa em si, mas cuja unidade e relação estão apenas em um outro —
indiferentes, não pelo conceito, relacionado com sua essência, o ser,
indiferentes dos mesmos. Para si esta distinção já é inconseqüente. Os átomos
são o um absolutamente simples; são, comparados entre si, perfeitamente iguais;
de figura e ordem nem se pode falar aqui; são entre si plenamente iguais, nem
são capazes de uma tal diferença; portanto, sua posição não é diferença. Estas
determinações; mas o simples é, enquanto aceito como independente — em
matérias.
172
Afeto/., I, 4.
Aristóteles diz de Leucipo173 "que
ele queria aproximar o pensamento do fenômeno e da percepção sensível",
afirmando que o nada tanto é como o ser, e isto está necessariamente no
conceito; "e ele representou assim como ente, o movimento, o surgir e o
desaparecer; devir que também é para a intuição sensível, também é em si, como
uma separação e união dos átomos, do simples, do ente que é em si e para si.
Mas isto não acontece, com efeito, nos átomos mesmos, mas em algo estranho
neles; porque eles são puramente autônomos e sua essência não é o processo. Mas, quando avança e diz
que o átomo tem forma em si, ele
também consegue aproximar, assim, a essência da intuição sensível, mas não do conceito. E preciso avançar
em direção da figuração, mas até lá há ainda um longo caminho, o caminho da
determinação da continuidade e da separação.
173
Sobre a Geração e Corrupção, l, 8.
Leucipo limita a isto qualquer
outra determinação; todas as outras determinações devem ser compreendidas a
partir destas. Assim vemos, por exemplo, aduzida a determinação da figura.
Aristóteles diz:174 "Demócrito e a maioria dos antigos
filósofos são muito desajeitados quando falam do sensível, na medida em que
querem tornar palpável tudo o que pode ser sentido; pois reduzem tudo ao
sentido do tato".
174
Sobre a Sensação, cap. 4.
Todas as qualidades sensíveis "são reduzidas à
figura", à diversa combinação de moléculas,
que torna algo passível de ter gosto, de poder ser cheirado. O preto e o branco
são tão diferentes, dizem eles, porque: "O preto é o áspero e o branco é o
liso" — tentativa que também fez a atomística dos novos tempos. É o
impulso da razão, só a maneira é falsa; um tal arranjo de molécules é uma generalidade indeterminada que nada diz. Este
princípio material é mecânico; os
franceses, desde Descartes, estão deste lado. Todo concreto é apenas
justaposição exterior, não há nenhuma determinidade imanente; a passagem para
mais determinações mecânicas não é possível ou mostra-se precária, vazia e sem
sentido. Nestas determinações desta filosofia reside a distinção entre
qualidades essenciais e inessenciais — primárias e secundárias —, uma das quais
aquelas também parecem que dizem que a matéria é autônoma e que tem peso.
Vemos ainda que Leucipo ousou uma construção do mundo
a partir destes princípios dos átomos e do vazio que parece estranha. Mas com
isto pouco se pode fazer, a não ser constatar sua precariedade. (......)
Já foi lembrado que Demócrito assumiu inteiramente o
sistema de Leucipo. Disse ele: "Por convenção (nómôi) existe o quente, por convenção existe o frio, por convenção
existe a cor, o doce e o amargo; segundo a verdade (eteei), existe apenas o que é
indivisível e o vazio".175
Narra-se, não há dúvida, que ele
teria ampliado o pensamento de Leucipo; sobre isto se conservou alguma coisa,
mas não vale a pena citá-la.
175
Sexto Empírico, Contra os Matemáticos, VII, § 135.
"A alma se constitui de átomos esféricos."176
Sabemos ainda que se ocupou com o estado de coisas da consciência, procurando
explicar, entre outras coisas, a origem das sensações. Com ele também começou a
idéia de que das coisas se depreendem tênues superfícies que penetram nos olhos
e nos ouvidos etc.177 Mas nada se diz sobre como os momentos — a
figura, ordem e posição que são as únicas determinações do que é-em-si — são
percebidos como cor e cores distintas etc.
176
Aristóteles, Da Alma, I, 2.
177
Plutarco, Das Sentenças dos Filósofos, IV, 8.
O que aqui apenas se vê é que 1) a realidade fica com
seu direito, enquanto outros apenas falam de ilusão, e 2) que a aspiração da
razão é compreender os fenômenos, aquilo que foi percebido.
Vemos que Demócrito expressou, de modo mais
determinado, a diferença dos momentos do ser-em-si e do ser-para-outro. Pois em
si é apenas o vazio e indivisível e suas determinações: para um outro é ser
indiferente, o calor etc. Mas com isto se abrem, ao mesmo tempo, as portas para
o mau idealismo, idealismo que pensa ter resolvido o problema do objetivo
quando o consegui pôr em relação com a consciência e dele apenas diz: é minha sensação, minha. Com isto, sem dúvida, está sobressumida a particularidade
sensível, na forma do ser, mas permanece ainda a mesma multiplicidade sensível;
é posta uma multiplicidade sensível, destituída de conceito, da sensação, na
qual não há nada de razão; e com esta multiplicidade este idealismo não mais se
preocupa.
(Preleções sobre a História da Filosofia, pp. 354-368) 2. J. Burnet - Trad. de Arnildo Devegili
PARÂGRAFO 76 — A última parte de nossa história
encerra-se com Leucipo, o fundador do atomismo, visto ter sido ele quem
realmente respondeu à questão de Tales.178 Quase
nada se sabe a respeito da sua vida; seu livro parece ter sido inserido nas
obras colecionadas de Demócrito. Tem-se a impressão de que escritor algum, após
Teofrasto, fora capaz de diferençar o ensinamento dele do de seu discípulo mais
famoso.
178
Aurora da Filosofia Grega, segunda edição, §§ 171 e ss.
Chegou-se a negar, na verdade, a sua existência real,
embora sobre fundamentos totalmente insuficientes. É certo que Aristóteles e
Teofrasto o consideravam como o verdadeiro autor da teoria atômica, e é
impossível que tenham se enganado em tal assunto, particularmente Teofrasto,
que fez distinção, em alguns pontos, entre as doutrinas de Leucipo e Demócrito.
Teofrasto mostrou-se indeciso ao afirmar se Leucipo
era natural de Mileto ou de Eléia. A última alternativa alicerça-se sem dúvida
na afirmação de que ele fora discípulo dos eleatas e, especialmente, de Zenão.
Veremos que isto é confirmado plenamente por tudo o que sabemos sobre a origem
da sua doutrina; e podemos inferir, com certa probabilidade, que ele era de
Mileto, tendo sofrido influência de Parmênides em Eléia ou em qualquer outra
parte. Não é provável que tenha estado em Atenas, porquanto não há indícios de
que a teoria atômica bem conhecida em Atenas até a época de Aristóteles.
Platão, em particular, não parece fazer alusão à teoria, embora ela lhe teria,
com certeza interessado se a tivesse conhecido.
Parágrafo 77
— Aristóteles, que na falta de Platão é a nossa autoridade principal no que diz
respeito ao atomismo, apresenta um relato perfeitamente claro e inteligível da
maneira como surgiu. Tem-se a impressão de que ele estava ansioso para fazer
uma declaração mais estritamente histórica do que a usual, pois na Academia
muito pouco se conhecia sobre o atomismo. Segundo ele, originou-se do fato de
os eleatas negarem o vazio, donde se deduziu serem impossíveis a multiplicidade
e o movimento. Leucipo achou ter descoberto a teoria que evitaria esta
conseqüência. Admitiu que não poderia haver movimento se
não houvesse o vazio, e concluiu que era falso identificar o vazio com o
não-existente.
O que não é (tò
mè ón), no sentido de Parmênides, é exatamente tanto quanto o que é (tò ón). Em outras palavras, Leucipo foi o
primeiro filósofo a afirmar, com plena consciência do que estava fazendo, a
existência do espaço vazio. O vazio dos pitagóricos era identificado mais ou
menos com o "ar", ao passo que o vazio de Leucipo era realmente um
vácuo.179
179
A origem aristotélica do atomismo como proveniente do
eleatismo tem sido contestada, especialmente por Gomperz. É verdade realmente
que Leucipo de Mileto estava preocupado em defender a antiga cosmologia jônica
e, em particular, salvar, tanto quanto pudesse, a filosofia de Anaxímenes.
Anaxágoras agiu da mesma maneira (parágrafo 61). Isto, porém, não tem relação
com o ponto em
questão. Teofrasto afirmou claramente que Leucipo foi membro
da escola de Parmênides e Zenão.
Além do espaço havia corpo, ao qual Leucipo atribuiu
todas as caraterísticas do real dos eleatas. Estava pleno (nastón), ou, em outras palavras, não existia nele espaço vazio,
mas não era único. Entretanto, devido à aceitação da hipótese do espaço vazio,
foi possível afirmar que havia um número infinito de tais reais, invisíveis por
serem de tamanho diminuto, mas cada um possuindo todos os sinais do real único
dos eleatas, e em particular cada um indivisível (átomon) como este. Movem-se no espaço vazio, e as suas combinações
podem dar origem às coisas que
percebemos com os sentidos. O pluralismo, pelo menos, foi afirmado de um modo
lógico e coerente. Conforme vimos (parágrafo 68), Melisso já havia insinuado
que, se as coisas são muitas, cada uma delas deveria ser tal como ele julgou o
Uno realizável. tencionou com isso levar a uma reductio ad absurdum do pluralismo, mas Leucipo o acatou e
fundamentou sobre ele o seu sistema.
Parágrafo 78 — A natureza do movimento original que
Leucipo atribuiu aos átomos foi muito discutida. Em época posterior, os
epicureus afirmavam que todos os átomos estão caindo eternamente pelo espaço infinito,
e por isso era difícil para eles explicar como os átomos poderiam estar em
contato uns com os outros. Não há necessidade de atribuir esta concepção não
científica aos primeiros atomistas. Em primeiro lugar, como veremos, não
reputavam o peso como uma propriedade primária dos átomos; em segundo lugar,
dispomos de provas de que Demócrito afirmou que não havia
em cima ou embaixo, meio ou fim no vazio infinito.180
180
Cícero, Sobre os Fins, I, 17; Diógenes Laércio, IX, 44.
181
Aristóteles criticou tudo isto do ponto de vista da sua
própria teoria do peso e leveza absolutos, resultando nos "movimentos
naturais" dos elementos para cima e para baixo, conforme o caso, e a
doutrina de Epicuro é provavelmente um resultado desta crítica. Mesmo Epicuro,
porém, teve o mérito de prescindir da teoria da leveza absoluta de Aristóteles.
Podemos, por conseguinte, considerar que o movimento original dos átomos ocorre
em todas as direções e veremos que isto só será tomado em conta para a formação
dos universos. Demócrito comparou os movimentos dos átomos da alma com as
partículas no raio de sol que se movem rápida e bruscamente para cá e para lá
em qualquer direção, mesmo quando não há vento,181 e, com razão, é de supor que
ele considerou o movimento original dos outros átomos de idêntica maneira.
182
Aristóteles, Da Alma, 403 b, 31.
Parágrafo 79 — Os átomos não são matematicamente
indivisíveis como as mônadas dos pitagóricos, mas são fisicamente indivisíveis,
pelo fato de não existir neles espaço vazio. Teoricamente, então, não há motivo
por que um átomo não possa ser tão grande como um universo. Tal átomo seria a
mesma coisa que a Esfera de Parmênides, não fosse por causa do espaço vazio
fora dela e a pluralidade de universos. Porém, a verdade é que todos os átomos
são invisíveis. Isto não quer dizer, naturalmente, que todos eles sejam do
mesmo tamanho, pois há lugar para uma variedade infinita de tamanhos aquém do
limite do minimum visibile (mínimo
visível).
Leucipo explicou o fenômeno do peso de acordo com o
tamanho dos átomos e as suas combinações, mas não considerou o peso como uma
propriedade primária dos corpos. Aristóteles afirma claramente que nenhum dos
seus predecessores disse algo com referência ao peso e leveza absolutos, mas
apenas ao peso e leveza relativos, sendo Epicuro o primeiro a atribuir peso aos
átomos. Para os primeiros atomistas, o peso é somente um fenômeno secundário, originando-se, para de uma certa maneira ser explicado, do
excesso de grandeza182 Note-se que a respeito os primeiros atomistas
eram de longe mais científicos do que Epicuro e mesmo do que Aristóteles. A
concepção de peso absoluto não existe em ciência, e é realmente um dos mais
notáveis exemplos do verdadeiro talento científico dos filósofos gregos, que
ninguém, antes de Aristóteles, jamais o utilizou, enquanto Platão o rejeitou
expressamente.
183
Não pode haver dúvida de que se trata de massa, pois a
physis (natureza) de todos os átomos é idêntica e cada átomo é um continuum
(série contínua).
Parágrafo 80 — As diferenças entre os grupos de
átomos são devidas à combinação e à posição. Não é certo se o exemplo das letras do alfabeto cotizado por
Aristóteles foi dado por Leucipo ou Demócrito, mas, seja como for, é provavelmente de origem pitagórica, pois
explica satisfatoriamente o emprego da palavra stoikheion no sentido de elemento, e isso encontra-se em Platão
que, creio eu, não conhecia nada de atomismo. Porém, isto é provável; os pontos
de semelhança entre o pitagorismo e o atomismo haviam sido apontados já por
Aristóteles, que chegou a ter um conhecimento imediato sobre o assunto.
"Leucipo e Demócrito", diz ele, "implicitamente representam
todas as coisas também em números e as produzem a partir de números." Não
vejo como esta afirmação possa ter algum sentido, a não ser que consideremos os
números pitagóricos como modelos ou "números figurados", e, neste
caso é ainda mais surpreendente que Demócrito tenha chamado os átomos de
"figuras" ou "formas" (ideai)-
A idéia do vazio também é pitagórica, embora, como vimos, não foi formulada com
precisão antes de Leucipo. É, então, extremamente difícil dizer que os átomos
são mônadas pitagóricas dotadas das propriedades da realidade de Parmênides, e
que os elementos que surgem das várias posições e combinações dos átomos são,
até aqui, como os "números" dos pitagóricos. De qualquer forma, tal
parece ser a opinião de Aristóteles, se bem que teríamos ficado satisfeitos se
ele mesmo tivesse dado uma explicação mais completa.
Parágrafo 81 — O primeiro efeito do movimento do
átomo é que os átomos maiores se retardam, não porque são "pesados",
mas pelo fato de estarem mais expostos a se chocar do que
os menores. De modo particular, os átomos de forma irregular se envolvem uns
com os outros e formam grupos de átomos que estão ainda mais expostos a se
chocar e a conseqüente retardamento. Os átomos menores e os mais redondos, por
outro lado, mantêm melhor os seus movimentos originais, e estes são os átomos
dos quais é composto o fogo. Note-se que é simplesmente tomado por certo que o
movimento original há de persistir, a menos que algo aja sobre ele,
retardando-o ou fazendo-o parar. Para Aristóteles isto lhe parecia
inacreditável, e a verdade teve de ser redescoberta e firmemente fundamentada
por Galileu e Newton. Foi realmente a suposição de toda a filosofia grega mais
primitiva. Antes da época de Parmênides, era o repouso e não o movimento o que
exigia explicação, e, agora que Leucipo descobrira um meio para desvencilhar-se
da conclusão de Parmênides, foi-lhe possível dar novamente atenção à concepção
mais antiga.
Parágrafo 82 — Em um vazio infinito, no qual um
número infinito de átomos de incontáveis formas e tamanhos está constantemente
se chocando um contra o outro em todas as direções, há um número infinito de
lugares onde se estabelece, pelo seu impacto, um movimento em turbilhão. Quando
isso ocorre, temos o começo de um universo. Não é correto atribuir isto à
casualidade, como fazem mais tarde os escritores. Decorre necessariamente das
pressuposições do sistema. O único fragmento de Leucipo que possuímos sobre
isso afirma que "nada acontece em vão, mas tudo por uma razão (logos) e por necessidade". Note-se
que a teoria do turbilhão derivou daquela de Anaxágoras (parágrafo 60), que,
por sua vez, foi um desenvolvimento da antiga doutrina jônica. Até aqui muito
bem, verificamos que Leucipo era de Mileto, porém ele estudara o assunto muito
mais atentamente do que o seu antecessor. Anaxágoras pensou que a analogia de
um estilingue pudesse aplicar-se e que os corpos maiores ou mais
"pesados" por isso pudessem ser impelidos para a distância mais
afastada do centro. Leucipo não tomou em conta o peso, de modo geral, como uma
propriedade, a qual não é primordial, mas se origina apenas quando o turbilhão já se tenha formado. Ele, por isso, observou antes o que
acontece no caso de corpos num redemoinho de vento ou água, e verificou que os
corpos maiores tendiam rumo à parte central.
Parágrafo 83 — O primeiro efeito do movimento em
turbilhão assim estabelecido é agrupar aqueles átomos semelhantes em forma e
tamanho, e esta é a origem dos quatro "elementos", a saber, o fogo, o
ar, a terra e a água. Este processo foi ilustrado pela imagem da peneira que
reúne todos juntos os grãos de painço, trigo e cevada. Como esta imagem se
encontra também no Timeu de Platão
(52 e), provavelmente é de origem pitagórica. Uma outra imagem é aquela das
ondas separando os seixos numa praia e amontoando as pedras alongadas com as
alongadas e as arredondadas com as arredondadas. Neste processo os átomos mais
leves são impelidos para a periferia, enquanto os maiores para o centro. Para
compreender, devemos ter em mente que todas as partes do turbilhão entram em
contato (epípsausis) umas com as
outras, e é deste modo que o movimento das partes externas é transmitido às
internas. Os corpos maiores oferecem mais resistência (antéreisis) a este movimento transmitido do que os menores,
simplesmente porque eles são maiores e, por isso, mais expostos a impactos em
diferentes direções que neutralizam o movimento em turbilhão. Desta
maneira, eles forçam o seu caminho em direção ao centro onde o movimento é
menor, ao passo que os corpos menores são espremidos rumo à periferia onde o
movimento é maior. Esta é a explicação do peso, que não é uma "qualidade
oculta", mas é originário de causas puramente mecânicas.
Parágrafo 84 — Quando entramos em detalhes,
verificamos que Leucipo se revelou um verdadeiro jônio. Seus mestres eleatas,
sem dúvida, fizeram-no desistir do conceito de cosmologia dos pitagóricos;
contudo, não puderam lhe oferecer algo melhor. Era, então, natural que ele se
voltasse para as teorias do seu concidadão Anaxímenes, e o pouco que sabemos
sobre o seu sistema mostra que assim o fez, como Anaxágoras houvera feito antes
dele. Rejeitou deliberadamente a descoberta dos pitagóricos de que a terra era
esférica, cuja descoberta não ignorava, e ensinou que tinha
forma "de um tamborim", repousando no ar. O motivo por que ela se
inclinou para o sul foi que o calor lá tornou o ar mais rarefeito, e, por isso,
menos capaz de sustentá-la. Com efeito, os atomistas recusaram a teoria da
terra segundo os pitagóricos, e foi somente graças à fusão entre a cosmologia
oriental e ocidental, em Atenas, que finalmente se estabeleceu a nova
conceituação. Embora Aristóteles achasse que a terra estava no centro do
universo, nunca lhe ocorreu duvidar da forma esférica dela.
Parágrafo 85 — Não vale a pena acompanhar em
pormenores a aplicação da teoria atômica aos fenômenos particulares, e a
explicação atômica da sensação e do conhecimento é melhor retê-la até falarmos
de Demócrito, a quem é devida principalmente. Tudo o que temos mais a dizer
aqui é que Leucipo respondera à pergunta de Tales no sentido em que Tales havia
formulado a pergunta, e nenhum progresso ulterior foi possível nesta linha.
Antes que isso pudesse ocorrer, foi necessário dirigir a atenção para os
problemas afins do conhecimento e do comportamento, e veremos no livro seguinte
como isto aconteceu. A elaboração completa da teoria mecânica do universo, que
agora tinha sido dada, levou a ciência a uma paralisação durante certo tempo, e
provocou também uma revolta contra a cosmologia. De uma parte, foi devido aos
peritos nas ciências particulares, especialmente a medicina, os quais tinham
aversão às vastas generalizações dos cosmólogos e afirmavam o direito de cada
ciência ocupar-se com o seu campo específico. O tratado de Hipócrates, Medicina Antiga (cujo sentido é a arte
da medicina baseada na experiência e observação,
em contraste com as teorias médicas de então da escola de Empédocles e outros),
é a melhor prova disto. De outra parte, havia uma revolta contra as ciências
que procediam de homens cujo interesse principal estava na vida prática. Como
podemos saber se estas coisas são verdadeiras, diziam eles, e mesmo que o
sejam, que importância têm para nós? Estas duas questões somente
podem ser tratadas através de uma teoria do conhecimento e uma teoria do
comportamento.
(Filosofia Grega, cap.
IV, "Leucipo")
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